quinta-feira, 31 de agosto de 2023

QUEM É POETA?

A experiência poética não é só a de quem escreve o poema, mas também a de quem o lê. Em tempos de tecnologia industrial avançada e aparentemente vencedora, a poesia ocupa um lugar de criação "menor" e por isso, maior. Maior só o menor, o ínfimo. Não no sentido de uma forma "pequena", mas o "sem forma", como nos espaços infinitesimais do filme "O incrível homem que encolheu" ( Jack Arnold, 1957). A experiência poética se dá num processo de criação subjetiva (bem entendido, no mundo) onde a violência feita à sintaxe e à semântica afronta o caos no próprio terreno que é o da semiótica. Produzir signos a-significantes talvez seja a função do poeta/leitor como aventureiro dos universos indizíveis. Por isso experimenta o gosto das paixões sem dono. Ler um poema é ligar-se ao poema numa linha de fuga existencial, nem que  por um segundo. Zero para a possibilidade de interpretar ou compreendê-lo, ele, o sem-razão e sem-governo, o sem-sentido, o poema. O sentido é o que é produzido pelo leitor. Assim, a experiência poética é  acessivel a todos. Basta sentir a pulsação das horas no coração da Terra. Não é fácil, mas vale a pena. 


A.M.

1. A grande aposta | podcast do projeto Querino | por Tiago Rogero

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Minha mulher e eu temos o segredo para fazer um casamento durar:

Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas. 

Nós também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em SP. 

Eu levo minha mulher a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta. 

Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, "em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!" ela disse. Então, sugeri a cozinha. 

Nós sempre andamos de mãos dadas... 

Se eu soltar, ela vai às compras! 

Ela tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo elétrico. 

Então, ela disse: "nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar".

Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica. 

Lembrem-se: o casamento é a causa número 1 para o divórcio. Estatisticamente, 100 % dos divórcios começam com o casamento. Eu me casei com a "senhora certa".

Só não sabia que o primeiro nome dela era "sempre".

Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la. 

Mas, tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha. 

Ela perguntou: "O que tem na TV?" 

E eu disse: "Poeira".


Luis Fernando Verissimo

#NDL - Jah Do Amor Music Video

terça-feira, 29 de agosto de 2023

Morrer de vez em quando

é a única coisa que me acalma.


Paulo Leminski

Aula Aberta: "Três Acusações a Espinosa" (por Rafael Trindade)

CUIDADO: Zolpidem

A bancária Angélica Prado, 34, tem dificuldades para dormir desde a infância. Mas o diagnóstico de insônia crônica só veio em 2014, junto à recomendação de tomar zolpidem, um remédio indutor do sono. Esse foi o começo de uma relação problemática. Angélica desenvolveu dependência ao medicamento e em uma crise de abstinência tomou 85 doses de uma vez. Ao VivaBem, ela compartilha sua história e a jornada para deixar de usar o remédio.

(...)

Viva Bem, São Paulo, 29/08/2023, 04:20 hs

domingo, 27 de agosto de 2023

Se for dizer a verdade aos outros, faça-os rir, do contrário eles o matarão.


Oscar Wilde

sábado, 26 de agosto de 2023

A NOITE É UMA CRIANÇA

Um amante e seu desejo percorrem as linhas tênues e invisíveis dos corpos, não só humanos. Um amante vive de acontecimentos na borda dos territórios de vida. Há sempre o perigo dele despencar num vazio brutal sem remédio.  Mas os sons da estrada nua ou do mato chegam antes e tamponam o tal vazio com a música da natureza. Ela se incorpora ao amante como gosto de experimentar o deslimite das bocas num bar do fim do mundo. Um amante viaja em si, consigo mesmo, por si mesmo na imensidão do fora de si. Até que o dia amanheça sem culpa e fora do tempo.

