quinta-feira, 27 de abril de 2023

Eu sou completamente a favor da separação da Igreja e do Estado. Penso que essas duas instituições já nos ferraram o suficiente por conta própria, então as duas juntas é morte certa.

George Carlin

sábado, 22 de abril de 2023

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Profecia nietzschiana: o mundo caminha para se tornar um grande manicômio de portas abertas. Daí, há uma banalização coletiva do que é chamado transtorno mental. Quem é o louco? A psiquiatria cumpre a função de tratar/adoecer à medida em que recolhe os sintomas e os neutraliza com psicofármacos. Devidamente protegida pela neutralidade científica, lucra e controla corpos e mentes ad infinitum. O significante Deus só é ultrapassado pelo discurso psicótico. ("eu mandei Deus criar o mundo"). Um tempo fora dos eixos faz do progresso a pura velocidade (Virilio).Talvez se chegue a um ponto onde cada um de nós será terapeuta do outro. E vice versa.A mercantilização da alma já não necessitará dos valores de troca do mercado. Ela, a alma, já é cada vez mais o próprio Mercado íntimo da angústia por viver, abstração concretizada em imagens de imagens de imagens. Na análise do capital, só pela grandeza de Marx se percebe a fraude cósmica... a Coisa.


A.M.

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Caetano Veloso - Caminhos Cruzados

Manda-me verbena ou benjoim no próximo crescente, e um retalho roxo de seda alucinante, e mãos de prata ainda (se puderes). E se puderes mais, manda violetas (margaridas talvez, caso quiseres). Manda-me osíris no próximo crescente e um olho escancarado de loucura (em pentagrama, asas transparentes). Manda-me tudo pelo vento: envolto em nuvens, selado com estrelas, tingido de arco-iris, molhado de infinito (lacrado de oriente, se encontrares).


Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 20 de abril de 2023

O  QUE  É  A DIFERENÇA

A diferença não é um objeto sólido, visível, palpável, identificável em alguém ou em algo à nossa frente.Ela não se presta à relações estabelecidas pelo senso comum, ou pior, pelo bom senso das razões intelectuais, mesmo as mais elevadas. Nada mais baixo que ela ao nível da terra, nada mais sutil que ela, quase imperceptível. Olhar de lince: a diferença. Ela se dá e se doa apenas a sensibilidades em estado selvagem, a animalidades circulando nos corpos da rua, na luz das veias inundadas por desejos sem órgãos, sem sistemas, sem métodos, sem deuses, sem respostas. A diferença é o bicho. Vive na espreita e da espreita. Surge quando menos se espera e não compactua com percepções grosseiras das formas do mundo adulto e acabado. Por isso e muito mais assusta os idólatras e os escravos das ordens mortuárias quando bem o dia está raiando num cheiro de acácias. A diferença, ela própria, não tem uma identidade, uma definição, nunca ninguém a fotografou. Não é uma imagem, ao contrário, ela é quem faz e tece imagens. Não tem um rosto pois é ela quem o fabrica. Ele se torna, então, alegria aos montes vivendo no equilíbrio precário das linhas da arte. Inventa algo, alguma coisa pequena, ínfima, pura criação no e do tempo, ou o próprio tempo em "estado puro", a diferença, uma criança.


A.M. 

domingo, 16 de abril de 2023

Werner Herzog: "Eu nunca vejo filmes"

Só há um tipo de amor que dura, o não correspondido.


Woody Allen

UMA  FRAUDE  REAL

A grande limitação epistemológica, ou seja, a "doença" profunda da Medicina, chama-se mecanicismo. Trata-se de um pensamento raso em termos conceituais. Ele se baseia numa suposta linearidade causa-efeito na ocorrência das doenças. No entanto, esse fato não provocaria tantos estragos no paciente se o lugar social da Medicina não fosse o de um poder consolidado e inserido "naturalmente" na realidade do capital. Não falamos do capital somente como determinante econômico, mas sobretudo como operador semiótico (captura dos órgãos =significados fixos), de onde e por onde a Clínica Médica passa a ser utilizada como instrumento de controle dos corpos e, daí, uma produção incessante de lucro. Na esteira dessas questões, a psiquiatria contemporânea desponta como a especialidade médica que melhor traduz o reducionismo violento sobre o paciente, haja vista a ausência de objetos sólidos e visíveis na sua prática. Ninguém nunca "pegou" na mente, ou ninguém nunca "viu" a angústia ou a fobia ou o pânico ou o delírio de um paciente. É uma constatação - óbvia - mas que não aparece nas pesquisas etiológicas (causas das doenças) e talvez por isso elas constituam um campo tão pobre em investimentos e resultados. Há, pois, uma vontade política de querer fazer com que as coisas continuem para sempre como são. Ou como estão. O Medo, produto social, sustenta esse estado de coisas. Ou mais amplamente, todos os afetos baixos (que diminuem a potência de existir) são agenciados no mundo da mercadoria como antídotos subjetivos contra qualquer ideia de que um mundo não-capitalístico possa existir, ou sequer ser imaginado. Toneladas de tele-imagens virtuais, midiáticas, performáticas, linguageiras, são lançadas a cada minuto em todos, em tudo, em todas as partes, todos os lugares, todos nós, em tempos do cotidiano tecnológico cronometrado e apaixonantemente passivo.


