sábado, 31 de agosto de 2013

Teresa

A primeira vez que vi Teresa 
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Manuel Bandeira

JOÃO BOSCO - O Bêbado e o Equilibrista


ESCUTA

(...) Você eu não sei, mas eu estou preocupadíssimo com a revelação de que os americanos têm monitorado tudo que é dito e escrito no Brasil nos últimos anos. Ouvem nossos telefonemas, leem nossos e-mails e, provavelmente, examinem o nosso lixo, atrás de indícios da nossa periculosidade. O que me preocupa é que essa informação, depois de coletada e classificada, é analisada talvez pelas mesmas pessoas que nunca duvidaram que o Saddam Hussein tivesse armas de destruição em massa e nunca estranharam que os sequestradores daqueles aviões que derrubaram as torres, no onze de nove, não se interessassem pelas aulas de aterrissagem nos seus cursos de aviação. Quer dizer, que garantia nós temos que não se enganarão de novo, e verão ameaças à segurança americana nas nossas comunicações mais inocentes? Um simples telefonema entre namorados ("desliga você", "não, desliga você") pode ser interpretado como parte de um plano para sabotar centrais elétricas. Um pedido para troca de bujão de gás, uma evidente referência cifrada à explosão da Casa Branca. O fato é que tenho tentado recapitular todos os meus telefonemas e e-mails nos últimos anos, com medo de que um deles, mal interpretado, acabe provocando minha aniquilação por um drone.
(...)
Luis Fernando Veríssimo - O Estado de São Paulo - 18.07.3-13

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

burocratizar o  pensamento
quem faz  melhor
que  a  academia
em seu dia-a-dia?

A.M.

COLUMBINE


A Morte Absoluta


Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.


Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.


Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?


Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.


Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."


Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.


Manuel Bandeira
GOZAR É DOMINAR

(...) A  "consciência"  em psicopatologia captura  o paciente como ser  responsável. Este  é o ponto de inflexão da clínica psiquiátrica no sentido de obter motivos para intervir com os fármacos. Persiste o julgamento do  paciente  encoberto pela  razão científica. 
(...)
A.M. in Trair a psiquiatria 

DARYL HANNAH

In Blade Runner

Nesta vida pode-se aprender três coisas de uma criança: Estar sempre alegre; nunca ficar inativo; e, chorar com força por tudo aquilo que se quer.

P. Leminski

GILLES DELEUZE

Um criador é um ser que trabalha por gosto

VIOLÊNCIA DO ESTADO

(...) Donde o caráter muito particular da violência de Estado: é difícil assinalar essa violência, uma vez que ela se apresenta sempre como já feita. Não é nem mesmo suficiente dizer que a violência reenvia ao modo de produção. Marx observava no caso do capitalismo: há uma violência que passa necessariamente pelo Estado, que precede o modo de produção capitalista, que constitui a "acumulação original" e torna possível esse próprio modo de produção mesmo. Se nos instalamos dentro do modo de produção capitalista, é difícil dizer quem rouba e quem é roubado, e mesmo onde está a violência. É que o trabalhador nasce aí objetivamente todo nu e o capitalista objetivamente "vestido", proprietário independente. O que formou assim o trabalhador e o capitalismo nos escapa, uma vez que já é operante em outros modos de produção. É uma violência que se coloca como já feita, embora ela se refaça todos os dias.
(...)
G.Deleuze e F. Guattari - in Mil platôs

RAMÓN SILVA


FAÇA

...ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternura e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela.
Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria.

Carlos Drummond de Andrade

APAGÃO


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

CAPSOLÂNDIAS

Em geral, os Caps não passam de ambulatórios anacrônicos (em longínquos rincões do país importa-se caps?) e/ou de hospícios de luxo formatando rostidades de horror.Na vitrine dos loucos domesticados, um imenso espelho expõe um niilismo cru e cozido.


