terça-feira, 27 de agosto de 2024

Para que serve minha vida e o que vou fazer com ela? Não sei e sinto medo. Não posso ler todos os livros que quero; não posso ser todas as pessoas que quero e viver todas as vidas que quero. E por que eu quero? Quero viver e sentir as nuances, os tons e as variações das experiências físicas e mentais possíveis de minha existência. E sou terrivelmente limitada. (…) Tenho muita vida pela frente, mas inexplicadamente sinto-me triste e fraca. No fundo, talvez se possa localizar tal sentimento em meu desagrado por ter de escolher entre alternativas. Talvez por isso queira ser todos – assim, ninguém poderá me culpar por eu ser eu. Assim, não precisarei assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento do meu caráter e de minha filosofia.

Eis a fuga pra loucura…


Sylvia Plath

Sociedade de controle em Deleuze

domingo, 25 de agosto de 2024

ALGUÉM  ME PERSEGUE

Numa análise do desejo, o militante da extrema direita ou o crente da extrema direita (que dá no mesmo), adota (e carrega) uma visão paranóica do mundo. Ele deseja uma revolução às avessas e que promova uma faxina nas mentes. A produção de teorias conspiratórias é um exemplo didático. Expressa bem o universo deliróide que funciona 24 hs em direção a uma psicose coletiva.

Confira. Pode ser na internet.


A.M.

DESTRUIR, DESTRUIR

Gememos sob o peso do progresso, que nos escraviza enquanto promete nos libertar” – Bergson


Quando a semente cai no solo, alguma coisa acontece. Este encontro desperta o grão do seu torpor; seu interior se retorce, tudo nele tende ao exterior, quer brotar. A partir deste momento, a luz, a água, todos nutrientes da terra serão seus mais íntimos aliados. Seu destino é morrer pra germinar. A planta quer brotar, a semente quer virar árvore, e tudo em seu caminho será visto como um obstáculo a ser superado. 

A ideia de passagem da potência ao ato é muito antiga. Este conceito é entendido da seguinte maneira: tudo o que é, em ato, parece ser apenas uma fração do seu ser em potência. Em outras palavras, tudo o que é ainda não o é  totalmente, pois falta alguma coisa. A semente é a árvore em potência, a criança é o adulto em potência, os ingredientes separados são o prato em potência. Ou seja, ainda não são, mas existe a possibilidade de ser, caso o ato produtivo seja levado ao seu limite.

Este mesmo raciocínio teleológico foi aplicado ao ser humano. A existência estendida numa linha progressiva de evolução. Primeiro, o ser humano nasce, é um bebê, precisa se desenvolver. Depois cresce, torna-se um adulto produtivo e reprodutivo. E depois de preencher seu destino, cooperar com a sociedade e reproduzir-se, pode enfim morrer. Eis o caminho: nascer, crescer, se reproduzir e morrer. Esta é a linha da existência, que se entrelaça com outros membros da sociedade e os filhos. Quando criança, o ser humano ainda não é tudo o que pode ser, por isso, cabe a todos nós a tarefa de nos tornarmos plenamente aquilo que guardamos em nossa essência.

Por fim, esta ideia ganhou conotações sociais. Não mais apenas o ser humano, mas agora toda a humanidade, em seu conjunto, é vista como um ser em potência. Este pensamento foi levado às últimas consequências: se antes vivíamos como primitivos, e depois o pensamento filosófico prevaleceu, agora estamos no momento da plena afirmação da ciência. Fomos capazes , muitos diriam, de transformar a potência primitiva em ato científico e atingir o topo da civilização.

Vivemos encantados pela ilusão de uma sociedade em potência, que em algum momento do futuro realizará completamente todas as suas potencialidades escondidas, basta que as condições certas sejam preenchidas. Sim, mas quais? Bom, alguns dizem que é necessário desenvolver mais o campo tecnológico; o argumento dos economistas é que o PIB precisa bater novos recordes; os liberais dizem que a saída passa pela educação e os conservadores argumentam que é necessário manter a tradição, afinal, ela que guarda a nossa essência. Apesar de ser difícil apontar o caminho correto, o raciocínio é sempre o mesmo: há uma barreira entre nossa incompletude e o sonho de plenitude.

