segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Todos os caminhos levam à morte. Perca-se.

Jorge Luis Borges

SANKAI JUKU - Kinkan Shonen


ÉTICA DO GUERREIRO

A autoconfiança do Guerreiro não é a autoconfiança do homem comum. O homem comum procura certeza aos olhos do observador e chama a isso autoconfiança. O Guerreiro procura impecabilidade aos próprios olhos e chama a isso humildade. O homem comum está preso aos seus semelhantes, enquanto o Guerreiro só está preso ao infinito.

Carlos Castañeda 

LUIS BUÑUEL

Viridiana, 1961

LEI DO MUNDO

Enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida...

Machado de Assis

EDUARDO DUSEK - Serra da Boa Esperança


domingo, 29 de setembro de 2013

ALIANÇAS ESPÚRIAS

Na  cena da  saúde mental,  muitas instituições  estão presentes, nem por isso  identificáveis. Fala-se do espírito da medicina e do cortejo de especialidades voltado ao bem do paciente. O caso psiquiátrico é único, pois o seu especialismo está à serviço da instituição. Esta  se oculta.  Trata-se de um dispositivo que operacionaliza um modelo abstrato de concepção do homem e por extensão da racionalidade.Tal “modelo abstrato” surgiu de situações concretas,por exemplo,ao se   encarcerar um  louco.Velhas histórias por demais desconhecidas, cada vez mais enterradas nos porões de um inconsciente institucional, assombram  consciências puras. O que fazer?
(...)
A.M.

VLADIMIR VOLEGOV


NON SENSE

Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei. Pergunte, sem querer a resposta, como estou perguntando. Não se preocupe em "entender". Viver ultrapassa todo o entendimento.

Clarice Lispector

SEBASTIÃO SALGADO


LOUCOS

"Mas eu não quero me encontrar com gente louca",observou Alice.
" Você não pode evitar isso", replicou o gato.
"Todos nós aqui somos loucos.Eu sou louco,você é louca".
"Como você sabe que eu sou louca?" indagou Alice.
"Deve ser", disse o gato, "Ou não estaria aqui".

Lewis Carroll in Alice no país das maravilhas
A FLOR E A NÁUSEA 

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.


C. D. de Andrade
ÉTICA DA MULTIPLICIDADE

Todas as éticas partem do eu. São ridículas. A psiquiatria parte do eu. Seria melhor se ela, ao contrário, partisse o eu em  mil conexões, subjetividades. Você acredita?  
(...)
A.M. in Trair a psiquiatria

ANA CAÑAS -Coração Vagabundo


Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender... 

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... 

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Fernando Pessoa

DEVIR-PLANTA


Existe um artista aprisionado em cada um de nós. Deixe-o solto para espalhar alegria por toda parte.

Bertrand Russell

sábado, 28 de setembro de 2013

Está bem que você acredite em Deus. Mas vai armado

Millôr Fernandes

ALBERTO VALENZUELA LHANOS


O sonho encheu a noite
Extravasou pro meu dia
Encheu minha vida
E é dele que eu vou viver
Porque sonho não morre.