A.M.
A PERDA

A melancolia de tudo terminado - Péssimo! Sempre a velha história! Ao terminar a construção da casa, notamos que sem nos dar conta aprendemos, ao construí-la, algo que simplesmente tínhamos de saber, antes de começar a construir. O eterno aborrecido "Tarde demais!" - a melancolia de tudo terminado!... '

F. Niezsche

LULU SANTOS - Assim Caminha A Humanidade


ela tem os olhos azuis
mais verdes que vi
a poesia arrebenta
em suas praias de carne

A.M.

ARTHUR MAIA e DOMINGUINHOS - Lamento Sertanejo


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

o TRÁGICO DOS PARADOXOS

Estas são as mudanças da alma. Eu não acredito em envelhecimento. Eu acredito em alterar para sempre o aspecto de alguém para a luz. Eis meu otimismo

Virgínia Woolf
VIAGENS SOBRE O ABISMO

Sal Paradise e Dean Moriarty estão de carona, no banco de trás, indo de S. Francisco para Denver, quando Dean comenta com Sal: 
"Oh cara! cara! cara!" balbuciou Dean. "E isso não é nem o começo – e agora finalmente estamos juntos indo para o Leste, nunca tínhamos ido pro Leste juntos, Sal, pensa nisso, vamos curtir Denver juntos e ver o que todos estão fazendo, mesmo que isso não nos interesse muito, a questão é que nós sabemos o que aquilo significa e sacamos a vida e sabemos que tudo está ótimo." Depois, me puxando pela manga, e suando horrores, ele me segredou: "Agora saca só esse pessoal aí na frente. Estão preocupados contando os quilômetros, pensando em onde irão dormir essa noite, quanto dinheiro vão gastar em gasolina, se o tempo estará bom, de que maneira chegarão onde pretendem – e quando terminarem de pensar já terão chegado onde queriam, percebe? Mas parece que eles têm que se preocupar e trair suas horas, cada minuto e cada segundo, entregando-se a tarefas aparentemente urgentes, todas falsas; ou então a desejos caprichosos puramente angustiados e angustiantes, suas almas realmente não terão a paz a não ser que se agarrem a uma preocupação explícita e comprovada, e tendo encontrado uma, assumem expressões faciais adequadas, graves e circunspetas, e seguem em frente, e tudo isso não passa, você sabe, de pura infelicidade, e durante todo esse tempo a vida passa voando por eles e eles sabem disso, e isso também os preocupa num círculo vicioso que não tem fim."

Jack Kerouac

DIEGO RIVERA


INOCÊNCIA DO DEVIR

O homem procura um princípio em nome do qual possa desprezar o homem. Inventa outro mundo para poder caluniar e sujar este; de fato só capta o nada e faz desse nada um Deus, uma verdade, chamados a julgar e condenar esta existência.

Friedrich Nietzsche

ISSO NÃO PÁRA

Jovem é atingido por bala de borracha durante manifestação ontem no Largo do Machado, Rio

Gravei seu olhar, seu andar 
Sua voz, seu sorriso
Você foi embora
E eu vou à papelaria 
Comprar uma borracha

Chacal

ESQUIZOS


terça-feira, 27 de agosto de 2013

SÁBADO-ETHOS-31 de agosto de 2013
Simone Andrade e Ivana Patrícia
"Mulheres da Vida"
Às 10hs
Entrada franca

GAL COSTA - Aquarela do Brail


AUTISMO BRANCO

o corporativismo médico é uma doença crônica
inventada
e cuidada pelos doutores

o tratamento é brincadeira
o prognóstico sombrio

A.M.
Professores municipais do Rio decidem manter greve

 Os professores da rede municipal de ensino do Rio decidiram nesta segunda-feira manter a greve iniciada no dia 8. Cerca de 5 mil docentes se reuniram em assembleia no Terreirão do Samba, no centro da capital fluminense, para discutir a proposta apresentada pela prefeitura durante reunião promovida na sexta-feira, 23, entre diretores do sindicato da categoria, o prefeito Eduardo Paes (PMDB), e a secretária municipal de Educação, Claudia Costin. Eles optaram por manter a greve ao menos até esta quarta-feira, 28, quando haverá nova assembleia, às 15 horas.

