sábado, 26 de abril de 2025

SOBRE A EXPERIÊNCIA ADOLESCENTE

A adolescência é um processo existencial situado no cruzamento de múltiplas determinações bio-psicossociais (ou culturais). Tais determinações incidem sobre o corpo e o que o segue, ou seja, o desejo. Entretanto, esse conceito de desejo não remete necessariamente à sexualidade, mas às potências de vida que se expressam e se expandem nas singularidades de cada indivíduo. O desejo e o corpo  formam, então, linhas subjetivas que irão mapear a existência do ser adolescente. Só que não existe o ser-adolescente como uma identidade (espécie de diagnóstico implícito) e sim como multiplicidade expressa num dado campo social e institucional.  Em tempos internéticos ( irreversíveis) esse campo social é atravessado pela linguagem virtual que substitui a linguagem corporal. Tal fenômeno cria um vazio corporal (o que posso?), afetivo (o que sinto?) e subjetivo (quem sou?) que irá tornar o adolescente mais ou menos vulnerável aos signos de informação e comunicação que lhe chegam velozes. Então, a experiência de ser um individuo humano dotado de razão passa a ser produzida pelo que vem de fora (mensagens de toda ordem) e ao mesmo tempo já está dentro da alma como "eu partido" em face de um mundo externo imediatamente interno. Trata-se, enfim, de uma máquina de controle e dominação invisíveis. Como resistir?


A.M.

terça-feira, 22 de abril de 2025

UM MUNDO PARANÓIDE

Numa análise do desejo o militante de extrema direita ou o crente da extrema direita (o que dá no mesmo), adota, carrega e goza uma visão paranóide da realidade. Trata-se de uma imensa  bolha de egos mantida como proteção hostil e armada. Secreta um inimigo onipresente que Deus ajuda a vigiar. E punir. A extrema-direita funciona como "remédio social" já que prega uma revolução às avessas. Tudo às custas de uma grande faxina das mentes emporcalhadas. Uma produção mortuária e insana de teorias conspiratórias é exemplo de acesso fácil mas aterrador. Expressa um fluxo afetivo deliróide montado em escala industrial. Linha de montagem de  almas desalmadas. A fratura da linguagem já está exposta. Isso não cessa, isso não pára, isso não cede, isso mata: a semiologia clínico psiquiátrica é a de uma mega-psicose coletiva: enfim, a profecia (não a dos profetas) cumpriu-se: o capital, como fazem os vampiros, encarnou-se na economia do espírito: No return.  A internet é pródiga. Confira.


A.M.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

O TRUMP NÃO É um FENÔMENO NOVO: ARBEX EXPLICA

Genealogia da Moral

Ensaio sobre o Ressentimento e a Má Consciência

"Estes são todos homens do ressentimento, estes fisiologicamente desgraçados e carcomidos, todo um mundo fremente de subterrânea vingança, inesgotável, insaciável em irrupções contra os felizes, e também em mascaramentos de vingança, em pretextos para vingança: quando alcançariam, realmente o seu último, mais sutil, mais sublime triunfo da vingança? Indubitavelmente, quando lograssem introduzir na consciência dos felizes sua própria miséria, toda a miséria, de modo que estes um dia começassem a se envergonhar da sua felicidade, e dissessem talvez uns aos outros: ‘é uma vergonha ser feliz! existe muita miséria!’… "

Nietszche,  Genalogia da Moral,  terceira dissertação,  §14

Para Nietzsche, a atualidade se constitui como niilismo, e seu resultado inevitável é o ressentimento. Este afeto é tão difundido em nossa sociedade que mereceu uma análise mais atenta de nossa parte, usando como principal interlocutor o livro Genealogia da Moral, do filósofo alemão. Em primeiro lugar, o ressentido é intolerante, ele recusa a diferença e o devir, além de ter ódio do mínimo desvio da norma. Então ele agita as mãos gritando por justiça e lei, mas nós nos perguntamos: que justiça, que lei?