A.M

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Pina Bausch The fall dance

DEVIR-MULHER

Todo rosto é uma paisagem.  Mulheres povoam o deserto sem oásis. Paixões são deixadas no caminho dos tuaregues. Encontrei passagens  secretas. Me deixei ir. Dormi com as algas. Salguei nas  entranhas. Escorri  com a  chuva.  O tempo  avisou: a hora  nunca chega. É difícil  encontrar uma  mulher anunciando  o vento, arrastando   enseadas. Lá vem ela  em plena  manhã de  sol. Olho seus olhos. Como posso achá-los senão através de uma  “longa preparação”? Me perco em romances e imagens. Protelo encontros cruéis. Essa alegria  tão alegre,   dói.  Onde  achei   mulheres  de  rosto cósmico,  as  expressões  do mal foram  do  bem.  Fui direto às  que  teceram  vidas e   camas  em   espaços  quentes. Adornei  veias com traços heróicos de coxas lisas.  Olhos  graúdos me ensinaram a nadar  na secura  dos  lábios.  Cabelos muito  pretos cheiravam aos perfumes do orvalho. Eles enlaçavam  a alma viajante das intensidades em brechas do desejo.  Pongando no seu corpo, saí a passear  por planícies infinitas. Isso me trouxe a alegria em pequenos potes. Quantas vezes naufragamos? Toda mulher é uma paisagem. Afirma as horas que chegam doadas em películas de ouro. Nada volta. Estou aqui. Um  coração professa  o anti-romantismo disfarçado de suavidades. Uma voz rouca ecoa musical.  Estágio zero. Nunca se ama uma mulher, mas os seus signos enviados. Os nômades, os feiticeiros, os mágicos, acendem as tardes translúcidas e luzidias de Salvador:  tudo arde, tudo treme na busca da anti-cura do desvario mais selvagem. As mulheres são melhores.



A.M.

TULIPAS AINDA




terça-feira, 22 de agosto de 2023

da comida


adão e eva – inocentes

aceitaram da serpente

a maçã que era de deus


(e assim nasceu caim)


que fome filha da puta

gostaram tanto da fruta

mais saborosa que mel


(e assim nasceu abel)



Líria Porto

domingo, 20 de agosto de 2023

SIGNOS DO AMOR

Apaixonar-se é individualizar alguém pelos signos que traz consigo ou emite. É tornar-se sensível a esses signos, aprendê-los  (como a lenta individualização de Albertina no grupo das jovens). É possível que a amizade se nutra de observação e de conversa, mas o amor nasce e se alimenta de interpretação silenciosa. O ser amado aparece como um signo, uma "alma": exprime um mundo possível, desconhecido de nós. O amado implica, envolve, aprisiona um mundo, que é preciso decifrar, isto é, interpretar. Trata-se mesmo de uma pluralidade de mundos; o pluralismo do amor não diz respeito apenas à multiplicidade dos seres amados, mas também à multiplicidade das almas ou dos mundos contidos em cada um deles. Amar é procurar explicar, desenvolver esses mundos desconhecidos que permanecem envolvidos no amado. É por essa razão que é tão comum nos apaixonarmos por mulheres que não são do nosso "mundo", nem mesmo do nosso tipo. Por isso, também as mulheres amadas estão muitas vezes ligadas a paisagens que conhecemos tanto a ponto de desejarmos vê-las  refletidas nos olhos de uma mulher, mas que se refletem, então, de um ponto de vista tão misterioso que constituem para nós como que países inacessíveis, desconhecidos: Albertina envolve, incorpora, amalgama "a praia e a impetuosidade das ondas". Como poderíamos ter acesso a uma paisagem que não é mais aquela que vemos, mas, ao contrário, aquela em que somos vistos? "Se me vira, que lhe poderia eu significar? Do seio de que universo me distinguia ela?"


(...)


Gilles Deleuze in Proust e os signos

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Maki Namekawa plays Closing from MISHIMA

O QUE É A MENTE?  parte 2

1- Na clínica em psicopatologia (ou para além dela) é possível afirmar  que o delírio vem do social. Atribuir ao cérebro a origem do delírio não só é um equívoco etiológico como também um pretexto para que a psiquiatria atual atue como serva da máquina de poder disfarçada de ciência neurobiológica. 

2- A linha (percurso) do delírio do social até a forma de expressão num discurso individual torna-se possível porque a mente é um sistema conceitual aberto; abarca múltiplas realidades, determinações que efetuam uma variação contínua e subjetiva.

3-Desse modo, a pesquisa da mente é correlata à pesquisa do delírio; a questão da verdade está no miolo; mentes que acreditam em delírios?

