(…), sem o menor medo, que o nosso inconsciente de maneira nenhuma é humano. O inconsciente não é humano! Então, chega a ser um mal-estar começar a jogar categorias humanas – do tipo bissexualidade – dentro do inconsciente… Qual a sexualidade do inconsciente? A da própria natureza! N formas de sexualidade. Você não pode começar a fazer representações orgânicas para entender as forças histéricas, para entender as forças anorgânicas. Então, se eu vou fazer uma teoria do inconsciente e libero o inconsciente da segundidade e jogo o inconsciente cá na afecção sensitiva pura: o inconsciente é uma produção – inesgotável – de afetos. Isso seria o inconsciente – ele é uma produção de afetos.
Eu indicaria aqui um trabalho que foi feito sobre afeto – existem, inclusive, dois trabalhos em português – do André Green (o brilhante André Green!). E ele faz uma espécie de acusação ao Lacan, na questão do afeto e do símbolo. Não é minha questão entrar nisso. Quem quiser ler, leia isso para conhecer o que eu estou falando…
Então, não é uma hipótese, é uma problematização; eu não estou fazendo hipótese nenhuma – é uma problematização do inconsciente. Quer dizer, eu estou dizendo que o inconsciente seria uma força da natureza. Então, eu diria – o inconsciente é uma força da natureza; e onde tiver inconsciente está a vida. Então a vida estaria em toda a natureza – desde que vocês não confundam a vida com o organismo: a vida é uma potência não- orgânica.
Essa posição de eu colocar a vida como potência não-orgânica – que parece que se encerra no campo estético – [não é assim,] de forma nenhuma! Essa posição tem que ter a sua principal sustentação na microbiologia e na biologia molecular. Porque é passarmos a pensar o que as forças codificadoras – da Igreja e do Estado – detiveram: o que as forças do poder detiveram; e é a libertação da vida.
A libertação da vida é a libertação do organismo: libertar a vida do organismo! Então, fazer esse procedimento em todas as linhas possíveis e é a beleza que a história dos homens, tão enlouquecida, nos proporciona. Artistas, cientistas, filósofos que literalmente cortaram o orgânico das suas preocupações teóricas e éticas, produzindo uma obra de liberação exatamente dessas forças afetivas que estão aqui. Vocês podem me perguntar: mas… pra quê e por quê? Porque a vida – à maneira bergsoniana – ela é um élan, ela é uma força, ela é uma linha abstrata. A vida é como se fosse um homem apaixonado à procura exacerbada da sua amada. Por isso a vida vai sempre pra frente, porque ela nunca vai encontrar essa amada. A vida é exacerbada e é errante. É exacerbada e errante. E o pensamento tem uma função. A vida se dá nos corpos e os corpos forçam o pensamento a pensar – porque o corpo não pensa; mas ele força o pensamento a pensar. Então, o pensamento é forçado a pensar e a única coisa que o pensamento pensa é o corpo – a vida.
Os séculos aprisionaram o pensamento em razão, em conhecimento. E ligaram o pensamento ao conhecimento, à razão, etc., para constituí-lo moral e teologicamente. A libertação do pensamento é exatamente isso – é o pensamento se voltar integralmente para a vida. (Vocês entenderam?). Quando isto ocorre, nós começamos a aprender o que são exatamente as categorias da vida. Ao invés de pensar as categorias divinas, as categorias morais, nós vamos começar a encontrar as categorias da vida como potência não-orgânica. Fundamentalmente, como categoria fundamental da vida – seria o tempo; por isso, a grande conquista do pensamento – é a conquista do tempo.
É exatamente esse o procedimento que a filosofia do fim do século XX faz – a filosofia deleuzeana faz. Ela coloca o pensamento como uma experimentação; como um cartógrafo do tempo. Isso em qualquer tipo de arte, cinema, clínica… tudo! O pensamento se envolve com o que eu estou chamando as forças do corpo. As forças do corpo… O pensamento mergulha nisso. Aí, vocês me dizem: “mas que decepcionante – o pensamento só tem o corpo para pensar?” Só tem o corpo pra pensar! Não há mais nada a ser pensado – é isso que nós temos que começar a aprender. Isso – é violento o que eu vou dizer – é um ateísmo fora da banalidade. Fora da banalidade do ateísmo que nós aprendemos aí, a nossa vida toda, esse ateísmo mecanicista, tolo, vulgar...
Aula de Cláudio Ulpiano - 10/03/1994