"Homem tricotando o fio da meada de seu próprio coração"

Ou seja, sofremos de uma impotência para admirar uma força que se afirma, morremos de medo da mínima possibilidade de transvaloração dos valores, queremos paz estupidificante, o sono dos justos. O ressentimento é hostilidade para com o mundo e a busca por um entorpecimento contra ele. Um estimulante (que evita perder-se na dor), um narcótico (que evita que a dor nos consuma). Ou seja, ressentimento é a anestesia contra todos os sofrimentos crônicos que tomam de assalto nossa vida, nossa consciência, ele é nosso narcótico, o remédio que faz efeito permite que a vida continue.

Psicologia e Ressentimento

Neste contexto, Nietzsche desenvolveu sua Psicologia como uma tipologia, uma genealogia das forças e análise de sua distribuição em um mesmo organismo. Temos o nobre e o escravo. O que acontece com o pensamento sob a pressão da doença? Temos que tomar cuidado, um filósofo da suspeita sempre se pergunta, “foi aqui a doença que inspirou estes pensamentos?”. Nietzsche acredita que é possível filosofar à sombra do niilismo, mas que nosso maior inimigo é o ressentimento e a má consciência.

O homem está cansado, e nós estamos cansados do homem. Nossa ideia é pegar os movimentos reativos e levá-los novamente para um terreno ativo. Encontrar onde a planta do ressentimento começa a fincar suas raízes para podá-la! Sim! Por ser vetado ao ressentido a verdadeira felicidade, ele precisa fingi-la aos olhos alheios, cabe a nós entender esta farsa e encontrar saídas mais potentes, buscar horizontes alargados.

Esta é a difícil tarefa do filósofo, andar pelo lodaçal da doença sem se deixar sujar pelo ressentimento. A Genealogia da Moral é a avaliação prévia ao: amor fati. Mais do que nunca essas reflexões filosóficas precisam ser feitas: O homem do ressentimento precisa ser superado!


Razão inadequada, Rafael Lauro e Rafael Trindade,  site acessado em 21/04/2025



DINHEIRO, SEITA, POLÍTICA E CAOS, A FÓRMULA DOS LEGENDÁRIOS

A vocês, eu deixo o sono.

O sonho, não!

Este eu mesmo carrego!


Paulo Leminski

sábado, 19 de abril de 2025

João Cezar de Castro Rocha

O que é a mente?  1 - a partir de Espinosa


1- A mente é um construto teórico criado com o fim de compreender/explicar as ações humanas.

2- Ela e o corpo possuem a mesma substância de origem; segundo Espinosa, essa substância é Deus.

3- No entanto,  a mente e o corpo se diferenciam como modos de expressão: a mente, o pensamento. O corpo, a extensão.

4- O combustível da mente são os afetos. Eles vêm do mundo através dos signos ( pessoas, instituições, lugares, acontecimentos, etc)

5- Há, pois, um encontro com os signos; pode ser positivo (aumento da potência de viver: a alegria) ou negativo (diminuição da potência de viver: a tristeza).

6- Assim, os afetos preenchem o pensamento. Não há pensamento sem afeto; consciência e racionalidade são efeitos, não causas.

7-Se os afetos (do mundo dos signos) são também o corpo, tudo que é mente é corpo; tudo que afeta o corpo afeta a mente e vice-versa. 

8 - Chegamos, então, a um monismo "existencial" da subjetividade.

9- Entre muitas,  há duas consequências de tal concepção: uma ética, a alegria; uma política, a contra-servidão.

10 - O ato de pensar é um exercício perigoso porque é imediatamente prático: dado um corpo, qual a sua potência?


A.M.


 

Eu sou quem arde com amor ardente


Eu sou quem arde com amor ardente;

A terra não gravita? Matéria não atrai, ardendo, mais matéria?

