PARA QUE UM ROSTO?
A História ostenta um museu de patéticas tentativas de delinear o rosto de Jesus. Nos escritos, nas artes, e, atualmente, na ciência (as pesquisas com o chamado santo sudário). Por que essa vontade? A que ela serve? Por que é tão desejável que um rosto seja claro, límpido, inteiramente visível e identificável? Jesus é mais uma vez a vítima de nossas inércias, de nossas políticas, de nossos mecanismos de controle. Para que serve um rosto? Para ser identidade, localização, digital da alma. “Como sendo tu judeu pedes de beber a mim, que sou samaritana?” Como essa mulher descobriu isso? O rosto! E o rosto de Jesus passou a ser a muralha histórica construída por demarcações geográficas e raciais, que seus gestos e falas trataram de dissolver diante daquela mulher. No rosto há traços de uma família, de um povo, marcas da geografia, do ambiente... Um coração inflamado de amor leria numa face as maravilhas e as potências diversificadoras da natureza. Mas, a política, os mecanismos de governo desenvolvidos através da Historia, transforma a face num rosto, identidade, o destino, através dele colam os indivíduos nos espaços, delimitam-lhes as fronteiras. E um homem com aparência árabe pode ser despojado de seus direitos de cidadão e assassinado brutalmente caso queira cruzar essas fronteiras. Rostos, eles te destinam a um lugar, um pais, um credo, um modo de ser visto.
O Verbo para se tornar carne precisou em tudo ser como os homens, e por tanto, ter um rosto. Mas, é interessante como as Escrituras dão tão pouco valor a isso: nenhuma descrição, nenhum detalhe... Será que o rosto do salvador do mundo não importava aos homens que o amaram? Parece que não. E Paulo, que não o viu pessoalmente - e talvez por isso não o enxergou reduzido a uma pátria, a um povo, ao judaísmo, mas a todas as nações - diz que “ainda que nós o tenhamos conhecido segundo a carne, agora já não o conhecemos assim” 2 Co 5.16. Parece que os que amaram Jesus davam mesmo pouco valor ao seu rosto. E Que se veja nisso a maior expressão de amor! Reduzir alguém ao seu rosto, amofiná-lo a uma casta, uma pátria, uma geografia, a uma raça, é uma manifestação de ódio - é o fascismo de Hitler sofrido pelos judeus, os negros, os homossexuais, os ciganos... O rosto de Jesus ficou a-significado, espaço vazio, absurdo. Isso é a manifestação da fé e do amor. Cada homem que encontrou Jesus, experimentou um sentido singular de sua face. Os Evangelhos deixaram o espaço vazio para que cada homem veja Jesus colorido com a cor de seus olhos.
É mais do que interessante como o Evangelho mostra que o rosto do Jesus ressurreto é um rosto outro. Os discípulos chegam a desconhecê-lo. Ele se aproxima, fala com eles, não o conseguem reconhecê-lo, era um rosto diferente, como eram “tardios de coração para crer”! Se esperarmos um rosto identificável de Jesus, sempre o desconheceremos, e será como se “os olhos estivessem fechados” (Lc 24.15). É que o Jesus ressuscitado não é mais judeu, nem pertence a nenhuma geografia demarcada pela história humana, ele é “tudo em todos”.
Por que um rosto para Jesus? Para torná-lo propriedade privada, para fazê-lo funcionar com nossos mecanismos de identificação e controle. Há arte idólatra, teologia, ciência e política nisso; micros-guerras contra determinados seguimentos da humanidade. Uma teologia, uma religião, um quadro colorido com nossos desejos mais mesquinhos, são máscaras que os que amam Jesus nunca porão em seu rosto, pois querem anunciá-lo a todas as nações, como ele ordenou. Os que amam Jesus, deixam seu rosto vazio, como os antigos fizeram, para que cada um o veja pela fé de modo singular, numa experiência de amor e adoração – a Luz impõe uma natural reverência a todo olhar!
Al Duarte - 30/06/2010
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