Deste modo, parece que todas as nossas ações são tentativas de abrir as portas do progresso e convidá-lo a entrar, mas ele se recusa… se faz de difícil, permanece do lado de fora. Tentamos seduzi-lo com nossas ações, palavras e promessas, mas parece que ainda não somos dignos de sua presença. Desta maneira, estamos sempre nos lançando num futuro que nunca chega. É preciso produzir mais, acumular mais, comprar e vender mais, colonizar mais! Pensando nisso, saímos à procura de mais mercados consumidores, mais acordos bilaterais, mais extração de madeira, petróleo, minérios. Mais, sempre mais e mais. Enchemos a dispensa da casa com todos os produtos possíveis, mas o progresso não chega. Levamos a democracia para os quatro cantos do mundo, mas o progresso não se aproxima. De tão etéreo, este sonho começa a brilhar à distância, como uma ideia norteadora de todas as nossas ações. Sabemos que ele não chegará, mas ao menos serve de guia para sabermos o que fazer. 

Este é o pensamento ao qual o nosso tempo existencial se submeteu. O mundo se acelera cada vez mais tentando alcançar aquilo que nunca virá. E neste momento o filósofo começa a desconfiar. Por que acreditamos que o futuro será melhor que o passado? Quando esta crença sequestrou a nossa imaginação? Tudo começou com a convicção de que as coisas têm um caminho pré-estabelecido, uma essência pré-determinada. Depois esta crença converteu-se em um dever, que se intensificou com a ideia absurda de que a evolução da sociedade se faria em linha reta numa única direção. 

O que poucos admitem é que a ideia de progresso está destruindo nosso mundo. O progresso parece falar de uma felicidade geral para a sociedade, um novo estágio onde a satisfação geral seria garantida pelos excessos da produção. Mas esta busca frenética mostra outra coisa: uma violência onde alguns poucos se beneficiam da exploração da natureza e do corpo social. Basta ver como este objetivo nunca foi capaz de reduzir o esforço, e sim apenas aumentar a produção. Sendo mais direto: o progresso e a evolução acontecem apenas na conta bancária dos poderosos. 

É fácil perceber como a imposição da ideia de progresso não se torna um subterfúgio imaginativo para autorizar a violência e exploração de muitos em benefício de poucos. Em outras palavras, a teoria na prática é outra, enquanto a natureza é violentada por motoserras e picaretas e o trabalhador é massacrado por jornadas de trabalho extenuantes e metas inalcançáveis, o lucro das empresas no fim do semestre bate novos recordes.

É difícil não ser alarmista, mas a ideia de progresso vai acabar com o planeta como o conhecemos. Ironicamente, a busca pelo melhor dos mundos se tornou uma das causas de sua destruição. Os “melhoradores da humanidade” construíram máquinas, se esforçaram para tornar tudo mais eficiente, e conseguiram, mas a felicidade é adiada em nome do progresso, ainda não é hora, é necessário deixar o bolo crescer mais antes de dividi-lo.

Estamos no meio desta encruzilhada, onde a soma de mais com mais, de alguma maneira, dá menos. A matemática atual diz que se somarmos tudo, terminaremos com nada. Sabemos que vivemos no século do progresso, mas quem nunca se perguntou, “progresso de quê?”, ou melhor, “progresso pra quem?”, ignora aspectos importantes desta questão. E não se enganem, os melhoradores do mundo não sabem responder a estas perguntas.


Do site "Razão idadequada", acesso em 25/08/2024

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Saying our goodbyes to NDT dancers after season 2023-2024

À PROCURA  DA  DIFERENÇA

Em saúde mental, conceito que remete ao Fora (funcionamento produtivo e múltiplo das sociedades) e ao pensamento sem imagem (não representativo), a diferença se faz e se tece por linhas invisíveis. Por isso e para isso segue um percurso tortuoso e arriscado onde a poesia talvez se torne a expressão mais intensa do seu corpo supliciado mas sempre alegre. Não é possível identificá-la ("veja, a diferença!") nem assimilá-la a formas sociais estáveis ou a consciências bem intencionadas. Ela não tem identidade, organização visível, protocolo, modelo pronto, senha oculta, rosto único, significante total, mas conteúdos dispersos (desejos) formigando por toda parte. Isso contraria e assusta os guardas perfilados da razão erudita e os moralistas de plantão. A Escola, o Manicômio (à céu aberto), o Direito, a Universidade, o Estado, o Mercado, a Pessoa... tantas linhas sedentárias... atormentam o viver com práticas mortuárias. Falamos então de outros universos, sensibilidades desconhecidas, singularidades. Para além dos axiomas da saúde mental e da educação que lhe são correlatos, a diferença só pode ser encontrada no mundo do abstrato, mundo sem forma e ao mesmo tempo real, realíssimo, movido por devires incontroláveis. Eles fluem, morrem e nascem aqui mesmo na Terra, ao nosso lado, dentro de nós.