Pois bem meu corpo o que conhece, encontra…


Walt Whitman

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Yuja Wang: Philip Glass Piano Etude No. 6 [HD]

O QUE É A MENTE?  parte 2


1- Na clínica em psicopatologia (ou para além dela) é possível afirmar  que o delírio vem do social. Atribuir ao cérebro a origem do delírio não só é um equívoco etiológico como também um pretexto para que a psiquiatria atual funcione como serva da máquina de poder disfarçada de ciência neurobiológica. 

2- A linha (percurso) do delírio do social até a forma de expressão num discurso individual torna-se possível porque a mente é um sistema conceitual aberto; abarca múltiplas realidades, determinações que efetuam uma variação contínua e subjetiva (afetiva).

3-Desse modo, a pesquisa da mente é correlata à pesquisa do delírio; isso porque a questão da verdade está no centro da discussão; qual é a verdade? existe uma verdade única? a mente acredita em delírios?

4-Ora, a mente é o delírio do universo; exposta aos fluxos de signos de toda ordem ( sociais, pessoais, familiares, religiosos, éticos, políticos, históricos, espirituais, etc) a mente é ela própria delirante mesmo que não esteja a delirar; ou que não pareça delirar.

5-Observe: tudo pode estar nos trilhos (uma marcha militar impecável, operários numa linha reta de montagem, servos ajoelhados diante do um chefão impassivel, fiéis num grupo rezando etc) : a depender de uma visão de perspectiva, de uma análise de desejo, tudo isso poderá ser considerado delirante.

6-Eis pois a máquina social que nos dias atuais é a máquina do capital; ela codifica a experiência do universo em prol de um único sistema de valores econômicos e semióticos: o Deus-capital.

7-A linguagem é uma instituição muito antiga. Ela chega de fora e produz a mente; o cérebro não produz a  linguagem: é o inverso; no entanto, ele é condição orgânica (biológica) para a expressão subjetiva:  representa, replica, informa e comunica; mas não pensa.

8-O pensamento, composto de afetos recolhidos do universo, é um pathos ( sensibilidade), ato (veloz) de pensar, prática de corpo, fazedor de mundos, sentido de vida.

9-Só que é muito difícil pensar; normalmente se pensa que pensa; nada, nada, só uma pálida representação do real.

10- Isso porque a máquina do capital, aliada da ciência e da tecnologia (instituições de grande prestígio social), impede a mente de exercer a sua função de pensar: por isso a adoram.


A.M

domingo, 13 de abril de 2025

Wojciech Kilar - "Bram Stoker's Dracula" (1992) - "Mina & Dracula" - live

COMO FAZER HOMENS LIVRES?

Quando alguém pergunta para que serve a filosofia, a resposta deve ser agressiva, visto que a pergunta pretende-se irônica e mordaz. A filosofia não serve nem ao Estado, nem à Igreja, que têm outras preocupações. Não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia que não entristece a ninguém e não contraria ninguém, não é uma filosofia. A filosofia serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas. Existe alguma disciplina, além da filosofia, que se proponha a criticar todas as mistificações, quaisquer que sejam sua fonte e seu objetivo? Denunciar todas as ficções sem as quais as forças reativas não prevaleceriam. Denunciar, na mistificação, essa mistura de baixeza e tolice que forma tão bem a espantosa cumplicidade das vítimas e dos algozes. Fazer, enfim, do pensamento algo agressivo, ativo, afirmativo. Fazer homens livres, isto é, homens que não confundam os fins da cultura com o proveito do Estado, da moral, da religião. Vencer o negativo e seus altos prestígios. Quem tem interesse em tudo isso a não ser a filosofia? A filosofia como crítica mostra-nos o mais positivo de si mesma: obra de desmistificação. […] tolice e a bizarria, por maiores que sejam, seriam ainda maiores se não subsistisse um pouco de filosofia para impedi-las, em cada época, de ir tão longe quanto desejariam, para proibi-las, mesmo que seja por ouvir dizer, de serem tão tolas e tão baixas quanto cada uma delas desejaria.