A.M.

bardo


tal qual um menino

procura brinquedos

lá vai o poeta

a tinta as letras


tal qual passarinho

no uso das asas

lá vai o poeta

o voo as palavras


tal qual a canoa

por cima do rio

lá vai o poeta

o remo a rima


tal qual marinheiro

no rumo do mar

lá vai o poeta

a bússola a poesia


tal qual lavra_dor

na lida da terra

lá vai o poeta


lavai o sangue



Líria Porto

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Qualquer amor há de sofrer uma perseguição concreta e assassina. Somos impotentes do sentimento e não perdoamos o amor alheio. Por isso, não deixe ninguém saber que você ama.


Nelson Rodrigues

quinta-feira, 13 de abril de 2023

O que é delírio?


Delírio é um dos principais sintomas em psicopatologia clínica. Numa visão biomédica, deve ser  eliminado,  como, por exemplo, se faz com uma dor de cabeça.

Ou ainda, segundo essa visão, remete a uma causa, a qual sendo eliminada, cessa o efeito (sintoma). Relação linear causa-efeito. A face tosca da "inteligência psiquiátrica."

Tanto num caso como noutro, a compreensão "do que é delírio" está falseada. Não conduz ao essencial que é cuidar do paciente. Leva apenas ao controle e à violência maquiada.

Mas, afinal, o que é isso, o delírio?

Delírio é uma vivência em que o juízo da realidade (de si e do mundo) está alterado. Mais profundamente significa dizer que uma outra realidade foi inventada. Trata-se de uma crença.

O que está em jogo então é a verdade. Pergunta-se: isso é verdade?

A questão da verdade abrange todos nós.A verdade vem de fora. Desde muito cedo nossos pais  enfiam verdades em nossas mentes. Acreditamos, claro, sem questionar. E mais: a crença (qualquer uma) vem sempre acompanhada de um afeto. A crença na família, na escola, na pátria, em Deus, etc...

Delirar talvez seja acreditar no que ninguém ou poucos acreditam. A arte, a filosofia e a ciência também fazem (conseguem)  isso.

E por que surge o caráter patológico, ou seja, aquilo que conduz à busca de uma ajuda clínica? Lembremos que nem sempre o delirante quer ajuda. Isso é fácil de verificar.

De todo modo, o delírio em saúde mental remete a várias causas e formas clínicas. Os quadros mais graves são os que o paciente nem mais delira já que é o próprio delírio. São as psicoses por vezes chamadas de esquizofrenias.

A rigor, qualquer patologia mental pode apresentar delírio. Ou mesmo qualquer vivência mental não patológica ( desilusão amorosa, a morte de alguém querido, um trauma existencial) pode  gerar um delirio.

O capítulo sobre delírio em psicopatologia é muito extenso. Convém destacar aqui o aspecto vivencial que o aproxima do normal ou do patológico.

Neste sentido o delírio do paciente pode estar próximo ao "delirio" do técnico que o acompanha. Esse fato nem sempre ocorre, claro, mas serve como linha comum do Encontro com a loucura, conforme exposto em texto anterior.

Concluindo, o delírio está em toda a parte onde há alguma crença. E sempre há. Ele compõe a realidade do mundo (veja a política...) e nem por isso  risperidona e haldol lhes são prescritos. Só para delirantes cadastrados.


A.M

terça-feira, 11 de abril de 2023

EMIL NOLDE


 

GRUPO DE ESTUDO EM PSICOPATOLOGIA - O DELÍRIO

Conteúdo - 

1-Por que o tema?