A categoria reivindica 19% de aumento e Paes ofereceu 15,29%. Ele também se comprometeu a encaminhar para votação na Câmara Municipal em 30 dias o plano de cargos e salários, abonar os dias parados, devolver os valores descontados e reduzir a carga horária dos funcionários administrativos de 40 para 30 horas.
(...)
Fonte: Fábio Grellet, Estadão, 26/08/2013

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

JUAN FRANCISCO GONZÁLEZ


CATÁRTICO

O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional a quantidade de foda-se! que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do foda-se!? O foda-se! aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor.

Reorganiza as coisas. Me liberta. Não quer sair comigo?

Então foda-se!. Vai querer decidir essa merda sozinho (a) mesmo? Então foda-se!. O direito ao foda-se! deveria estar assegurado na Constituição Federal.


Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

Prá caralho, por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que Prá caralho? Prá caralho tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas prá caralho, o Sol é quente prá caralho, o universo é antigo prá caralho, eu gosto de cerveja prá caralho, entende? No gênero do Prá caralho, mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso Nem fodendo!. O Não, não e não! e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade Não, absolutamente não! o substituem.

O Nem fodendo é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral?
Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo Marquinhos presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!. O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicinio.

Por sua vez, o porra nenhuma! atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a gravata daquele chefe idiota senão com um PHD porra nenhuma!, ou ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!. O porra nenhuma, como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

São dessa mesma gênese os clássicos aspone, chepone, repone e mais recentemente, o prepone – presidente de porra nenhuma. Há outros palavrões igualmente clássicos. / Pense na sonoridade de um Puta-que-pariu!, ou seu correlato Puta-que-o-pariu!, falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba… Diante de uma notícia irritante qualquer puta-que-o-pariu! dito assim te coloca outra vez em seu eixo.

Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso vai tomar no cu!? E sua maravilhosa e reforçadora derivação vai tomar no olho do seu cu!. Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus uando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: Chega! Vai tomar no olho do seu cu!.

Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e sai a rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios. 
E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: Fodeu!. E sua derivação mais avassaladora ainda: Fodeu de vez!. Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?

Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? Fodeu de vez!.

Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se …

Millôr Fernandes

domingo, 25 de agosto de 2013

ELIS - Triste


SEM RELIGIÃO?

A religião é o suspiro da criança acabrunhada, o coração de um mundo sem coração, assim como também o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo.

Karl Marx
para um rosto
desconhecido
de mulher
num bar à noite
                          esta flor

A.M.

EDUARDO DUSEK - Cabelos Negros


Hoje em dia, a universidade é o local onde a ignorância é levada `as últimas consequências.

Millôr Fernandes
A poesia não voltará a ritmar a ação; ela passará a antecipá-la.

Arthur Rimbaud

PIERRE VERGER


QUAL PSIQUIATRIA?     

O conceito de consciência está presente, de modo explícito ou não, na clínica psicopatológica desde os seus primórdios. Pode-se dizer que é impossível  realizar  o exame  do  paciente sem pôr a questão: “ele está consciente”? Trata-se do conceito clínico de grau (ou  nível) da consciência. Da vigília (a normalidade) ao coma, desenha-se um espectro de graus de consciência (torpor, turvação, obnubilação, etc) em que as estruturas neurocerebrais estão comprometidas. A equação "consciência-mente-cérebro" é adotada como resposta teórica à clínica dos transtornos mentais de origem orgânica. Quanto mais alguém está consciente, melhor estará funcionando o seu cérebro e por  extensão a mente. No entanto, isso não basta para o massacre clínico. Chega a noção de intencionalidade: o exame  pode ser esmiuçado: “o indivíduo sabe o que  faz”? Ou “ele tem noção (=consciência) dos seus atos”? Um sentido moral se insinua, se fixa, ficando encoberto pelo sistema fechado “cérebro/mente”. É uma elaboração teórica pérfida e desastrosa para o Encontro com o paciente. Ninguém o escuta. Ele não existe.
(...)
A.M.

