quarta-feira, 30 de outubro de 2024

a alma sente o mundo

e o corpo

é o mundo


por isso a estranheza dos afetos

e a velocidade da arte

fazem do tempo


um amor sem jeito

e sem forma



A.M.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

CAPITALISMO MUNDIAL INTEGRADO : O EMPREENDIMENTO DA MORTE

Para entendermos o que está acontecendo, é preciso tomar ao pé da letra a idéia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro.  Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro.  O Banco – com os seus cinzentos funcionários e especialistas - assumiu  o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram de sua soberania ), manipula e gere a fé – a escassa, incerta confiança – que o nosso tempo ainda traz consigo. Além disso, o fato de o capitalismo ser hoje uma religião, nada o mostra melhor do que o titulo de um grande jornal nacional (italiano) de alguns dias atrás: “salvar o euro a qualquer preço”. Isso mesmo, “salvar” é um termo religioso, mas o que significa “a qualquer preço”? Até ao preço de “sacrificar” vidas humanas? Só numa perspectiva religiosa (ou melhor, pseudo-religiosa) podem ser feitas afirmações tão evidentemente absurdas e desumanas.

(...)

Giorgio Agamben - trecho de entrevista concedida em 16/08/2012

😱 Eduardo Marinho

terça-feira, 22 de outubro de 2024

A escrita rizomática

O rizoma faz o múltiplo, mais do que o anuncia. O fracasso de uma biologia que não fosse molecular, segundo Félix Guattari, em seu livro Revolução molecular, poderia encontrar na botânica os princípios de um rizomorfismo. [1] Em outras palavras, simultaneamente conexões, heterogeneidades, multiplicidades e assignificâncias, o rizoma em sua orfandade radical desenha uma literatura e uma escrita cuja alma, sempre carnal, nervura e gozo sem entraves da língua, na língua, está para além das regenerações, das reproduções das hidras e medusas. Rizoma é só produção, dança das palavras, viagem da língua na língua.Em oposição ao modelo centralizado, coagulado, desidratado e organizado, o rizoma se define como um agenciamento de alianças, sempre pelo meio, e em perpétuo devir. Fazer rizoma é enveredar como um cavalo louco para uma escrita cujo devir é o devir-pensamento-musical da própria escrita. A escrita rizomática é órfã, inclusive, do pecado… Qual foi o castigo maior, a infâmia suprema do Divino contra o homem pecador? Ao pecar, ele nela, ela nele, ambos desaprenderam a cantar. Sem a música, sem a fascinação nela inserida, como uma sina, a escrita torna-se seca, fria, túmulo do pensamento. A escrita não perde apenas o sexo, as sexualidades, os arrepios do gozo, mas seu destino maior: o acontecimento. Ser digno daquilo que nos acontece, afora todo e qualquer axioma moral.

O corpo como pensamento melódico, o corpo como saúde, isto é, como literatura sem o aprisionamento de uma língua que a asfixia na nulidade de uma escritura que se substitui, como um câncer, ao fogo da escrita.  A escrita sempre por vir. Ora, saúde, enquanto literatura, consiste em inventar um povo que falta. Cabe, pois, a função fabuladora da escrita de engendrar esse povo que falta, sob o signo de palavras parideiras. Palavras parideiras, disse eu?! Como as “Pedras Parideiras” de Frecha da Mizarela, famosas em Portugal, a escrita rizomática são pedras que parem pedras.

(...)

Daniel Lins

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

O  EXTERMÍNIO  DA  ALMA - I

Fenômeno modelar das sociedades industriais modernas (plugadas na ideia de progresso ), ele opera nas dobras invisíveis da alma, expondo-a à venda. Tal é o reino da mercadoria. A instituição -ciência comparece com o selo de garantia da verdade. Um culto à morte se instala naturalmente. Verifique as guerras.


A.M.

sábado, 12 de outubro de 2024

CURA DA LOUCURA?

“Não. A condição humana não termina nunca. Isso é um sonho. A loucura existe desde a noite dos tempos, como a sexualidade, o suicídio ou a morte. Ela faz parte da condição humana. O que muda é a representação que fazemos dela. Na Idade Média, o louco não tinha o mesmo lugar que tem hoje. O grande movimento se deu quando se considerou, a partir do século 18, que a loucura era uma doença mental. Essa é a mudança. Antes, falava-se em possessão do demônio, que era a expressão entre os antigos, de uma fúria interna ligada ao organismo, etc. Hoje, tudo é considerado do ponto de vista da doença. É a nossa época. Pensava-se que seria vencida, pois poderíamos curá-la, como se cura uma doença. Mas não. E a prova é que se pensava isso também do suicídio, que os remédios venceriam o suicídio. Mas não se pode vencer os grandes dados da condição humana. Ela tomará formas diferentes. A humanidade não pode curar-se do que ela é. Já imaginaram uma sociedade que eliminasse a morte, o suicídio, a loucura, o que mais? Curaríamos a neurose. Mas seríamos o quê, então? O que seria o homem livre de suas paixões? Seria um cemitério!”


Elizabeth Roudinesco, entrevista concedida em 1999, disponível em hhp://www.rodaviva.fapesp.br 

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

OUTRAS PAISAGENS

É possível que a amizade se nutra de observação e de conversa, mas o amor nasce e se alimenta da interpretação silenciosa. O ser amado aparece como um signo, uma "alma"; exprime um mundo possível, desconhecido de nós. O amado implica, envolve, aprisiona um mundo, que é preciso decifrar, isto é, interpretar. Trata-se mesmo de uma pluralidade de mundos; o pluralismo do amor não diz respeito apenas à multiplicidade dos seres amados, mas também à multiplicidade das almas ou dos mundos contidos em cada um deles. Amar é procurar explicar, desenvolver esses mundos desconhecidos que permanecem envolvidos no amado. É por essa razão que é tão comum nos apaixonarmos por mulheres que não são do nosso "mundo", nem mesmo do nosso tipo. Por isso, as mulheres amadas estão muitas vezes ligadas a paisagens que conhecemos tanto a ponto de desejarmos vê-las repetidas nos olhos de uma mulher, mas que se refletem, então, de um ponto de vista tão misterioso que constituem para nós como que países inacessíveis, desconhecidos.

(...)

G. Deleuze in Proust e os signos

Rehearsal world premiere - Christos Papadopoulos (NDT 1 | Architecture o...