2-Conceito de delírio

3-Formas clínicas

4-Origem e tratamento

Período -

Dias 4,11,18 e 25 - maio/2023

Horário dos encontros - 18,30 às 20,30 hs

Mais informações pelo cel/zap - 77-9914-4041

Obs. - presencial

domingo, 9 de abril de 2023

O PROCESSO DE PRODUZIR MAIS VALIA

(...) (...) O produto, de propriedade do capitalista, é um valor-de-uso, fios, calçados etc. Mas, embora calçados sejam úteis à marcha da sociedade e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica sapatos por paixão aos sapatos. Na produção de mercadorias, nosso capitalista não é movido por puro amor aos valores-de-uso. Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca. Tem dois objetivos. Primeiro, quer produzir um valor-de-uso, que tenha um valor-de-troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. E segundo, quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias para produzi-la, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado. Além de um valor-de-uso quer produzir mercadoria, além de valor-de-uso, valor, e não só valor, mas também valor excedente (mais valia).

(...)

K. Marx

sexta-feira, 7 de abril de 2023

O ROSTO ÚNICO


O muro branco não pára de crescer, ao mesmo tempo que o buraco negro funciona várias vezes. A professora ficou louca; mas a loucura é um rosto conforme de enésima escolha (entretanto, não o último, visto que existem ainda rostos de loucos não-conformes à loucura tal como supomos que ela deva ser). Ah, não é nem um homem nem uma mulher, é um travesti: a relação binária se estabelece entre o "não" de primeira categoria e um "sim" de categoria seguinte que tanto pode marcar uma tolerância sob certas condições quanto indicar um inimigo que é necessário abater a qualquer preço. De qualquer modo, você foi reconhecido, a máquina abstrata inscreveu você no conjunto de seu quadriculado. Compreende-se que, em seu novo papel de detector de desvianças, a máquina de rostidade não se contenta com casos individuais, mas procede de modo tão geral quanto em seu primeiro papel de ordenação de normalidades. Se o rosto é o Cristo, quer dizer o Homem branco médio qualquer, as primeiras desvianças, os primeiros desvios padrão são raciais: o homem amarelo, o homem negro, homens de segunda ou terceira categoria. Eles também serão inscritos no muro, distribuídos pelo buraco. Devem ser cristianizados, isto é, rostificados. O racismo europeu como pretensão do homem branco nunca procedeu por exclusão nem atribuição de alguém designado como Outro: seria antes nas sociedades primitivas que se apreenderia o estrangeiro como um "outro" . O racismo procede por determinação das variações de desvianças, em função do rosto Homem branco que pretende integrar em ondas cada vez mais excêntricas e retardadas os traços que não são conformes, ora para tolerá-los em determinado lugar e em determinadas condições, em certo gueto, ora para apagá-los no muro que jamais suporta a alteridade (é um judeu, é um árabe, é um negro, é um louco..., etc). Do ponto de vista do racismo, não existe exterior, não existem as pessoas de fora. Só existem pessoas que deveriam ser como nós, e cujo crime é não o serem.

(...)

G.Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Ataque em Blumenau: 'Estamos falhando miseravelmente com as crianças', d...

 FLOR DE OBSESSÃO

- O adulto não existe. O homem é o menino perene

-Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino,     hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e   sempre fui) um anjo pornográfico.

- A perfeita solidão há de ter pelo menos a presença numerosa de um amigo real.

- Amar é ser fiel a quem nos trai.

- Toda autocrítica tem a imodéstia de um necrológio redigido pelo próprio defunto.

- Só acredito na bondade que ri. Todo santo devia ser jucundo como um abade da Brahma.

- O brasileiro é um feriado.

- Os jardins de Burle Marx não têm flores. Têm gramados e não flores. Mas para que grama, se não somos cabras?

- A burrice é a pior forma de loucura.

- No Brasil quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte. O Otto Lara está certo. O mineiro só é solidário no câncer.

- O carioca é o único sujeito capaz de berrar confidências secretíssimas de uma calçada para outra calçada.

- Num casal, pior que o ódio, é a falta de amor.

- O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira.

- Geralmente, o puxa-saco dá um marido e tanto.

- O carioca é um extrovertido ululante.

- As bodas de prata são, via de regra, uma festa cínica que finge comemorar um amor enterrado.

- O pior cego é o surdo. Tirem o som de uma paisagem e não haverá mais paisagem.

- Os que choram pouco, ou não choram nunca, acabarão apodrecendo em vida.

- Gosto do cigarro que me queime a garganta. O fumo suave não passa de um ópio de gafieira.