GRUPO CORPO - Bach (1)


Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

Mario Quintana

CIDADES DO MUNDO

Teresópolis

TERRITÓRIOS DE SENTIDO

A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada.

Lya Luft

O BEBÊ DE ROSEMARY


Tenho tanto sentimento

Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa

sábado, 24 de agosto de 2013

as   mulheres
são melhores 

A.M.

FELIX GUATTARI

O pensador da tranversalidade

-Meu senhor - respondeu-me um longo verme gordo - nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhemos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos; nós roemos.

Machado de Assis  in Dom Casmurro

VLADIMIR VOLEGOV


AFETOS LOUCOS

O encontro com o paciente substitui  o exame, já  que o paciente “se  sustenta”   pelos  afetos. O exame não  capta  os  afetos. Ele  busca  visibilidades. Mas  a mente não  é  visível, mensurável ou palpável. O humor é o afeto que mais se aproxima de uma “mensuração”. Há graus de variação  a  respeito. Desse modo,  a opção  pela  pesquisa do  humor  não  deixa de considerar a sua  importância semiológica. A clínica do  Humor é uma prática que  se impõe, às vezes  de forma positivista, fabricando deprimidos crônicos no lugar de subjetividades potentes. Deprimidos crônicos.Contudo, para além do humor , afetividades  insistem. O  problema  é: quem  as  detecta? Os  afetos são mais profundos que o  humor, se  ligam  às  crenças  e  é através  delas que  o paciente obtém uma consistência básica para  existir. “Eu acredito”, diria alguém, mas “acredita em quê? Os afetos se sustentam no nada No entanto, a criança acredita, só isso,ela é a própria vida em regime de expressão absoluta.
(...)
A..M

JOÃO BOSCO E ALDIR BLANC - Me dá a penúltima


Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta cousa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo. 

Dá-me mais vinho, porque a vida é nada

Fernando Pessoa

STANLEY KUBRICK

Uma odisséia no espaço

Sou fuga para flauta de pedra doce.
A poesia me desbrava.
Com águas me alinhavo

Manoel de Barros

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

PARA ACABAR COM O JUIZO

Em Guattari, como em Deleuze, devir não é identidade - nem processo de produção ou fragmentação de identidades; devir não é mecanismo de territorialização de virtualidades quaisquer sob uma atual e transcendente forma-sujeito, mas um processo marcado por uma indecidibilidade virtual no seio da própria subjetivação – uma espécie de experimentação potente de múltiplas intensidades (por isso, Deleuze e Guattari falavam em devires-moleculares, inorgânicos, mulher ou homossexual); eles explicavam que o devir só é possível quando se é minoritário: não há devires-majoritários, devires-identidade, devires-sujeito-fixo. Elementos majoritários são os organizados por um aparelho de captura ou de estado; não podem devir porque não são capazes daquela “marginalização positiva” de que fala seu fragmento. Não há devir-homem-branco-europeu-cristão, mas organização, estratificação e usurpação do corpo sem órgãos criando sobre ele um estado subjetivo, uma identidade imóvel. Eis o que Deleuze lembrava, em Mil Platôs, como o juízo-de-Deus: a organização demasiado fixa dos órgãos sobre o corpo sem órgãos.
(...)
Murilo Duarte Costa Corrêa
Quanto a mim, o que me mantém vivo é o risco iminente da paixão e seus coadjuvantes, amor, ódio, gozo, misericórdia.

