sábado, 19 de dezembro de 2020

As coisas que te cercam, até onde

alcança tua vista, tão passivas

em sua opacidade, que te impedem

de enxergar o (inexistente) horizonte,

que justamente por não serem vivas

se prestam para tudo, e nunca pedem


nem mesmo uma migalha de atenção,

essas coisas que você usa e esquece

assim que larga na primeira mesa —

pois bem: elas vão ficar. Você, não.

Tudo que pensa passa. Permanece

a alvenaria do mundo, o que pesa.


O mais é enchimento, e se consome.

As tais Formas eternas, as Ideias,

e a mente que as inventa, acabam em pó,

e delas ficam, quando muito, os nomes.

Muita louça ainda resta de Pompéia,

mas lábios que a tocaram, nem um só.


As testemunhas cegas da existência,

sempre a te olhar sem que você se importe,

vão assistir sem compaixão nem ânsia,

com a mais absoluta indiferença,

quando chegar a hora, a tua morte.

(Não que isso tenha a mínima importância.)



Paulo Henriques Britto

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