sábado, 30 de novembro de 2019

OUTRO MUNDO

Os psicofármacos, tão apreciados pela psiquiatria biológica, já enviam sinais de exaustão nas suas pesquisas bioquímicas. Nada de novo no front. A psicofarmacoterapia, voltada, óbvio, à supressão e/ou atenuação dos sintomas mentais (delírios, alucinações, ansiedades, pânicos, fobias, depressões, etc), ocultou o fato de que o próprio paciente é um dos sintomas da desestruturação social dos tempos atuais. Ah, parece longe o tempo em que se aguardava a qualquer momento a notícia da cura da esquizofrenia. Ou das outras psicoses. Ou das neuroses. Impossível: é que o mundo mudou. Hoje ele escancara suas linhas trágicas e sua doença via internet. Sem cura.

A.M.
CRESCE A POBREZA

As coisas se inverteram em 2015. Depois de uma forte diminuição da pobreza na América Latina e no Caribe na primeira parte da década atual, o avanço deu lugar ao retrocesso. Longe de ser interrompida, essa dinâmica continua: a carência extrema voltará a crescer neste ano e completará um período de cinco anos enfileirando retrocessos em um dos principais indicadores para entender a redução do bem-estar das camadas com menos recursos da população latino-americana, para as quais a mobilidade social é muito limitada. A região fechará 2019 com um aumento de sete décimos no índice geral de pobreza – que passou de 30,1% da população para 30,8%, segundo dados publicados na quinta-feira pela Cepal, braço das Nações Unidas para o desenvolvimento no subcontinente – e de oito décimos em sua variável extrema –a mais urgente, que subiu de 10,7% para 11,5%.
(...)

Ignacio Fariza, ElPaís,Madri, 30/11/2019,09:12 hs

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

SEM CORPO, SEM AFETO

A psiquiatria funciona não funcionando. Tal paradoxo operacional compreende alianças institucionais poderosas. Citemos 5: a família, a escola, o direito, o estado e a polícia. Há outras...  Usamo-las como referência à produção de um organismo-verdade ajustado aos funcionamentos de manutenção fisiológica e bioquímica que lhe dizem respeito. “Não funcionar” significa estar sem corpo e sem afeto e ao mesmo tempo produzir organismos centrados na consciência. O filho, o aluno, o réu, o cidadão e o bandido (respectivos ás instituições nomeadas acima)  oferecem um organismo e uma consciência como suportes de verdade à psiquiatria esvaziada de conceitos, mas prenhe de poderes. É que ela  se insinua e se inscreve num campo social capturado pelo capital semiótico hegemônico (significância) e só funciona graças a esses suportes (territórios) expressos no visível (organismo) e no dizível (consciência). Buscamos outra coisa: criar síndromes psiquiátricas a partir da razão clínica mais direta: um estado selvagem ao olhar ético-estético.  Uma psiquiatria da diferença ou a diferença na psiquiatria.

A.M.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

resgate
sou refém da lua cheia
ela entra pelo quarto
conhece-me os beijos
os cheiros guardados
as sombras e crateras
do meu cativeiro
sou refém da meia-lua
ela me sabe os pedaços
as tristezas os segredos
invade-me à madrugada
assiste o amor arder
sem endereço
sou refém de mim
a lua é pretexto
Líria Porto

domingo, 24 de novembro de 2019

HENRY ASENCIO


RACISMO BRASILEIRO
O professor universitário Juarez Xavier, 60 anos, dá aulas no curso de Jornalismo na Unesp (Universidade Estadual Paulista) desde 2011. Querido por estudantes e colegas da universidade, Juarez é aguerrido na militância da luta antirracista, tanto que coordena o Núcleo Negro da universidade. Nesta quarta-feira (20/11), Dia da Consciência Negra, o professor foi vítima de racismo e de agressão de um desconhecido.
Juarez foi chamado de “macaco” na rua. Ao tirar satisfação, ele levou dois golpes de estilete e cinco pontos nos dois ferimentos (três nas costas e dois no ombro). Mais do que os ferimentos físicos, o professor conta que o caso evidencia a “intolerância tirada das cavernas”.
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Ponte, El País, 23/11/2019, 11:16 hs

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Uns homens estão silenciosos


Eu os vejo nas ruas quase que diariamente.
São uns homens devagar, são uns homens quase que misteriosos.
Eles estão esperando.
Às vezes procuram um lugar bem escondido para esperar.
Estão esperando um grande acontecimento.
E estão silenciosos diante do mundo, silenciosos.