Rubem Fonseca

BLADE RUNNER


POÉTICAS DO CAOS

A linguagem poética fere  de  morte  o princípio de identidade do discurso inteligível da técnica. É isso mesmo. Uma experiência-limite não precisa de palavras. Isso desconcerta a clínica do cérebro. Esta,  busca  neuro-lugares e pontos  fixos.  Cortem  aqui. Cortem ali. A representação do Mesmo é batata. Abram alguns cérebros e lá estará  o rigor mortis. Enfim, um método infalível. Ele gargalha sobre a última fronteira. Que  se passa?  Ainda bem:  há poesia injetada em   agulhas finas. A linguagem desliza: criança, poeta, louco, vidente, vagabundo, artista, a tralha dos sem-eu, todos descem pelo conta-gotas da resposta aos  sintomas. Não há como se explicar aos cientistas. O tecido poético cria muito antes  da medição dos contornos da hipófise. É matriz e argamassa das construções exatas sobre o funcionamento dos neurônios do baixo clero. Precisamos de mais poesia, mais, mais, até saturar os átomos  da  cabeça pensante. No entanto, o pesquisador acadêmico enuncia o veredicto das  horas perdidas em conversas tolas. A condenação dirige o condenado às labaredas do inferno das psicoses, dos retardos e das demências  irreversíveis. Toca o horror da patologia, limpa a mesa cirúrgica com estabilizadores do humor.Assim fica fácil destruir subjetividades em nome da Ciência e da Academia. Sem metáfora.

A.M.

CLAUDE MONET


SEM CONCESSÕES

Eu sabia que era não inteiramente são. Também sabia, uma percepção que eu tinha desde a infância, que havia algo de estranho em mim. Era como se meu destino fosse ser um assassino, um ladrão de banco, um santo, um estuprador, um monge, um ermitão. Precisava de um lugar isolado para me esconder. Os cortiços eram lugares nojentos. A vida das pessoas sãs, dos homens comuns, era uma estupidez pior do que a morte. Parecia não haver alternativa possível. A educação também parecia uma armadilha. A pouca educação que eu tinha me permitido havia me tornado ainda mais desconfiado. O que eram médicos, advogados, cientistas? Apenas homens que tinham permitido que sua liberdade de pensamento e a capacidade de agir como indivíduos lhes fosse retirada. Voltei para meu barracão e enchi a cara... Sentado ali, bebendo, considerei a opção do suicídio, mas me senti estranhamente apaixonado pelo meu corpo, pela minha vida. Apesar das cicatrizes que marcavam meu corpo e minha existência, ambos eram propriedades minhas. Eu podia me levantar agora e sorrir com escárnio para meu reflexo no espelho da cômoda: se você tem que ir, que leve ao menos uns oito junto, uns dez, uns vinte...
(...)
Charles Bukowski

CIDADES DO MUNDO

Dublin

APENAS SUA MÃO

Olha, não peço muito, apenas sua mão, tê-la como um sapinho que dorme assim feliz. Preciso dessa porta que me davas para entrar em seu mundo, essa pecinha de açúcar verde, de redondo alegre. Não me emprestarás sua mão hoje nessa noite de fim de ano de bobeiras roncas? Você não pode, por razões técnicas. Então a pego no ar, entrelaçando cada dedo, o pêssego sedoso da palma, e o dorso, esse país de árvores azuis. Assim a pego e a sustento, como se dela dependesse grande parte do mundo, a sucessão das quatro estações, o cantar dos galos, o amor dos homens.

Julio Cortázar

TOM JOBIM e TOQUINHO - Wave


a poesia
é melhor

A.M.

CIA DE DANÇA DÉBORAH COLKER - Tatyana


A GRANDE MANCHETE

Aproxima-se a hora da manchete. 
O PETRÓLEO ACABOU.
Acabaram as alucinações
os crimes, os romances
as guerras do petróleo.
O mundo fica livre
do pesadelo institucionalizado.

Atiradores ao lixo
motores de combustão interna
e lataria colorida,
o Museu da Sucata exibe
o derradeiro carro carrasco.
Tem etiqueta de remorso:
“Cansei a humanidade”.

Ruas voltam a existir 
para o homem
e as alegrias de estar-junto.
A poluição perdeu
seu aliado fidelíssimo.
A pressa acabou.

