quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

ILYA PRIGOGINE, O REBELDE DO TEMPO

(...)A concepção de uma natureza passiva, submetida a leis deterministas, é uma especificidade do Ocidente. Na China e no Japão, “natureza” significa “o que existe por si mesmo”. Joseph Needham lembrou-nos a ironia com a qual os letrados chineses receberam a exposição dos triunfos da ciência moderna. Talvez o grande poeta indiano Tagore também tenha sorrido quando tomou conhecimento da mensagem de Einstein:

“Se a lua enquanto efetua o seu eterno curso ao redor da Terra, fosse dotada de consciência de si mesma, estaria profundamente convencida de que se move por sua própria vontade, em função de uma decisão tomada de uma vez por todas. Da mesma forma, um ser dotado de uma percepção superior e de uma inteligência mais perfeita, ao olhar o homem e suas obras, sorriria da ilusão que esse homem tem de agir segundo a sua própria vontade livre. Está é a minha convicção, embora saiba que ela não é plenamente demonstrável (...)”

Para Einstein, essa posição era a única comparável com os ensinamentos da ciência. Mas, para nós, essa concepção é tão difícil de aceitar quanto o era para Epicuro. E isto tanto mais que, desde o século XIX, o pensamento filosófico vem interrogando-se cada vez mais sobre a dimensão temporal de nossa existência. Como testemunham Hegel, William James, Bergson, Whitehead, ou Heidegger. Enquanto para os físicos que seguiam Einstein o problema do tempo estava resolvido, para os filósofos ele continuava sendo a questão por excelência, aquela em que estava em jogo a significação da existência humana.(grifos do blog).

Num de seus últimos livros, L´univers Irrêsolu, escreveu Karl Popper: "Considero o determinismo laplaciano – confirmado, como parece estar, pelo determinismo das teorias físicas e pelo brilhante sucesso delas – o obstáculo mais sólido e mais sério no caminho de uma explicação e de uma apologia da liberdade, da criatividade e da responsabilidade humana." Para Popper, porém, o determinismo não põe somente em causa a liberdade humana. Ele torna impossível o encontro com a realidade, que é a vocação mesma de nosso conhecimento. Popper escreve mais adiante que a realidade do tempo e da mudança sempre foi para ele “o fundamento essencial do realismo”

Em “O possível e o real”, Henri Bergson pergunta: “De que serve o tempo? ... o tempo é o que impede que tudo seja dado de uma só vez. Ele atrasa, ou adianta, ele é o atraso. Deve, pois, ser elaboração. Não seria, então, o veículo de criação e de escolha? A existência do tempo não provaria que  há certa indeterminação nas coisas? Para Bergson, como para Popper, o realismo e o indeterminismo são solidários. Mas essa convicção choca-se com o triunfo da física moderna, com o fato de que o mais fértil e o mais rigoroso dos diálogos que travamos com a natureza desemboca na afirmação do determinismo.

A oposição entre o tempo reversível e determinista da física e o tempo dos filósofos levou a conflitos abertos. Hoje, a tentação é mais de um recuo, que se traduz por ceticismo geral quanto ao significado de nossos conhecimentos. Assim ,a filosofia pós-moderna defende a “desconstrução”. Rorty, por exemplo, convida a transformar os problemas que dividiram a nossa tradição em temas de conversação civilizada. Evidentemente, para ele, as controvérsias cientificas, demasiado técnicas, não têm lugar nessa conversação.

(...)

Ilya Prigogine, in O fim das certezas, 1996

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