Adélia Prado
A FANTÁSTICA FÁBRICA DAS DEPRESSÕES

Tenho atendido muitos pacientes que já chegam com o diagnóstico de Depressão. Tal diagnóstico, é claro, lhes foi imposto por psiquiatras apaixonados pelo ato de passar remédio. É como se fizessem (aos pacientes) dizer a priori: "Eu sou a Depressão". Esta é uma espécie de  identidade factícia que tampona um "vazio" subjetivo de múltiplas causas e linhas existenciais heterogêneas. Ora, tal diagnóstico irá referendar o uso indiscriminado de psicofármacos. A crença instilada na mente do  paciente é a de que o remédio químico irá curá-lo, ainda que a palavra "cura" possa não ser usada. Ela circula implícita mas não menos atuante na produção da morbidade do século. Fico sabendo dessas histórias de terror clínico através dos próprios pacientes, quando dos relatos anamnésticos. O essencial a reter desse breve comentário é: 1-Existem vários tipos de depressão que não se coadunam com as categorias semiológicas da CID-10; 2-Há depressões com indicação exclusiva para psicoterapia; 3-A depressão grave (antiga endógena) tem indicação para farmacoterapia, desde que haja suporte psicológico do próprio psiquiatra, o que não significa psicoterapia no sentido usual. Quero dizer que o remédio químico, por melhor e mais "avançado" que seja, é insuficiente para o Encontro com o deprimido; 4-Há pessoas não deprimidas diagnosticadas como deprimidas. Talvez, sob a palavra de ordem do psiquiatra travestida de ajuda clínica,tornem-se, enfim, deprimidas for ever. 5-A depressão não é uma entidade clínica ou uma essência do ser-doente, mas uma síndrome psíquica gestada por múltiplos vetores etiológicos que é preciso pesquisar; 6- A depressão pode estar no mundo e não no paciente...

A.M.

METAFÍSICAS

- Ateu, não: agnóstico
- Pois eu te dou quinhentas pratas se você me disser o que quer dizer essa palavra.
- Ora, para começar você não tem quinhentas pratas. Estou conversando a sério e você me vem com molecagem. Acho que Deus é uma coisa, os padres outra. O ranço das sacristias me enoja. Tenho horror ao bafo clerical dos confessionários! O bem que a confissão pode nos fazer é o de uma catarse, um extravasamento, que a psicanálise também faz, e com mais sucesso. Estou mesmo com vontade de me especializar em psiquiatria.
- Só mesmo um doido lhe procuraria
Maur não pôde deixar de rir. Eduardo acrescentou:
- Você vai ter de se curar para depois curar os outros.
- É isso mesmo - concordo o outro, sério - Estou exatamente preocupado com o meu próprio caso. Já iniciei o que eu chamo de "a minha libertação".
- E o que eu chamo de "a sua imbecilização".
- Vista pela sua, que já é completa. O que eu chamo de libertação é a possibilidade de me afirmar integralmente, como homem. O homem é que interessa. Se Deus existe, posso vir a me entender com ele, mas há de ser de homem para homem.

Fernando Sabino

CHICO E MILTON - O Cântico do Desejo


O ACONTECIMENTO "AMAR"

Para quem sabe amá-lo, o mundo de sua máscara de infinito,torna-se pequeno como uma canção,como um beijo do Eterno.
Existo...,que perpétua surpresa é a vida!
...Lemos mal o mundo e logo dizemos que o mundo nos engana.
Quantas barricadas o pensamento do homem ergue contra si próprio.
Se lanço minha própria sombra no caminho,é porque há uma lâmpada em mim que não se acendeu...

R. Tagore

PSIQUIATRIA DO CHOQUE

Pacientes do Hospital Colônia de Barbacena (MG), o maior hospício do Brasil, onde morreram cerca de 60.000 pessoas. Foto sem data.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A SANTA FAMÍLIA

(...) As determinações familiares se tornam a aplicação da axiomática social. A família se torna o subconjunto ao qual se aplica o conjunto do campo social. Como cada um tem um pai e uma mãe a título privado, é um subconjunto distributivo que simula para cada um o conjunto coletivo das pessoas sociais, que fecha o seu domínio e embaralha suas imagens. Tudo se rebate sobre o triângulo pai-mãe-filho, que ressoa, respondendo, "papai-mamãe", cada vez que é estimulado com as imagens do capital. Em resumo, Édipo chega: ele nasce no sistema capitalista da aplicação das imagens sociais de primeira ordem às imagens familiares privadas de segunda ordem.. Ele é um conjunto de chegada que responde a um conjunto de partida determinado. Ele é nossa formação colonial íntima que responde à forma de soberania social. Somos todos pequenas colônias e é Édipo que nos coloniza. Quando a família deixa de ser uma unidade de produção e de reprodução, quando a conjunção encontra nela o sentido de uma simples unidade de consumo, é pai-mãe que consumimos (...)

