quinta-feira, 25 de julho de 2024

No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá

onde a criança diz: Eu escuto a cor dos

passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não

funciona para cor, mas para som.

Então se a criança muda a função de um

verbo, ele delira.

E pois.

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz

de fazer nascimentos —

O verbo tem que pegar delírio.


Manoel de Barros

domingo, 21 de julho de 2024

Alfred Hitchcock em Um Corpo que Cai!

Necropsiquiatria - esboço de conceito: parte 4


Se a psiquiatria atual não dispõe de uma teoria dos afetos, o dado clinico essencial é o de que o paciente não é escutado.

Trata-se de um truísmo.

No entanto, para além ou aquém do diagnóstico, há linhas de diferença afetiva que se somam, se chocam e se expressam numa dada semiologia. Isso está fora da grade sintomática estabelecida pela Necro.

Assim, o objetivo maior de um tratamento "mental", que seria o de afirmação da vida, é invertido.

O modelo da morte (por. exemplo, depressões profundas, catatonias, etc) o substitui. Não que a psiquiatria adote esse modelo.

Ela é o próprio modelo. 


 A.M.

O narcisismo dos autores é odioso porque não pode existir narcisismo de uma sombra.

Gilles Deleuze

terça-feira, 16 de julho de 2024

Positive Jazz - Smooth Piano Jazz Music & Relaxing July Bossa Nova instr...

PAGANISMO


Prática religiosa ligada à natureza

O paganismo, palavra que tem origem no latim “paganus” (pagão), era a religião daqueles que moravam nos campos, ou seja, uma doutrina de devoção aos elementos da natureza. 

A termologia “pagão” é utilizada para caracterizar as pessoas que não seguem os conceitos das religiões tradicionais. No cristianismo, todos aqueles que não são batizados são definidos como pagãos. Em outras religiões é ligado ao ateísmo – vertente que não acredita na presença de deuses. 

Nascimento do Paganismo

O paganismo tem sua origem em Roma, quando a humanidade vivia em função da agricultura e pastoreio (domesticação de animais). Por isso, mantinham uma intensa ligação com a natureza, cultuando os elementos que garantiam a fertilidade da terra e boas colheitas.

Com o nascimento das cidades, as formas de adoração passaram a ser de acordo com a funcionalidade e característica de cada região. As doutrinas foram modificadas para representar a nova vida nos centros urbanos.

Aspectos do Paganismo

Os seguidores do paganismo normalmente são politeístas (cultuam vários deuses), porém, somente um é escolhido para ser a divindade suprema. Apesar das correntes do neopaganismo, certas propriedades da religião foram preservadas. 

  

•    Ideia de que a essência divina faz parte da natureza;

•    Religiosidade representada pela imagem feminina (Deusa Mãe);

•    Não existe bem x mal, céu x inferno ou corpo x espírito; 

•    Não existe as concepções de pecado ou a crença na existência do diabo;

•    Liberdade para cultuar os elementos da natureza de diversas formas; 

•    Repetição dos rituais de origem independente da época;

•    Festejos nos momentos de mudança dos ciclos da natureza (estações do ano, solstícios e equinócios);

•    Não existe a crença de vida após a morte, apenas de mudança para outro mundo. 


Além dessas principais características, o paganismo não segue princípios morais, reverencia santos ou utensílios de conexão com o divino (cruz, terço, livros, entre outros). 


Vertentes Religiosas do Paganismo

O paganismo engloba uma série de movimentos religiosos. Algumas doutrinas africanas, indígenas e chinesas, por exemplo, aplicam teorias pagãs em seus ensinamentos.


A vertente mais moderna é a do neopaganismo - grupos que fazem uma releitura dos conceitos pagãos já existentes. Entre as correntes religiosas que utilizam novas culturas pagãs estão a wicca, o neodruidismo, o discordianismo e neopaganismo germânico e eslavo.


Wicca


A maior religião neopagã é a  wicca. Ela é uma nova interpretação das antigas práticas pagãs da Grã-Bretanha. Criada pelo inglês Gerald Gardner, prega a crença em dois deuses: a Deusa Mãe e Cernunnos.


