terça-feira, 1 de outubro de 2013

INVENTAR O CAPS

Enfocando    o grupo técnico  em  saúde  mental, teríamos: 1-Trata-se de  fato  de  um grupo? 2-  A que  interesses  atende? 3-Que concepções sobre a loucura norteiam  o seu  trabalho?  4-Como se dá a comunicação entre os segmentos técnicos  em relação ao paciente? 5-Qual o lugar da ética e da política nas ações práticas?  Tentaremos desenvolver cada  um dos  itens, tendo como hipótese de base: apesar da  reforma psiquiátrica, a psiquiatria  é um modo de subjetivação que ainda domina e controla os que lidam com o paciente. Existe, pois,  o grupo técnico  trabalhando   sob uma transcendência psiquiátrica. Isso não é  um mal em si, desde que  a psiquiatria oferece um arsenal de medicamentos  contra os transtornos mentais. E há que  usá-los, sem dúvida. A questão é que  esse dado surge  como primeiro  na avaliação clínica. Medicar e depois diagnosticar, se possível. Desse modo, o transtorno mental surge na e da psiquiatria como seu objeto  legítimo. Cabe aos demais técnicos acompanharem o carro-chefe. Ou nada. Esse  fato compromete  o trabalho de grupo como um trabalho coletivo. Mais: de que  objeto se trata? Transtorno mental já não seria alguma coisa fabricada pela própria psiquiatria? Ora, se é objeto da psiquiatria, não pode ser objeto da psicologia ou de outros saberes. Então, partir da psiquiatria como  proprietária do paciente é admitir que tudo, em termos de equipe e tratamento, gira em torno do significante hegemônico “psiquiatria”  como centro de significação clínica. E por extensão o seu objeto, o paciente. Parece  que estamos girando num círculo de redundâncias. Como então constituir um grupo se um sujeito (a psiquiatria) instituiu  há muito o seu objeto (o paciente) ? A grupalidade só pode ser tentada se houver  uma des-hierarquização das relações intra-grupais. Um mesmo plano de trabalho e de afetos. Fora disso,  cria-se uma farsa.  Então, esta é a primeira condição para um grupo de trabalho em saúde  mental. Todos são iguais em suas  diferenças. Em  segundo lugar, a que interesses  atende  o  grupo? Pode  ser  o interesse do Estado, amando suas burocracias para justificar a assistência. O  que  mais? Ou o interesse da sociedade como um todo e o senso comum para  saber como andam, como se comportam  ("estão quetinhos?")seus  loucos. Ao contrário, acreditamos que o grupo deve atender aos  interesses da loucura. Entendemos esta como a conduta libertária avessa aos domínios do Estado, do Mercado  e  dos seus aparelhos  conexos. A loucura, na verdade, não tem e não vive de interesses. Ela vive do desejo, é o puro desejo espraiando-se em produções ao acaso dos encontros. Tal definição alcança o campo do impessoal. Portanto, não falamos do louco, mas da loucura que poderá se encarnar, aí sim, num suposto louco. Em terceiro lugar,  o desejo está em toda a parte onde se trabalha com o louco. Ressoa a questão: que linhas o desejo percorre ou, ao contrário,  estagna  quando  o louco se diz  (ou dizem) que  ele é louco? Por fim, em quarto lugar, a análise de um grupo técnico compreende as linhas e as práticas que o desejo percorre. A equipe técnica é composta por linhas de desejo e práticas que lhe são co-extensivas. Ela demanda uma análise político-institucional das suas operações cotidianas.Para isso  ser  possível, usamos  um método que  traça a cartografia das produções do desejo num  meio (ou conjugação)  de  determinações múltiplas. O meio é a subjetividade como modo de produção contextualizada. O Caps tende a reproduzir o modelo biomédico autor de tantos equívocos na história da psiquiatria. Talvez por isso, no momento, praticamente não há avanço. Ao contrário, se as pesquisas sobre o cérebro evoluem, o que há é um retrocesso na percepção da vida afetiva.
(...)
A.M.


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