G. Deleuze  e F. Guattari - in  O anti-édipo
Você pode desconfiar de uma admiração, mas não de um ódio. O ódio é sempre sincero.

Millôr Fernandes

ELIS REGINA e CAUBY PEIXOTO - Bolero de Satã


Ouve o que a Sabedoria diz todos os dias:
A vida é breve.
Não te esqueças, não és como certas plantas
que rebrotam depois de cortadas.

Omar Kayyam
NEURO-ILUSÃO

(...)  A lógica  mecanicista concebe o cérebro como objeto visível, sólido, semi-imóvel   e “neutro”, passível  de estudos  em suas conexões  internas e externas, anatômicas, fisiológicas, bioquímicas, neuroquímicas, hormonais e enzimáticas. Essa é a base epistemológica que considera a origem dos “problemas  mentais” como  estando  no  cérebro. A concepção   atual  de humor é tributária desse raciocínio, a um tempo simplório e devastador  para a subjetividade.
(...)
A.M.
A LÍNGUA LAMBE


A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

C.D. de Andrade

JOÃO BOSCO - Nação


Criança - Maturidade do homem: significa reaver a seriedade que se tinha quando criança ao brincar. 

F. Nietzsche

O HOMEM ELEFANTE

de David Lynch 1980

Amazonas

Amazonas,
capital das sílabas da água,
pai patriarca,és 
a eternidade secreta
das fecundações,
te caem os rios como aves, te cobrem
os pistilos cor de incêndio,
os grandes troncos mortos te povoam de perfume,
a lua não pode vigiar-te ou medir-te.
És carregado de esperma verde
como árvore nupcial, és prateado
pela primavera selvagem,
és avermelhado de madeiras,
azul entre a lua das pedras,
vestido de vapor ferruginoso,
lento como um caminho de planeta.

Pablo Neruda

GUSTAVE COURBET


NÃO EQUILÍBRIO

A constância é contrária à natureza, contrária à vida. As únicas pessoas completamente constantes são os mortos.

Aldous Huxley

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

CHICO ANYSIO - Puta


Dormi, acordei, dormi, acordei, vida miserável. (...)

Franz Kafka

QUINTETO

de Robert Altman, 1979

À MESA

Cedo à sofreguidão do estômago. É a hora
De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,
Antegozando a ensangüentada presa,
Rodeado pelas moscas repugnantes,
Para comer meus próprios semelhantes
Eis-me sentado à mesa!
Como porções de carne morta... Ai! Como
Os que, como eu, têm carne, com este assomo
Que a espécie humana em comer carne tem!...
Como! E pois que a Razão me não reprime,
Possa a terra vingar-se do meu crime
Comendo-me também.  

Augusto dos Anjos

NÃO DEIXARÃO VOCÊ EXPERIMENTAR NO SEU CANTO


Viva la Revolución!

O que esses malditos revolucionários que ficam: zanzando ao redor do meu apartamento, bebendo a minha cerveja, comendo a minha comida e exibindo suas mulheres, precisam aprender é que a coisa deve vir de dentro pra fora. Não se pode dar a um homem um novo governo como um novo chapéu e esperar um homem diferente dentro desse chapéu. Ele ainda cai continuar tendo as suas mesmas predisposições de merda e uma barriga cheia e uma coleção completa de Dizzy Gillespie não vai mudar isso. Muitas pessoas juram que vai haver uma revolução mas eu odiaria ver todas essas pessoas semimortas por nada. Quer dizer, você pode matar a maioria das pessoas e você não está matando nada pois poucos homens bons estão destinados a ir. E aí com o que é que você termina: um governo ACIMA do povo. Um novo ditador com vestes de ovelha; a ideologia era apenas para a manutenção das armas. Portanto, caros leitores, se me derem licença, vou voltar pras putas, pros cavalos e pra garrafa enquanto há tempo. Se isso contribui pra gente morrer, então, pra mim, parece bem menos repugnante ser responsável pela nossa própria morte de que qualquer outra modalidade que ande por aí, disfarçada com rótulos sobre Liberdade, Humanidade e/ou qualquer outra espécie de Papo Furado.

