sexta-feira, 24 de março de 2023

NENHUMA ARTE - IV


Uma vida inteira passada

dentro dos confins de um corpo

junto ao qual vem atrelada

a consciência, peso morto

que acusa o golpe sofrido

e cochicha ao pé do ouvido

depois que o fato se deu:

nada que te pertence é teu.


Único antídoto do nada

entre as peçonhas da vida,

coisa por sorte encontrada

e por desgraça perdida,

amor lega, em sua ausência,

um lembrete à consciência

(se ela por acaso esqueceu):

nada que te pertence é teu.


Princípio? Tudo é contingente.

Fim? Toda luz termina em breu.

Sentido? Quem quiser que invente,

quem não quiser se contente

com este presente besta

que, quando acabou a festa,

a vida avara lhe deu:

nada que te pertence é teu.


Paulo Henriques Britto

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