Acabou, pessoal! o congestionamento,
o palavrão,
a neurose coletiva.
A morte violenta entre ferragens
com seu véu de óleo
e chamas
acabou.

Milhões de arvores meninas irrompem do asfalto
e da consciência
em carnaval de sol.
Dão sombras grátis
ao papo dos amigos,
à doçura do ócio no intervalo
do batente,
do amor antes aprisionado sob o capô
ou esmigalhado pelas rodas,
â vida de mil formas naturais.
Pessoas, animais,
confraternizam: Milagre!

Dura 5 (?) minutos a festa
da natureza com a cidade.
Irrompem
formas eletrônicas implacáveis,
engenhos teleguiados catapúlticos
de máximo poder ofensivo
e reconquistam o espaço
em que a vida bailava.

Recomeça o problema de viver
na cidade-problema?

De que valeu cantar
o fim da gasolina de alta octanagem?

Enquanto não vem a formidável manchete
vamos curtindo
outras manchetinhas a varejo.
Vamos curtindo
a visão do caos e do extermínio
na rua, na foto,
no sono atormentado:
Mas 400 carros por dia nas pistas
que encolhem, encolhem, são apenas
enfumaçadas fita de rangidos.
Mais loucura, mais palavrão e mais desastre.

E lemos Ralph Nader:
a cada 10 minutos
morre uma pessoa em acidente
de carro; a cada 15 segundos
sai alguém ferido
na pátria industrial dos automóveis.
Vamos imitá-la?
Vamos vencê-la em desafio 
de quem mata mais e morre mais?
Ou vamos ficar apenas
engarrafados sem garrafa
no ar poluído e constelado
de placa, de sinais
que assinalam o grande entupimento?
Perguntas estas são mensagem
também ela espremida na garrafa
que bóia no alto-mar de ondas surdas
e cegas
à espera do futuro que as responda.

Carlos Drummond de Andrade

MADONNA


Teu Segredo

Flores envenenadas na jarra. Roxas azuis, encarnadas, atapetam o ar. Que riqueza de hospital. Nunca vi mais belas e mais perigosas. É assim então o teu segredo. Teu segredo é tão parecido contigo que nada me revela além do que já sei. E sei tão pouco como se o teu enigma fosse eu. Assim como tu és o meu.

Clarice Lispector

BYE BYE BRASIL


CHiCO BUARQUE

BOM CONSELHO

Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio vento na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

SÁBADO-ETHOS-31 de agosto de 2013
Simone Andrade e Ivana Patrícia
"Mulheres da Vida"
Às 10hs
Entrada franca

GILLES DELUZE - Conversações


EROTISMO

Do erotismo é possível dizer que ele é a aprovação da vida até na morte. Para falara verdade, isto não é uma definição, mas eu penso que esta fórmula dá o sentido do erotismo melhor que uma outra. Se se tratasse de definição precisa, seria necessário partir certamente da atividade sexual de reprodução da qual o erotismo é uma forma particular.A atividade sexual de reprodução é comum aos animais sexuados e aos homens, mas,aparentemente, só os homens fizeram de sua atividade sexual uma atividade erótica, e oque diferencia o erotismo da atividade sexual simples é uma procura psicológica independente do fim natural encontrado na reprodução e na preocupação das crianças.Abandonando essa definição elementar, voltarei imediatamente à fórmula que propus inicialmente, segundo a qual o erotismo é a aprovação da vida até na morte. Com efeito,se bem que a atividade erótica seja inicialmente uma exuberância da vida, o objeto dessa procura psicológica, independente, como eu o disse, da preocupação de reprodução da vida, não é estranho à morte. Existe aí um paradoxo tão grande que, sem mais demora entarei dar uma aparência de razão de ser à minha afirmação através de duas citações de Sade:
"Infelizmente, não há nada mais seguro que o secreto, e não há um libertino
que esteja um pouco dentro do vício que não saiba quanto o assassínio tem
de poder sobre os sentidos..."
Numa outra frase mais singular ele diz:
"Não há melhor meio para se familiarizar com a morte do que associá-la a
uma idéia libertina".