Charles Bukowski

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

OUTRA PSIQUIATRIA

(...) Assinalamos  que  o   psiquiatra  não   é (ou  não  deveria) ser  um  passador  de remédios,  um remedeiro. Ao  contrário, pela  via  do  Encontro, ele busca percutir  linhas  de vida, mesmo  que elas não se mostrem  de  pronto. Existe  a escuta   expectante   das multiplicidades. São falas  que  podem  ser decompostas em  territórios existenciais  delicados.  Dobras subjetivas  para  além do  olhar-clichê. Por isso, é preciso ver ao invés de enxergar. Ver o paciente como “não paciente”sem que isso  seja uma negação  da realidade. A relação é, pois,   não  hierárquica. 
(...)
A.M.

DEBORAH COLKER - Cruel


Não creio nem no pai
                                 nem na mãe

Nada tenho

com papai-mamãe





Deleuze-Guattari in Anti-édipo, capturando Schreber via Freud...
POTÊNCIAS SEM NOME

As paixões humanas não passam dos meios que a natureza utiliza para atingir os seus fins.

Marquês de Sade

CIDADES DO MUNDO

Campo Grande

O INCERTO

A consciência da complexidade nos faz compreender que não poderemos escapar jamais da incerteza e que jamais poderemos ter um saber total: a totalidade é a não verdade.

Edgar Morin

terça-feira, 24 de setembro de 2013

TOM JOBIM - Insensatez


ah

Ah se pelo menos o pensamento
não sangrasse!
Ah se pelo menos o coração
não tivesse memória!
Como seria menos linda
e mais suave minha história!

Cacaso
O PAVÃO

Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.

Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.

Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.

Rubem Braga

O PROCESSO, 1962

de Orson Welles

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Só quem está em estado de palavra pode
enxergar as coisas sem feitio.

Manoel de Barros

ZABRISKI POINT - Sequência Final


A qualquer modo todo escuridão
Eu sou supremo. Sou o Cristo negro.
O que não crê, nem ama — o que só sabe
O mistério tornado carne.


Há um orgulho atro que me diz
Que Sou Deus inconscienciando-me
Para humano; sou mais real que o mundo,
Por isso odeio-lhe a existência enorme,
O seu amontoar de coisas vistas.
Como um santo devoto
Odeio o mundo, porque o que eu sou
E que não sei sentir que sou, conhece-o
Por não real e não ali.
Por isso odeio-o —
Seja eu o destruidor! Seja eu Deus ira!

Fernando Pessoa

CADA LADRÃO COM SUA ARMA


PENSAMENTO NÔMADE

André Flécheux. – O que eu gostaria de saber é como [Deleuze] pensa fazer a economia da desconstrução, ou seja, como ele pensa contentar-se com uma leitura nomádica de cada aforismo, a partir da empiricidade, e como que de fora, o que me parece, de um ponto de vista heideggeriano, extremamente suspeito. Eu me pergunto se o problema da “já aí” que constitui a língua, a organização estabelecida, o que você chama de “o déspota”, permite compreender a escrita de Nietzsche como uma espécie de leitura errática que ela mesma dependeria de uma escrita errática, enquanto Nietzsche aplica a si mesmo o que ele denomina uma autocrítica e que as edições atuais o revelam como um excepcional trabalhador do estilo, para o qual, conseqüentemente, cada aforismo não é um sistema fechado, mas está implícito em toda uma estrutura de remissões. Este estatuto, em seu pensamento de um fora sem desconstrução, talvez se ligue ao da  energética em Lyotard.