A Deusa Mãe simboliza as fases da vida feminina: donzela (virgindade), mãe (plenitude) e anciã (conhecimento). Como caracteriza os ciclos da vida, é representada pela lua, que também tem três fases: crescente, cheia e minguante.


Já o outro deus é uma figura masculina chamada de Cernunnos. Ele é marido da Deusa Mãe e retrata a virilidade, as estações do ano e a vitalidade das plantas. É uma divindade que nasce, morre e ressuscita, algo parecido com os processos da vida humana.


Os cultos wicca são realizados nos tempos de solstícios (verão e inverno) e equinócios. Feitos em grupos ou de forma individual, os adeptos invocam as forças da natureza e das divindades através de círculos mágicos. Além dos círculos, geralmente os rituais giram em tornos de altares. Eles precisam ser purificados com folhas e arrumados com velas, cálices, facas (precisam ser cegas), varinhas mágicas e um caldeirão.


Com o final do percurso de adoração, o círculo deve ser desfeito e as pessoas saem de algum tipo de transe. As sensações e sentimentos durante as invocações são anotadas no Livro das Sombras. 


Neodruidismo


O neodruidismo é a modernização das ideias druidistas nascidas ainda na civilização Celta. As interações com a natureza, a crença em seu potencial criador e a convicção de que as energias movimentam as fases da vida são os alicerces dos ensinamentos neodruidistas.


Diferentemente da wicca, que tenta dominar as forças naturais, essa corrente busca apenas compreendê-las. Em seus rituais também são utilizados círculos mágicos para a convocação dos quatro elementos (fogo, terra, água e ar).


Neopaganismo germânico


O neopaganismo germânico baseia-se na veneração da natureza, da ancestralidade, das divindades e em componentes não humanos, como plantas, animais ou utensílios místicos. Existem variadas divisões religiosas dentro do neopaganismo germânico, organizadas de acordo com a funcionalidade e localização. Entre os principais movimentos estão o theodismo, o odinismo, a ariosofia, o armanismo e o wotanismo.

  

Paganismo no Brasil 


O paganismo no Brasil começou a se estabelecer a partir da década de 1990. Entretanto, já existia uma corrente do druidismo no país, o colégio Druídico das Gáleas. Apesar de possuir maior número de adeptos no mundo pagão, as primeiras tradições da wicca se desenvolveram dez anos depois (em 2000) e seguiam os modelos da vertente estadunidense. Além do druidismo e da wicca, firmaram-se outras correntes do neopaganismo no Brasil: o heathenismo, o hellenismos, o neoxamanismo, a espiritualidade feminina e o piaganismo. 


Thamires Santos,  05/12/2018, atualizado em 21/07/2020

domingo, 14 de julho de 2024

PAGANISMO


 

TEOLOGIA  SATÂNICA

A ultra-direita promete um retorno (mesmo violento) a antigos códigos sociais. Em geral isso vem estribado na figura do Deus cristão: único, onipotente e onisciente. Nem sempre explícito nos discursos (há uma direita não cristã), a expressão pública via imagens internéticas dá o tom fervoroso das pulsões da fé no ambiente político. Uma revolução às avessas está em curso.


A.M

O QUE É A TEOLOGIA DO DOMÍNIO ? - João Cezar Castro Rocha

sábado, 13 de julho de 2024

CORREIOS & TELÉGRAFOS


Chegou alguma coisa pra mim?

Alguma carta? Um convite? Uma encomenda?

Nada. E as contas?

As contas chegaram.



Eudoro Augusto

Não temo a morte. Já estive morto por bilhões e bilhões de anos, antes de nascer, e isso não me causou o menor incômodo.