Ah, mas como eles entendem as verdades
De seus infinitos segundos.

Manoel de Barros
ÉTICA E CLÍNICA


A  psiquiatria oficial chama o  seu  paciente de  “portador de  transtorno mental”. Nem  sempre explícito,  tal enunciado está na bíblia  dos diagnósticos, a  CID-10. A expressão “mental”  é usada de modo naturalizado, ou seja, todo mundo  sabe  o que é “mental”. A  metonímia “ele  é  um mental”expõe o nervo do estigma.Contudo, no encontro com a loucura, acontece outra  coisa: a mente desaparece como substância ou como algo palpável.Dilui-se num vazio sem  forma.Encontrar o  paciente seria possível? Sim, na medida em que se adentre ao acaso, ao  indeterminado e ao desconhecido.Esta é a condição. Como, então,trabalhar a clínica? A experiência da prática mostra que ela  só existe como abertura ao mundo, ou mais ainda como fazedora de mundos. Por  outro  lado, a  ética – essência da clínica - sustenta-se  na alegria.  É  a  força maior. “O regime da alegria é  o do tudo  ou  nada: não  há senão alegria total  ou nula” (C.Rosset). A clínica da  diferença busca, então, atuar em linhas existenciais desprezadas pela razão. Lida com o incurável, o imprestável e com discursos submetidos às formações de poder.  Requer um desejo não apoiado na realidade objetiva pois o desejo é a própria realidade objetiva. No  universo sedutor-violento do capital, a aposta num trabalho com pacientes graves capta o ritmo das canções sem dono. Tudo é impessoal e  coletivo. O caps  torna-se, então, a procura  de saídas não cadastradas pela psiquiatria canônica. A ótica da diferença é a do novo. A ética  precede a técnica. Legiões de psiquiatrizados de toda parte ajoelham-se no altar dos psicofármacos e dos cérebros à mão. Tudo conspira a favor do consumo de pacotes cientificamente autorizados para ações lucrativas.No entanto, mesmo desbotada e segregada nos grilhões cidológicos , a diferença resiste. A ética da potência  de viver afirma-se como ética  de poetas itinerantes.O discurso e a prática da diferença exploram o avesso da ordem do  universo capitalista. Quem se  interessa  em criar,  fazer nascer?  Pergunta talvez insana na  medida em que os poderes investem na repetição do Mesmo e  no  rigor  mortis  do pensamento. Por isso, a prática da diferença considera as determinações micro-sócio-políticas como a superfície da ação mais concreta. O ato clínico. Em suas pesquisas, não encontra respostas  exatas, mas problemáticas abertas. Se a loucura é a experiência que atravessa a subjetividade, (mesmo que não estejamos loucos, podemos entrar num devir-loucura), tudo muda na  percepção fina da realidade da saúde mental .Um novo universo se desvela.
(...)


A.M.



Obs.- texto republicado

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

AMAZÔNIA NEGRA
O Brasil olha para a Amazônia, e já associa a região aos indígenas e às comunidades ribeirinhas. “Mas acaba esquecendo e invisibilizando a Amazônia negra. Não há narrativa sobre isso. Dos anos 1990 para cá, estamos brigando para levantar essa pauta". Quem fala é Isis Tatiane da Silva, historiadora de 39 anos e uma das lideranças do quilombo Criaú, no Amapá. A maior floresta tropical do mundo abriga aproximadamente 150 das mais de 3.500 comunidades quilombolas do Brasil, de acordo com a Fundação Palmares, do extinto Ministério da Cultura.
(...)
Joana do Meio (Amazônia),El País, 20/11/2019, 12:54 hs

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Brisa


Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixaras aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.



Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.


Manuel Bandeira

domingo, 17 de novembro de 2019

PHILIP GLASS : The Poet Acts

ANUNCIAÇÃO
Não se pode invocar. Acontece. Como o suor ou intranquilidade. Já me aconteceu ao sair para correr. Ao flutuar na água sob um sol escaldante nas ilhas do mar de Andamão. Ao perceber, às três da tarde, que ainda faltava tanto. Ao abrir minha caixa de costura e ver a fita métrica, as linhas, os alfinetes, esse cuidado caseiro, incrível, minúsculo. Ou tirando os trevos dos vasos de barro do terraço. Sim. Principalmente tirando os trevos aos vasos do terraço. Já me aconteceu muitas vezes. Algumas eu lembro. Uma noite da minha infância, quando estava na casa da minha avó e meu pai chegou para me buscar de surpresa com duas entradas para o cinema. Uma tarde de verão, enquanto cortava a grama e vi uma rosa de cor laranja que parecia um gomo de fogo. Um entardecer de domingo de inverno: tinha muito frio e estava voltando para casa depois de ter ficado no campo, de ter perdido os óculos de sol sem me importar com isso, estava suja e cansada e sentia o belo peso da vida aqui. Aconteceu durante muitos dias nos anos noventa, enquanto pintava uma sacada escutando o rádio e olhando de relance filmes ruins em uma TV antiga que funcionava mal. É uma espécie de licantropia branca. Uma anunciação, uma santidade que não pode ser contida. Não é um alívio nem uma trégua. É um momento estático. Como se o mundo ficasse quieto e exalasse geometria. Não é euforia. É uma atração sem exaltações, uma imersão batista. Um transe. Uma levitação na qual entendo tudo. Faz muito tempo que não me acontece. Mas isso não me importa. O que me importa é saber quantas vezes mais vai me acontecer antes que tudo acabe. Quatro, cinco? Sinto como se estivesse dizendo adeus a tudo.
Leila Guerrieiro, El País,12/11/2019, 20:00 hs

sábado, 16 de novembro de 2019

SOBRE OS AFETOS

Questão técnica : em psiquiatria clínica uma teoria da afetividade é essencial para estabelecer a relação com o paciente. Trata-se de uma análise dos afetos (bons e maus, construtivos e destrutivos) ; isso move a relação de cuidado. Questão ética: ao analisar seus próprios afetos, o psiquiatra se implica no trabalho com o outro como sendo um trabalho consigo mesmo. Questão política: entre as forças que compõem a relação vertical médico-paciente, é possível fazer um combate contra o poder que é a própria luta (invisível) pela saúde. Questão estética: na medida em que o psiquiatra é afetado pelo outro, torna-se um criador de formas de sensibilidade clínica até então atrofiadas pela medicina. Uma arte.

A.M. 
Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam.
Nelson Rodrigues

O Grupo Baader Meinhof, direção de Uri Edel, 2008

MONGE
Um monge
sentado
em uma
pedra
no topo
de uma
montanha
esperando
o sucesso
chegar.
* * *