Segunda questão, que se articula ainda aqui com a primeira: numa época em que a organização estatal, capitalista, enfim, chamem-na como quiserem, lança um desafio que é finalmente aquilo que Heidegger chama da inspeção pela técnica, o senhor pensa sem rir que o nomadismo, tal como o senhor o descreve, constitui uma resposta séria?

Gilles Deleuze. – Se compreendo bem, o senhor diz que há motivos para se suspeitar de mim do ponto de vista heideggeriano. Alegro-me com isto. Quanto ao método de desconstrução dos textos, vejo bem o que ele é, admiro-o muito, mas ele nada tem que ver com o meu. Não me apresento, absolutamente, como um comentador de textos. Um texto, para mim, é apenas uma pequena engrenagem numa prática extratextual. Não se trata de comentar o texto por meio de um método de desconstrução, ou de um método de prática textual, ou de outros métodos, trata-se de ver para que isto serve na prática extratextual que prolonga o texto. O senhor pergunta se acredito na resposta dos nômades. Sim, eu creio. Genghis Khan, é alguma coisa. Ele vai ressurgir do passado? Não sei, em todo caso, sob outra forma. Do mesmo modo que o déspota interioriza a máquina de guerra nômade, a sociedade capitalista não pára de interiorizar uma máquina de guerra revolucionária. Não é na periferia (pois não há mais periferia) que se formam novos nômades. Eu perguntava de quais nômades, se necessário imóveis e no mesmo lugar, nossa sociedade é capaz.

André Flécheux: -- Sim, mas o senhor excluiu na sua exposição o que chamava de interioridade...

Gilles Deleuze: -- O senhor joga com a palavra “interioridade”...

André Flécheux: -- A viagem do dentro?
Gilles Deleuze: -- Eu disse “viagem imóvel”. Não é uma viagem do dentro, é uma viagem sobre o corpo, se for o caso, sobre corpos coletivos.

Mieke Taat:  -- Gilles Deleuze, se eu o compreendi bem, o senhor opõe o riso, o humor e a ironia à má consciência. O senhor está de acordo que o riso de Kafka, de Beckett, de Nietzsche não exclui chorar por esses escritores, desde que as lágrimas não sejam as que jorram de uma fonte interior ou interiorizada, mas simplesmente de uma produção de fluxos na superfície do corpo?

Gilles Deleuze: -- Certamente, tem razão.


Fonte: trecho de entrevista de G. Deleuze concedida a André Flécheux e Mieke Taat em 1973.

HERBIE HANCOCK - Jazz Fusion Cantelope Island


EXCERTO DE ENTREVISTA

ÉPOCA – Como o senhor analisa os 12 anos do PT no poder, com Lula e Dilma, do ponto de vista político?

Gabeira – Politicamente, o grande problema do PT foi ter prometido uma renovação ética no Brasil – e, ao chegar ao governo, aliar-se aos políticos que eles criticavam, recorrer aos mesmos métodos usados antes e incorporar outros igualmente condenáveis. Nesse aspecto, o PT significou algo muito negativo para o Brasil, porque, no fundo, dizia que quem propõe mudar ou traz a esperança está apenas enganando a população, e que os artífices da esperança são os mesmos que construirão uma nova armadilha. Isso acaba se transformando em aumento do voto nulo e do voto em branco. Leva a um rebaixamento da legitimidade do poder constituído.

Fonte: entrevista de 08.09.2013

ALFREDO LOBOS


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

TOMARA

Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

Vinícius de Moraes

REFUGIADOS SÍRIOS: ISSO NÃO PÁRA


Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Fracassa de novo. Fracassa melhor.

Samuel Beckett

NOVO JULGAMENTO DO MENSALÃO...


SEM RETORNO

Já me dei ao poder que rege meu destino
E não me prendo a nada, para não ter nada a defender.
Não tenho pensamentos, por isso verei.
Não receio nada, por isso lembrarei de mim mesmo.
Desprendido e à vontade,
Passarei como um jato pela Águia para me tornar livre.