Mark Twain

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Silent Tides - Medhi Walerski (NDT 1 | Endlessly Free)

ALEGRIA FUTEBOL

Por que o futebol suscita tantas paixões? Simples: ele se aproxima das leis da vida. Vejamos algumas hipóteses: 1-Suas regras são imprecisas; muitas vezes é difícil dizer se um lance foi falta, penalty ou não. O torcedor torce. O juiz tem que decidir em segundos. 2-Os órgãos (dos atletas) usados para a condução da bola são os membros inferiores (pernas e pés) também imprecisos em suas expressões motoras. 3-Há 22 jogadores em campo, o que torna impossível o controle das variáveis sobre o que vai acontecer. Sem contar os juízes... E o VAR... 4- São grandes as dificuldades operacionais para se fazer um gol. Mais de 100 anos depois da criação do futebol, os resultados não variam muito: 2x1, 1x0, 1x1, etc, exceto goleadas esparsas. 5-Por que um time é melhor que o outro? A resposta de que "há melhores jogadores" não satisfaz. O Brasil perdeu a Copa em 1950 e era muito melhor que o Uruguai. Os exemplos são numerosos. Em suma, nem sempre vence o melhor.6-O fator psícogênico interfere no rendimento dos atletas. Certo. Em outros esportes também sim, mas o que dizer das 50 mil pessoas vaiando o adversário num alarido ensurdecedor? Há mil exemplos.7- Uma posição-chave como a do goleiro, o único jogador autorizado a pegar a bola com as mãos. Sendo assim, é figura-chave no desempenho do time. Dir-se-ia: será um goleiro ansioso, emocionalmente frágil, ou apenas um "frangeiro"? Isso pode estragar tudo. Mas quem saberá antes da partida? O futebol é pura experimentação. 8-Devido ao poder das intensidades afetivas (paixões) para fora do campo de jogo, o futebol tornou-se um Mercado de ambições mundiais e estratosféricas. Como isso incide subjetivamente no desempenho do jogador?  Impossivel saber. 9- A tradição das "zebras" na história do futebol exerce influencia sobre o treinador e suas instruções aos comandados. Ou seja, "respeite o adversário". No entanto, na prática, na hora do "vamos ver" o adversário é subvalorizado e o resultado é uma surpresa. Assim como na vida. 10- A mídia fabricou e fabrica a ideia de que "camisa ganha jogo" mas o que vemos e constatamos é que essa ideia fracassa quando os "sem-camisa" enfrentam o adversário e vencem contra tudo e contra todos. Seria preciso citar exemplos históricos? O futebol é um enigma a ser conhecido.


A.M.

Guattari/Baremblitt/Basaglia: relatos

terça-feira, 9 de julho de 2024

É incontestável o apreço de Gilles Deleuze por certas experimentações literárias. Hervé Micolet (2007), na introdução ao compêndio Deleuze et les écrivains: littérature et philosophie, corroborando essa impressão, insiste em afirmar que a relação do autor de Diferença e Repetição com o campo literário é algo visceral e, buscando ilustrar essa inferência, brinda-nos com um extenso inventário dos literatos citados pelo filósofo, ao longo de seu corpus teórico. Desde o primeiro escrito deleuziano, A ilha deserta (DELEUZE, 2006a), até o derradeiro, intitulado Imanência: uma vida... (DELEUZE, 2016), deparamos com remissões diversas a literatos e seus personagens. Ali, uma breve menção ao nome de Robinson Crusoé, personagem de Daniel Defoe, o romance que “[...] representa a melhor ilustração da tese que afirma o liame entre o capitalismo e o protestantismo” (DELEUZE, 2006a, p. 21); já em Imanência: uma vida... (DELEUZE, 2016), uma remissão a certo personagem de Charles Dickens, autor que “[...] contou o que é uma vida, ao considerar o artigo indefinido como indício do transcendental.” (DELEUZE, 2016, p. 409).

(...)

Christian Fernando  Ribeiro Guimarães Vinci in "Deleuze e a escrita: entre a filosofia e e a literatura", 2022

domingo, 7 de julho de 2024

FAZER  CLÍNICA  EM  PSIQUIATRIA

O método da diferença em psiquiatria considera, antes de tudo, a invisibilidade do corpo-paciente expressa na superfície fisiopatológica (organismo visível: o objeto da medicina) que vem inserida no processo histórico-afetivo, inclusive o atual. Desse modo, a avaliação diagnóstica, para ser obtida com rigor, considera a escuta da fala do paciente sobre si mesmo ( o que eu tenho, qual o meu sofrimento) e sobre o mundo (como eu vivo e o que é viver). São estas as condições básicas para um tratamento que trace linhas de singularidade existencial.