4-Se a mente é o universo, o delírio também o é; exposta aos fluxos de signos de toda ordem ( sociais, pessoais, familiares, éticos, políticos, históricos, espirituais, etc) a mente é ela própria delirante mesmo que não esteja a delirar.

5-Observe: tudo pode estar nos trilhos ( uma marcha militar impecável, por exemplo) mas a depender de uma análise de perspectiva, tudo será delirante.

6-Eis aí a máquina do capital; ela codifica a experiência do universo em prol de um único sistema de valores econômicos e semióticos: o Deus-capital.

7-A linguagem vem de fora e produz a mente; o cérebro não produz a  linguagem: é o inverso; ele é uma condição para a expressão subjetiva:  reproduz , replica, informa e comunica; mas não pensa.

8-O pensamento, composto de afetos recolhidos do universo, é um pathos, ato de pensar, prática de corpo, fazedor de mundos.

9-Só que é muito difícil pensar; normalmente se pensa que pensa; nada, nada, só uma pálida representação de corpos.

10- Enfim, a máquina do capital, esperta e aliada da ciência e da tecnologia, refinou tudo; por isso a adoram.


A.M.


sábado, 5 de agosto de 2023

FURTIVO


Passeando num jardim inexistente

Encontrarás uma mulher ausente ...


Segue-a. Fala-lhe. Espera que ela te olhe,

Beija-lhe a mão antes que se desfolhe,


Depois, no ouvido, dize-lhe o que sentes,

Expressa-lhe, em palavras balbuciantes,


Com voz arfante e comoção sincera

A paixão que te faz tremer os dentes 


Dante Milano

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

VIAGENS DE MIGUEL

Miguel aprendeu a dizer Lua, "lúuua". Por sinal, ontem, ela estava bem cheia num céu límpo. Clareava até idéias obscuras. Miguel olhava e dizia: "lúuua, lúuua".Me puxou pela mão. Balbuciava sílabas viajantes. E lá nos fomos pelos mares da lua. Objeto dos românticos de todos os rincões, a lua é um devir, devir-lua. Miguel observa que ela é branca e leitosa.  Derrama sua luz sensual sobre corpos em transe. No caso de Miguel, contudo, não é bem o  "em transe", mas uma viagem sem forma pela noite adentro. Noite-mistério dentro de mim. Miguel e a lua me fazem lunáticos na terra, ou terráqueos na lua, tanto faz. O que conta é o vôo no mesmo lugar, seu rosto girando ao redor do infinito sem deixar de ser a distância até a lua. Medidas astronômicas? Ora, estas são medidas humanas, por demais humanas. Trata-se de outra coisa, fluxo metafísico que Miguel  me desperta. Sem medidas. Fomos dormir e a lua não. Miguel sorriu pois não queria dormir...sem ela.


A.M. ( em 30/09/2012)

terça-feira, 1 de agosto de 2023

O que é a mente?

1- A mente é um construto teórico criado com o fim de compreender/explicar as ações humanas.

2- Ela e o corpo possuem a mesma substância de origem; segundo Espinosa, essa substância é Deus.

3- No entanto,  a mente e o corpo se diferenciam como modos de expressão: a mente, o pensamento. O corpo, a extensão.

4- O combustível da mente são os afetos. Eles vêm do mundo através dos signos ( pessoas, instituições, lugares, acontecimentos, etc)

5- Há, pois, um encontro com os signos; pode ser positivo (aumento da potência de viver: a alegria) ou negativo (diminuição da potência de viver: a tristeza).

6- Assim, os afetos preenchem o pensamento. Não há pensamento sem afeto; consciência e racionalidade são efeitos, não causas.

7-Se os afetos (do mundo dos signos) são também o corpo, tudo que é mente é corpo; tudo que afeta o corpo afeta a mente e vice-versa. 

8 - Chegamos, então, a um monismo "existencial" da subjetividade.

9- Entre muitas,  há duas consequências de tal concepção: uma ética, a alegria; uma política, a contra-servidão.

10 - O ato de pensar é um exercício perigoso porque é imediatamente prático: dado um corpo, qual a sua potência?