Carlos Castaneda

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

ISSO FUNCIONA

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.

Clarice Lispector

SEBASTIÃO SALGADO


O MAL POR TODA A PARTE

É claro e evidente que o mal se insinua no homem mais profundamente do que supõem os médicos socialistas. Em nenhuma ordem social é possível escapar ao mal e mudar a alma humana: ela própria é a origem da aberração e do pecado.

Fiodor Dostoievski

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

PESSOA NA PESSOA

A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la.

Fernando Pessoa

CIDADES DO MUNDO

Teresópolis

átomos derramados
em jardins
quimeras despertadas
em módulos

lua despedaçada

cérebros que celebram
o fim dos corações
corações que consagram
suas verdadeiras funções

enfartes


A.M.

TREZE LINHAS PARA VIVER 

1. Gosto de você não por quem você é, mas por quem sou quando estou contigo.
2. Ninguém merece tuas lágrimas, e quem as merece não te fará chorar.
3. Só porque alguém não te ama como você quer, não significa que este alguém não te ame com todo o seu ser.
4. Um verdadeiro amigo é quem te pega pela mão e te toca o coração.
5. A pior forma de sentir falta de alguém é estar sentado a seu lado e saber que nunca vai poder tê-lo.
6. Nunca deixes de sorrir, nem mesmo quando estiver triste, porque nunca se sabe quem pode se apaixonar por teu sorriso.
7. Pode ser que você seja somente uma pessoa para o mundo, mas para uma pessoa você seja o mundo.
8. Não passe o tempo com alguém que não esteja disposto a passar o tempo contigo.
9. Quem sabe Deus queira que você conheça muita gente errada antes que conheças a pessoa certa, para que quando afinal conheça esta pessoa saibas estar agradecido.
10. Não chores porque já terminou, sorria porque aconteceu.
11. Sempre haverá gente que te machuque, assim que o que você tem que fazer é seguir confiando e só ser mais cuidadoso em quem você confia duas vezes.
12. Converta-se em uma pessoa melhor e tenha certeza de saber quem você é antes de conhecer alguém e esperar que essa pessoa saiba quem você é.
13. Não se esforce tanto, as melhores coisas acontecem quando menos esperamos.

Gabriel García Marquez

LEILA DINIZ


outrora 
conheci um psiquiatra
como se diz 
prata da casa
orgulhoso de ser

mas eis que não há
mais casa
a prata é cobre
o orgulho é patético

o psi
comediante

A.M.

FERNANDA TAKAI

Linhas nipônicas

POEMA DE AMOR SOBRE UM TEMA DE WHITMAN

Entrarei silencioso no quarto de dormir e me deitarei entre noivo e noiva,
esses corpos caídos do céu esperando nus em sobressalto,
braços pousados sobre os olhos na escuridão,
afundarei minha cara em seus ombros e seios, respirarei sua pele
e acariciarei e beijarei a nuca e a boca e mostrarei seu traseiro,
pernas erguidas e dobradas para receber, caralho atormentado na escuridão, atacando
levantado do buraco até a cabeça pulsante
corpos entrelaçados nus e trêmulos, coxas quentes e nádegas enfiadas uma na outra,
e os olhos, olhos cintilando encantadores, abrindo-se em olhares e abandono,
e os gemidos do movimento, vozes, mãos no ar, mãos entre as coxas,
mãos na umidade de macios quadris, palpitante contração de ventres
até que o branco venha jorrar no turbilhão dos lençóis
e a noiva grite pedindo perdão e o noivo se cubra de lágrimas de paixão e compaixão
e eu me erga da cama saciado de últimos gestos íntimos e beijos de adeus —
tudo isso antes que a mente desperte, atrás das cortinas e portas fechadas da casa escurecida
cujos habitantes perambulam insatisfeitos pela noite,
fantasmas desnudos buscando-se no silêncio.