A.M.

Canção bêbeda


Estou bêbedo de tristeza,

De doçura, de incerteza,

Estou bêbedo de ilusão,

Estou bêbedo, estou bêbedo,

Bêbedo de cair no chão.


Os que me virem caído

Pensarão que estou ferido.

Alguém dirá: "Foi suicídio!"

"É um bêbedo!" outros dirão.


E ficarei estirado,

Bêbedo, desfigurado.


Talvez eu seja arrastado

Pelas ruas, empurrado,

Jogado numa prisão.


Ninguém perdoa o meu sonho,

Riem da minha tristeza,


Bêbedo, bêbedo, bêbedo,


Em mim, humilhada a glória,

Escarnecida a poesia,


Rasgado o sonho, a ilusão

Sumindo, a emoção doendo.


E ficarei atirado,

Bêbedo, desfigurado.


Dante Milano

domingo, 18 de agosto de 2024

Necro-psiquiatria - Esboço de conceito : parte 3


Uma agência de controle cuida de pacientes impacientes. À serviço da ordem estabelecida do capital financeiro e industrial, ela estanca o devirIsso implica numa fabricação-em-série de serviços e servos. Faz valer a ética da razão utilitária. Via controle dos afetos, o mercado da angústia oficializa o abate das mentes. A ciência garante.


Obs. - texto revisado.

A.M. 

grávida


esperava filho

como tivesse

o rei na barriga



líria porto

Marc Cary solo - Throw it Away

O DESEJO em SPINOSA

O desejo pode nascer da impotência, ou seja, ser determinado de fora, ou pode nascer de nossa própria essência e ser determinado de dentro. O que desejamos? Esta pergunta é muito importante, porque se não sabemos o que pode o corpo, também não sabemos o que deseja o corpo! Apenas o desejo potente é capaz de afetar de modo a sempre aumentar sua potência, e este é o esforço contínuo do conatus.

A grande beleza desta ideia é que o desejo, ao se tornar mais forte, torna-se também mais inteligente. Ele pode agir de maneira mais adequada. A razão não pode oferecer objetos ao desejo sem que este esteja disposto, forte, potente, para aceitá-los e se deixar afetar por eles. Quando isso torna-se possível, razão e desejo fundem-se, tornam-se um só. A razão torna-se afeto e os desejos se tornam racionais. Não no sentido de serem frios e calculistas, mas sempre no sentido de encontrarem aquilo que lhes afeta de modo a torná-lo sempre mais potente.

(...)

Do Site "Razão Inadequada". acesso em 18/08/2024

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Eu me contradigo?

Pois muito bem, eu me contradigo. 

Sou amplo, contenho multidões.


Walt Whitman

LOLA - Mitchell Woodcock & Sophie Holloway - Theatre Jazz

O QUE É NECRO-PSIQUIATRIA? 

É a psiquiatria atual. Ela ocupa a hegemonia nas relações institucionais (mais que a psicologia ou a psicanálise) em saúde mental. Isto quer dizer que 1- Concebe os transtornos mentais como originados no cérebro. Tudo é orgânico :  império das sinapses, travamento dos neurônios e indisponibilidade dos neurotransmissores. 2- A psicopatologia clínica (teoria e técnica) é desprezada ou simplesmente ignorada. Busca o controle dos corpos e para isso trata os pacientes só com remédios químicos ou, quando não há "melhora",  usa ainda assim técnicas que atuam sobre o organismo físico-químico: os chamados tratamentos "somáticos" que substituem os anteriores, também somáticos. 3-Prioriza a internação em hospitais psiquiátricos (mesmo adocicados por atividades lúdico-recreativas), desconsiderando o valor dos Caps, ambulatórios e outras formas de tratamento em liberdade. 4-Estabelece fortes alianças institucionais com a indústria farmacêutica internacional ( e nacional), além das farmácias comerciais, na volúpia pela obtenção de lucros às custas do sofrimento mental e da medicalização da sociedade. 5-Dissemina-se na midia e na mente das populações como modo de ocultar problemas sociais, já que enxerga o mundo tão só sob a ótica psiquiátrica. Tudo é psiquiatrizável! 6- Reduz o conceito de saúde mental ao âmbito estreito da psiquiatria "neurológica", donde a equação saúde mental=saúde torna-se equivalente a saúde cerebral=saúde psiquiátrica. 7-Adota de forma subliminar (maquiada) o axioma positivista (romântico) da ciência moderna de teor salvacionista para a humanidade. 8- Sob a proteção da ordem jurídica (só o psiquiatra está autorizado a dizer se você está ou é louco), organiza-se na sociedade civil em entidades, produzindo corporativismos que atendem aos interesses de lucro, prestígio e poder dos seus pares. 9- Na universidade, usa e abusa das pesquisas neurocientíficas como referência de verdade para a construção de uma clínica psiquiátrica cada vez mais "científica" e daí respeitada pelo establishment. 10-Na relação com os demais técnicos em saúde mental (exemplo das equipes dos Caps) funciona na verticalidade do poder que o psiquiatra outorga a si mesmo como médico da mente. 11 - Secreta sua verdade na avaliação de problemas da escola, diagnosticando e intoxicando crianças com psicofármacos. Causas psicossociais são encobertas pela fala da autoridade médica. 12- Desse modo, efeitos clínicos, morais, políticos, éticos, educacionais e culturais são identificados a uma necro concepção de mundo.


A.M.


segunda-feira, 5 de agosto de 2024

QUE AMOR?

Jamais alguém fez algo totalmente para os outros. Todo amor é amor próprio. Pense naqueles que você ama: cave profundamente e verá que não ama à eles; ama as sensações agradáveis que esse amor produz em você! Você ama o desejo, não o desejado.


F. Nietzsche

JENNY SAVILLE


 

sábado, 3 de agosto de 2024

DIAGNÓSTICOS LUCRATIVOS


A psicopatologia é uma ferramenta importante da psiquiatria clínica.Ou, pelo menos, deveria ser. No entanto, em neurotempos atuais ocorre o inverso. Não se fala e não se pesquisa psicopatologia. Só há transtornos mentais orgânicos, mesmo não sendo, e suas descrições encaixotadas e encaixotantes. A psicopatologia tornou-se a neuromania dos crâneos. Ela funciona acoplada á máquina do capital. Produção/consumo/produção.  Olhe em torno: eis a vitrine macabra dos transtornos mentais. Há um vazio epistemológico deixado e preenchido pela vontade de controle da psiquiatria biológica. Tal vontade opera no cadastramento dos desvios de conduta, do mau comportamento social, do irracionalismo do eu-individual, enfim, no aniquilamento da alma das pessoas. Isto se traduz como diagnóstico-verdade. Em tal contexto, a loucura se alastra por toda parte, não como experiência de abertura a novas semióticas ("loucura" de viver a vida), a novas terras aqui-mesmo, ao novo, mas, ao contrário, como esvaziamento do sentido da existência, fim de mundo, apocalipse, noite eterna, buraco negro. Confira a alta cotação das religiões no mercado espiritual do medo. A ideação suicida, o próprio suicídio, ou a auto-flagelação de jovens são apenas rostos da angústia inominável do tecido social em decomposição. Desse modo, uma psiquiatria sem pesquisa psicopatológica não só cauciona o sofrimento psíquico como o produz e dele retira lucro, poder, prestígio, reverência e status social. Ela se tornou uma mega-agência de controle social e fábrica de diagnósticos on-line. Via You Tube é uma simples amostra.


A.M.

SUPER-RICOS IMPOSTOS

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

O  EXTERMÍNIO  DA  ALMA - I

Fenômeno modelar das sociedades industriais modernas (plugadas na ideia de progresso ), ele opera nas dobras invisíveis da alma, expondo-a à venda. Tal é o reino da mercadoria. A instituição -ciência comparece com o selo de garantia da verdade. Um culto à morte se instala naturalmente. Verifique as guerras.


A.M.