sexta-feira, 7 de abril de 2023

O ROSTO ÚNICO


O muro branco não pára de crescer, ao mesmo tempo que o buraco negro funciona várias vezes. A professora ficou louca; mas a loucura é um rosto conforme de enésima escolha (entretanto, não o último, visto que existem ainda rostos de loucos não-conformes à loucura tal como supomos que ela deva ser). Ah, não é nem um homem nem uma mulher, é um travesti: a relação binária se estabelece entre o "não" de primeira categoria e um "sim" de categoria seguinte que tanto pode marcar uma tolerância sob certas condições quanto indicar um inimigo que é necessário abater a qualquer preço. De qualquer modo, você foi reconhecido, a máquina abstrata inscreveu você no conjunto de seu quadriculado. Compreende-se que, em seu novo papel de detector de desvianças, a máquina de rostidade não se contenta com casos individuais, mas procede de modo tão geral quanto em seu primeiro papel de ordenação de normalidades. Se o rosto é o Cristo, quer dizer o Homem branco médio qualquer, as primeiras desvianças, os primeiros desvios padrão são raciais: o homem amarelo, o homem negro, homens de segunda ou terceira categoria. Eles também serão inscritos no muro, distribuídos pelo buraco. Devem ser cristianizados, isto é, rostificados. O racismo europeu como pretensão do homem branco nunca procedeu por exclusão nem atribuição de alguém designado como Outro: seria antes nas sociedades primitivas que se apreenderia o estrangeiro como um "outro" . O racismo procede por determinação das variações de desvianças, em função do rosto Homem branco que pretende integrar em ondas cada vez mais excêntricas e retardadas os traços que não são conformes, ora para tolerá-los em determinado lugar e em determinadas condições, em certo gueto, ora para apagá-los no muro que jamais suporta a alteridade (é um judeu, é um árabe, é um negro, é um louco..., etc). Do ponto de vista do racismo, não existe exterior, não existem as pessoas de fora. Só existem pessoas que deveriam ser como nós, e cujo crime é não o serem.

(...)

G.Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs

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