domingo, 31 de dezembro de 2023

Uma Arte


A arte de perder não é de difícil lastro;

tantas coisas parecem prenhes de perda

que sua perda não constitui nenhum desastre.


Perca um pouco a cada dia. Aceite o arrasto

do molho de chaves perdido, a hora mal gasta.

A arte de perder não é de difícil lastro.


Então teste perder mais longe, mais rastros:

lugares, nomes, o destino de onde pensava passar

férias. E nada disso pressupõe desastre.


Perdi o relógio de minha mãe. E, ah, que impacto!,

a última ou penúltima das três casas que amei.

A arte de perder não é de difícil lastro.


Perdi duas cidades, que belas. E, mais vasto,

algumas terras, dois rios, um continente,

que saudade, mas não chega a ser desastre.


―Mesmo perder você (anedota na voz, gesto

que adoro) não deve enganar-me. Pois é claro

que a arte de perder não é de tão difícil lastro

mesmo que pareça (note!) um desastre.



Elizabeth Bishop

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