Bruno Brum

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

CLAUDE MONET


TRAIR É CRIAR

Usando Elias Canneti do livro “Massa e Poder" (1960), é possível identificar a “doença” do poder: a paranóia. Há sempre, de fato, na medida e no miolo das correlações de forças, uma circulação de desconfiança a priori, um incentivo ao medo, um convite à fobia, uma expectativa angustiante, uma melancolia disfarçada, um pânico frente à desordem, enfim, a grande suspeita contida numa peça sem autoria e, daí, sem sujeito. Quem é o poder? A paranóia não é individual, e sim coletiva, mesmo que surja em alguém isolado. Há regimes significantes eternizados como suplícios dos dominados. Veja o caso dos Estados e das Igrejas. Esta parece ser a regra que a história timbrou, ou finge que. Pode ser o rei, o presidente, o papa, o príncipe, o chefe de estado, o prefeito, o governador, figuras de autoridade, os poderosos... O que importa é que eles se inserem em modos de subjetivação como verdades dadas e contabilizadas, a depender dos rumos da política. Qualquer um pode ser qualquer um, todos são todos, desde que o poder funcione como maquinaria produtora de um gosto por viver e que se nutra de linhas institucionais endurecidas. Desconfia-se de tudo e de todos e vice-versa; instala-se o clima necessário a dizer e sentir “eu posso tudo”. “Aguirre, a Cólera dos Deuses”, o filme de W.Herzog (1972), ilustra bem o liame poder-paranóia como delírio do infinito: a sequência final é emblemática. Assim, é possível, no caso da psiquiatria, detectar todo um sistema de paranóia embutido na CID-10 como lógica persecutória. Isso funciona no território movediço dos afetos de uma clínica verticalizada. A psiquiatria tem poder porque é fraca. Como diz Nietzsche, "é preciso defender os fortes dos fracos".O poder produz, alimenta-se de mil produções subjetivas, delira sem delirar, delira naturalmente. A contrapartida à vivência persecutória seria, pois, a traição à ordem instituída da razão, à ordem instituída do transtorno mental, à ordem instituída do estado, à ordem instituída de todas as ordens. Trata-se de um modo e de um estilo de experimentar a passagem do tempo que não volta: a irreversibilidade em ato.

A.M.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

das cicatrizes seculares

um dia pequeno partiste eu fiquei
restou-se-me a culpa estrago sem jeito
saí pelas ruas de olhos sem ver
prendessem-me matassem-me
arrancassem-me os seios

(chorei como a chuva do mês de dezembro)

virei enxurrada poça d’água represa
secou-se-me o leite a vida ruiu
um raio partiu minha alma o espelho
morri reencarnei e ainda padeço
são mil estilhaços com teus olhos dentro


Líria Porto

domingo, 10 de novembro de 2019

Minicurso "Esquizoanálise e extremismos políticos" - Parte 2

A EXTREMA POBREZA

A extrema pobreza subiu no Brasil e já soma 13,5 milhões de pessoas sobrevivendo com até 145 reais mensais. O número de miseráveis vem crescendo desde 2015, invertendo a curva descendente da miséria dos anos anteriores. De 2014 para cá 4,5 milhões de pessoas caíram para a extrema pobreza, passando a viver em condições miseráveis. O contingente é recorde em sete anos da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta do desemprego, os programas sociais mais enxutos e a falta de reajuste de subvenções como o Bolsa Família aumentam o fosso do mais pobres. O indicador de pobreza do Bolsa Família, por exemplo, é de 89 reais, abaixo do parâmetro de 145 reais utilizado pelo Banco Mundial.

A miséria atinge principalmente estados do Norte e Nordeste do Brasil, em especial a população preta e parda, sem instrução ou com formação fundamental incompleta. Mesmo os filhos dessas famílias que queiram superar a condição de estudos dos pais acabam paralisados pela limitação econômica familiar. A falta de renda acaba empurrando os estudantes desse estrato para a evasão escolar. Entre ir à escola ou trabalhar para evitar que a família passe fome, a segunda opção é a mais óbvia. Segundo o IBGE, 11,8% dos jovens mais pobres abandonaram a escola sem concluir o ensino médio no ano passado. Trata-se de um índice oito vezes maior que o dos jovens ricos.

O crescimento da extrema pobreza coincide com o início da recessão que começou em 2014 no Brasil e terminou em 2016. Embora tenha continuado a subir, a velocidade é bem menor. De 2017 para 2018 foram 200.000 pessoas a mais que assumiram o status de miseráveis. Um ano antes, porém, de 2016 para 2017, a alta havia sido de 1.339 milhão. Nesse período, o Brasil ajudou a inflar os dados de extrema pobreza em todo o continente, como mostrou um estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, um órgão da ONU). 
(...)