(...) G. Bataille
O Código Penal é a causa de todos os crimes!

Millôr Fernandes

PIADAS DE MENSALÃO


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

FEBRE DO MUNDO

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto {…} De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo…Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter…

Fernando Pessoa

CHICO ANÍSIO

O humorista das superfícies

FORA DA TERRA

As transcendências colocam a subjetividade num lugar “para  além” da realidade do mundo. No caso do uso de noções como as de alma, espírito, eu, consciência, isso fica evidente. Contudo, o disfarce advém quando o cérebro é posto como um sistema isolado do que o circunda e o determina, caso dos pressupostos  neuro-científicos.

A.M.
A LÍNGUA LAMBE 

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

C.D. de Andrade
O marido padre
Conto provençal

(...) Entre a cidade de Menerbe, no condado de Avinhão, e a de Apt, em Provença, há um pequeno convento de carmelitas isolado, denominado Saint-Hilaire, assentado no cimo de uma montanha onde até mesmo às cabras é difícil o pasto; esse pequeno sítio é aproximadamente como a cloaca de todas as comunidades vizinhas aos carmelitas; ali, cada uma delas relega o que a desonra, de onde não é difícil inferir quão puro deve ser o grupo de pessoas que freqüenta essa casa. Bêbados,devassos, sodomitas, jogadores; são esses, mais ou menos, os nobres integrantes desse grupo, reclusos que, nesse asilo escandaloso, o quanto podem ofertam a Deus almas que o mundo rejeita. Perto dali, um ou dois castelos e o burgo de Menerbe, o qual se acha apenas a uma légua de Saint-Hilaire -eis todo o mundo desses bons religiosos que, malgrado sua batina e condição, estão, entretanto, longe de encontrar abertas  todas as portas de quantos estão à sua volta.Havia muito o padre Gabriel, um dos santos desse eremitério,cobiçava certa mulher de Menerbe, cujo marido, um rematado corno, chamava-se Rodin. A mulher dele era uma moreninha, de vinte e oito anos, olhar leviano e nádegas roliças, a qual parecia constituir em todos os aspectos lauto banquete para um monge.No que tange ao Sr. Rodin, este era homem bom, aumentando o seu patrimônio sem dizer nada a ninguém:
(...)
M. de Sade

CHICO BUARQUE - Roda Viva


Dirceu pede que STF considere tese de Lewandowski para corrupção

Na noite desta segunda-feira, sem alarde, a defesa do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (foto abaixo) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para que os ministros da corte amenizem a pena pelo crime de corrupção cometido no esquema do mensalão.

A defesa do petista argumenta, em um memorial de sete páginas, que a trama criminosa teria ocorrido entre 2002 e 2003. Na prática, os advogados colocaram no papel a tese sustentada no plenário na semana passada pelo ministro Ricardo Lewandowski, que foi repelida com virulência pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa.

A constatação de que a tese de Lewandowski pouco tinha de inocente foi revelada pelo site de VEJA na última sexta-feira. Após o bate-boca com Barbosa, que por pouco não terminou em pancadaria na antessala do plenário, advogados que acompanham o julgamento e dois ministros identificaram na reação desmedida do presidente do STF uma tentativa de impedir que Lewandowski reabrisse a discussão sobre a aplicação de uma legislação mais branda para os crimes de corrupção.
(...)
Fonte: Laryssa Borges, 20/08/2013

INDIGNAÇÃO


Queda livre 

Permita que se esvazie 
como um anjo de masmorra, 
partido será o grito 
nesse mar de granito.

Como uma rês em osso 
soçobro nos ecos dos tempos 
d'uma flauta de vértebras 
nas curvas do vento.

Sou palavra em queda, 
refletida no fundo do poço 
não fale, pois eis que 
nada, já não ouço.

Ainda ao fim de hoje 
serei como palavra 
em eterna queda livre.

Brasil Barreto