A.M

sexta-feira, 5 de julho de 2024

PROFESSOR GILLES

(... )

Disso, costumeiramente, seguia-se uma historieta jocosa. Conta-se que, certa vez, Deleuze narrou aos seus alunos como, ao adentrar no trem, acabou se confundindo e trocou de mala com um senhor que estava ao seu lado. Tendo se apercebido da confusão tarde demais, Deleuze se viu privado de suas anotações e de seus livros. Por sorte, aquele senhor estava lendo um livro de Proust e isso poderia ser de grande serventia para a aula daquele dia, embora Deleuze pretendesse falar aos seus alunos sobre Espinosa. Relatos como esse são comuns ao longo da Biografia Cruzada escrita por Dosse e dão mostras da leveza e da acolhida tipicamente deleuzianas.

Quando menos esperavam, entretanto, seus alunos deparavam com uma modificação em sua voz, que assumia um tom agressivo e conduzia-os a um clima dantesco (Jaeglé, 2005). A calmaria reinante naquele recinto concedia espaço para a tensão, o ogro se preparava para dar o bote. Normalmente eram os momentos no qual um conceito emergia, no qual o professor começava a discutir com afinco temáticas filosóficas. A voz de Deleuze contava a história obscura por trás de um conceito, e essa história era narrada a partir de modificações em sua voz, como se “a substância do conceito resultasse de uma operação sonora oculta” (Jaeglé, 2005, p. 13, tradução nossa). Essa operação sonora pode ser identificada com um grito.

De fato, em diversas ocasiões em seus cursos, Deleuze faz-nos notar a importância do grito para a produção do conceito. Só criamos conceitos, de acordo com o pensador, por necessidade, quando do encontro com um problema que violenta o nosso pensar. Esse encontro nos faz gritar. Deleuze (2006b), em uma de suas conferências dedicadas à Leibniz, reconhece uma íntima relação entre o grito e o conceito, o grito expressa o conceito mas não se confunde com este. Tratar-se-ia, antes, de uma expressão afetiva imanente a qualquer aparato conceitual, e por esse motivo Deleuze defende a necessidade de atentarmos tanto para o grito dos filósofos quanto para as suas criações conceituais. O grito expressa o problema, a necessidade e a urgência inerentes à atividade filosófica por vias não-filosóficas, vias afetivas. Assim, a voz de um pensador, quando pego em flagrante delito, é importante. O pensamento, em seu exercício aberrante, pode ser pronunciado por meio de um conceito, a fim de ser melhor compreendido, mas esse por si só não basta, sendo necessário uma espécie de “dinâmica vocal alheia a qualquer espírito de compreensão” (Jaeglé, 2005, p. 19, tradução nossa). Para compreender um conceito, deleuziano ou não, é preciso atentar para o som emanado por ele, reparar em seu grito.

Essa visão é compartilhada por um outro ex-aluno de Deleuze, Charbonnier (2009). De acordo com o autor, existe uma pedagogia deleuziana assentada no grito e este não é audível apenas pela leitura de seus livros. Os cursos de Deleuze, defende Charbonnier, produzem um desequilíbrio de pensamento naqueles que os escutam ou naqueles que os assistiram, desequilíbrio responsável por criar uma situação insuportável. Nessa nova ambiência, sufocante, apenas um grito conceitual é capaz de nos fazer respirar. As transcrições e as gravações das aulas de Deleuze, nesse sentido, são fundamentais para compreendermos os gritos que movem o pensamento deleuziano rumo à criação de uma ou outra de suas noções.

É curioso notar como, para todos esses autores, a didática deleuziana passa da mais completa calmaria, as aulas de Deleuze sempre começavam com um clima ameno e acolhedor, para a mais desgastante tensão. O aprendizado, por vias afetivas, tal qual o concebe Deleuze, parece necessitar desses altos e baixos, dessa performatividade singular nos dizeres de alguns (Vinci, 2015), para acontecer.

(...)

" Do aprendizado: as licões do professor Deleuze" por Cristian Fernando Ribeiro Guimarães Vinc, 2019, texto acessado via internet em 05/06/2024