- Toda coerência é, no mínimo, suspeita.

- Desconfie da esposa amável, da esposa cordial, gentil. A virtude é triste, azeda e neurastênica.

- Sexta-feira é o dia em que a virtude prevarica.

- Há homens que, por dinheiro, são capazes até de uma boa ação.

- A educação sexual só devia ser dada por um veterinário.

- Eu, como artista, se tivesse de escolher um epitáfio, optaria pelo seguinte: — "Aqui jaz Nelson Rodrigues, assassinado pelos imbecis de ambos os sexos".

- Qualquer um de nós já amou errado, já odiou errado.

- Toda família tem um momento em que começa a apodrecer. Pode ser a família mais decente, mais digna do mundo. Lá um dia aparece um tio pederasta, uma irmã lésbica, um pai ladrão, um cunhado louco. Tudo ao mesmo tempo.

- A família é o inferno de todos nós.

- A fidelidade devia ser facultativa.

- O gordo só é cruel na mesa, diante do prato, com o guardanapo a pender-lhe do pescoço.

- Na mulher, certas idades constituem, digamos assim, um afrodisíaco eficacíssimo. Por exemplo:— quatorze anos!

- O jovem só pode ser levado a sério quando fica velho.

- Hoje, a primeira noite é a centésima, a qüinquagésima. O casamento já é uma rotina antes de começar.

- O que se está fazendo aqui é uma música popular brasileira que não é popular, nem brasileira e vou além: — nem música.

- Amigos, eis uma verdade eterna: — o passado sempre tem razão.

- Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe.

- O presidente que deixa o poder passa a ser, automaticamente, um chato.

- O ônibus apinhado é o túmulo do pudor.

- Num casamento, o importante não é a esposa, é a sogra. Uma esposa limita-se a repetir as qualidades e os defeitos da própria mãe.

- No Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio e, se quiserem acreditar, vaia-se até mulher nua.

- Uma dor de viúva dura 48 horas.

- Todo óbvio é ululante.

- Toda mulher gosta de apanhar. O homem é que não gosta de bater.


Nelson Rodrigues


Frases selecionadas e organizadas por Ruy Castro,  extraídas do livro "Flor de Obsessão", Cia. das Letras - São Paulo, 1997, págs. diversas

domingo, 2 de abril de 2023

VITRINE DOS ZUMBIS

O desejo maquina entre os corpos e nos corpos. Exposto à luz do dia, mesmo à meia noite, ele  é produção incessante, formigamento nem sempre visível ; "o que não tem governo nem nunca terá". Uma criança. Por que a metamorfose? Não há porque, não há de que, aí onde a gratuidade empurra a existência por e para linhas insólitas.A morte não é substantiva, ela é o morrer, verbo no infinitivo, mesmo que se fale de passados ressentidos  e/ou futuros impossíveis.Como desejar? Não é fácil, mesmo que pareça. Antes de tudo as sociedades modernas fizeram e fazem do consumo a produção de territórios estáveis onde alguém se reconhece: esse sou eu. No entanto, tal reconhecimento de si é tributário de forças sociais que, de longe,  fabricam o eu em seus estratos mais íntimos: meu mundo interior,meu ego, minha subjetividade, meu cérebro, minha profissão, meu tudo. A propriedade e a forma das coisas substituem o desejo como produção. Ninguém escuta o que não quer. Prossegue o empreendimento de sabotagem das multiplicidades ; “como dói, mas como é bom”. Isso funciona em toda parte onde existe o produto cristão, a “pessoa humana”. Mas, afinal, onde anda o desejo? Ele costuma ser trocado por dinheiro e transcendências astutas: a Esquerda. Em contrapartida, as novas gerações aceitam o mundo como o melhor dos possíveis  e para o qual não há fora, o fora, nem sequer é possível dar o fora. Trata-se de uma espécie de paralisia coletiva do pensamento. Este se revela como técnico-cognição: isso é um celular, esta é uma lição pedagógico-terapêutica-comportamental: “busque não pensar, busque morrer”. As práticas de vida norteiam-se, então, pelo pensamento da representação: identidades petrificadas, especialismos em oferta, produtos à espera do consumo imediato e serial em shoppings da alma. Proibido viver, pensar, sentir.Um desejo humanizado se imiscui em redes sinápticas (ou até em redes internéticas) como caução ao  deus-capital quando este dita a dor em normas implícitas do bom viver. E o mundo prossegue em busca da salvação. 


A.M.