Gilles Deleuze 


terça-feira, 8 de abril de 2025

Necropsiquiatria - esboço de conceito: parte 4


Se a psiquiatria atual não dispõe de uma teoria dos afetos, o dado clinico essencial é o de que o paciente não é escutado.

Trata-se de um truísmo.

No entanto, para além ou aquém do diagnóstico, há linhas de diferença afetiva que se somam, se chocam e se expressam numa dada semiologia. Isso está fora da grade sintomática estabelecida pela Necro.

Assim, o objetivo maior de um tratamento "mental", que seria o de afirmação da vida, é invertido.

O modelo da morte (por. exemplo, depressões profundas, catatonias, etc) o substitui. Não que a psiquiatria adote esse modelo.

Ela é o próprio modelo. 


A.M.

Vou lhe dizer um grande segredo, meu caro. Não espere o juízo final. Ele realiza-se todos os dias.


Albert Camus

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Варна / зима

PROTOCOLOS DA ALMA

A medicina, antes que uma ciência ou um conjunto de aportes científicos que conduzem às mais diversas técnicas (a depender, obvio, da especialidade), é uma instituição. Ou seja, uma forma social ou uma forma de relação social que nos tempos modernos assumiu pleno destaque ( para não dizer hegemonia) no campo da Saúde. Isso se dá em escala mundial no bojo da chamada globalização. Tal fato conta com sua expressão e execução nos processos de subjetivação individual. A pessoa humana. Então o mundo se torna  cada vez mais um protocolo da alma como único modo de conceber e "resolver" o problema da vida, do corpo, da dor e da morte. Despotismo médico. Trata-se do biopoder, como diria o careca francês que escreveu a História da loucura.

A.M.

Narradores de Javé - Trailer Oficial, 2003

domingo, 6 de abril de 2025

Ser amigo de alguém é uma questão de percepção. Não é a partir de ideias em comum, mas de uma linguagem em comum. Há pessoas sobre as quais posso afirmar que não entendo nada do que dizem. E outras que falam de um assunto totalmente abstrato, que eu posso não concordar, mas compreendo. Tenho uma hipótese: cada um de nós está apto a entender um determinado tipo de charme. Ninguém consegue compreender todos ao mesmo tempo. Há uma percepção dele: um gesto, pensamento - mesmo antes que este seja significante, um pudor de alguém são fontes de charme que têm tanto a ver com a vida, que vão até as raízes vitais e imediatamente você acha que aquela pessoa é sua - não no sentido de propriedade, mas é sua e você espera ser dela. Neste momento nasce a amizade.


Gilles Deleuze

sexta-feira, 4 de abril de 2025

ORQUÍDEAS ETERNAS


 

Pomo


Da vida só tem substância

a casca e o caroço.

No meio só tem amido,

embromações do carbono.


Porém todo o gosto reside

nessa carne intermediária,

sem valor alimentício,

sem realidade, sem nada.


É nela que os dentes encontram

o que os mantém afiados;

com ela é que a língua elabora

a doce palavra.



Paulo Henriques Britto

quinta-feira, 3 de abril de 2025

My Love Is You - MARC CARY

O OBJETO DA PSIQUIATRIA

O objeto da psiquiatria é a mente e não o cérebro. Este é o objeto da neurologia e das neurociências. E o que é a mente? A mente é um conjunto ilimitado de fluxos de signos, fluxos sociais e fluxos materiais que se expressam como processo de subjetivação. É o que o humanismo cristão chama de pessoa humana (ou indivíduo). Mas não falamos da pessoa. Tudo muda. A subjetivação é composta por singularizações existenciais: a diferença. Um objeto complexo é a " mente", já que para pesquisá-lo há que usar recursos de múltiplos saberes: biologia, fisiologia, medicina, poesia, história, sociologia, linguística, política, arte, toda uma multiplicidade. Ela extravasa o conhecimento estabelecido como verdade em instituições sociais.

A.M.