Carla Jimenez, El País, São Paulo,09/11/2019, 06:35 hs

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Os marginais sempre nos causaram medo, e um pouco de horror. Eles não são o bastante clandestinos.
(...)

G. Deleuze e C.Parnet  in Diálogos

SABERES ÓRFÃOS


A psicopatologia, descolada da psiquiatria, passa a ter vida própria. Uma psicopatologia órfã. Dizê-la e fazê-la requer sobretudo criar condições para o pensamento. Que é uma prática. Não fazer refletir, mas fazer pensar a saúde mental ao mesmo tempo com e sem as categorias psiquiátricas. Deixar-se levar num paradoxo enunciativo vindo do mundo das psicoses. A clínica da diferença começa com as psicoses e, daí, com a quebra das significações dominantes. O que fazer dos enunciados psiquiátricos encharcados da moral e que, ao mesmo tempo, prestam serviços ao paciente em situações-limite? diria o bom senso das instituições. Ora, já que a psicopatologia tornou-se órfã, ela se constitui como um saber menor, uma minoridade. Ou seja, um saber  sem modelo identitário, não regido pelos significantes psiquiátricos. E por isso útil ao paciente.
(...)
A. M. - do livro Linhas da diferença em psicopatologia

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Por que há tão poucas pessoas interessantes? Em milhões, por que não há algumas? Devemos continuar a viver com esta espécie insípida e tediosa? O problema é que tenho de continuar a me relacionar com eles. Isto é, se eu quiser que as luzes continuem acesas, se eu quiser consertar este computador, se eu quiser dar descarga na privada, comprar um pneu novo, arrancar um dente ou abrir a minha barriga, tenho que continuar a me relacionar. Preciso dos desgraçados para as menores necessidades, mesmo que eles me causem horror. E horror é uma gentileza.
Charles Bukowski

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Se vai tentar
siga em frente.

Senão, nem começe!
Isso pode significar perder namoradas
esposas, família, trabalho...e talvez a cabeça.

Pode significar ficar sem comer por dias,
Pode significar congelar em um parque,
Pode significar cadeia,
Pode significar caçoadas, desolação...

A desolação é o presente
O resto é uma prova de sua paciência,
do quanto realmente quis fazer
E farei, apesar do menosprezo
E será melhor que qualquer coisa que possa imaginar.

Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena.

Charles Bukowski

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

ESTUDO SOBRE AS PSICOSES - II

Sob a ótica da diferença, a experiência psicótica substitui a entidade clínica "psicose". Para além dos sufixos de virose, micose, artrose, tuberculose etc, o modelo biomédico se desfaz em prol de uma relação de implicação com a Realidade: a diferença. Mas, de que realidade se trata? A experiência psicótica responde: da realidade do delírio. É nele que formiga a singularidade psicótica e só através da análise desse processo existencial complexo ( o louco) é que a psiquiatria poderá "compreender o incompreensível". Para isso acontecer, deve se tornar louca, não psicótica. Esta vivência, (tanto para o técnico quanto para o paciente), prenhe de afeto e crença, tem na esquizofrenia o arqui-modelo das psicoses ( a loucura) onde a dissolução do sentido faz do delírio não um sintoma, mas o próprio paciente. Assim, as psicoses remetem à experiência do não sentido expresso como sentido (regime semiótico) em múltiplos graus de recusa à Realidade. No fim das contas, se seguirmos os códigos da medicina psiquiátrica, conceituar uma psicose não só é difícil, mas impossível. Resta a diferença, transdisciplinar e não identitária, conectar com o psicótico via saberes fora da psiquiatria, mas que a atravessam e a constituem como prática clínica. É esse o caminho (método) para explorar estranhos universos. 

A.M.