Allen Ginsberg



tudo o que acontece
nasce
fora do eu


A.M.
VERDADE BAIXA

A verdade e a mentira são construções que decorrem da vida no rebanho e da linguagem que lhe corresponde. O homem do rebanho chama de verdade aquilo que o conserva no rebanho e chama de mentira aquilo que o ameaça ou exclui do rebanho. (...)Portanto, em primeiro lugar, a verdade é a verdade do rebanho.

Friedrich Nietzsche

DIFERENÇA E REPETIÇÃO


BOLAS

As mulheres: bolas de sabão; o dinheiro: bolas de sabão; o sucesso: bolas de sabão. Os reflexos sobre as bolas de sabão são o mundo em que vivemos.

Yukio Mishima

DILMA CANCELA VISITA AOS EUA


terça-feira, 17 de setembro de 2013

QUERERES FURTIVOS

Entretanto, sou incapaz de dizer o que é que eu quero, apesar de ansiar pelo que eu espero de alguma forma secreta. Pois muitas vezes, e com frequência cada vez maior, a medida que o tempo passa, dou comigo de repente a interromper minha andança, como se eu fosse paralisada por um olhar estranho e novo sobre a superfície da terra que conheço tão bem. Um olhar que insinua alguma coisa; mas que se vai antes de perceber seu sentido. É como se um riso nunca visto furtivamente se estendesse num rosto bem conhecido; por um lado dá medo, no entanto por outro ele nos faz um sinal.

Virginia Woolf

THE ALAN PARSONS PROJECT - The fall of the house of Usher


Bebe vinho, ele te devolverá a mocidade,
a divina estação das rosas, da vida eterna,
dos amigos sinceros. Bebe, e desfruta
o instante fugidio que é a tua vida.

Omar Kayyam
O SORTUDO

Outra história que eu gosto, tanto que repito sempre, é a do sortudo. Um sortudo extraordinário. Um sortudo de nascença que conseguia tudo o que queria sem qualquer esforço. Na escola, nos negócios, no jogo. E com as mulheres. Não era um homem especialmente sedutor, apenas tinha sorte. E foi acumulando conquistas amorosas, para desespero e inveja dos outros. Foram tantas as conquistas que um dia ele parou para fazer um inventário sexual e concluiu que de todos os tipos de mulheres no mundo, ele não faturara uma hindu. Ou é hindua? Enfim, uma moça da Índia. Por sorte, conheceu uma naquela mesma noite. E naquela mesma noite ela estava em sua cama, apresentando-o às mil maneiras de fazer o amor oriental. Até que, saciados, os dois dormiram. O sortudo acordou mais cedo. Ficou olhando o rosto da moça, que dormia profundamente. E viu que ali estava a oportunidade de descobrir uma coisa que sempre o intrigara. O que é aquele sinal que as mulheres da Índia têm no meio da testa?
Então o sortudo raspou o sinal da testa da moça com a unha – e ganhou um Gol zero quilômetro!

Luis Fernando Veríssimo

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

DAVID SANBORN - When you smile at me

SIMPLES

Há uma grandeza, há uma glória, há uma intrepidez em ser simplesmente bom, sem aparato, nem interesse, nem cálculo; e sobretudo sem arrependimento.

Machado de Assis

JEAN MICHEL JARRE - Zoo Look


O CONSUMO DAS DEPRESSÕES

Reduzir toda a complexidade do fenômeno depressivo ao funcionamento dos neurotransmissores é um insulto à inteligência dos pesquisadores do tema. No entanto, isso é o que empreende, nos dias atuais,   a clínica da chamada psiquiatria biológica. Volto ao assunto, ainda que de passagem, porque ele não sai da mídia nem dos consultórios nem dos ambulatórios nem das mentes colonizadas nem dos meios acadêmicos mais respeitáveis.


A.M. 

sábado, 14 de setembro de 2013

 PROCURA DA POESIA

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade