Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2021
terça-feira, 28 de dezembro de 2021
O ESCÁRNIO
Milhares de pessoas estão ao desabrigo, desalojadas e muitas mortas, dragadas pelas águas torrenciais das tempestades na Bahia. De todos os lados, cidades parecem desistir de se opor às chuvas e são encobertas pela lama, enterrando em poças descomunais os tesouros pobres, mas únicos dos mais pobres agora.
As chuvas no estado da Bahia nos fazem ficar diante do que a pandemia do Coronavírus mostrou: a nossa incapacidade de lidar com a revolta do meio ambiente diante da nossa própria arrogância e desrespeito à natureza.
A ausência absoluta de empatia do ex-capitão, que não entendeu, às vésperas de deixar o cargo, que precisa trabalhar, aprendeu a usar o cartão de crédito da Presidência da República e gasta em milhões de reais para uma vida de férias.
E até o suspiro derradeiro de 2021, dissemina omissão, discórdia, ódio, confusão. Às crianças, nega vacina. Ao país, oferece um espetáculo melancólico do exercício do cargo.
Os últimos dias do ano, que parece não ter fim, são propícios para a realização de previsões para o ano novo. Videntes e evidentes se esforçam para contar o que será, mas na maioria das vezes são surpreendidos pelos fatos, muito além da imaginação dos astros das cartas do tarô. Foi assim em2018, 2019, 2020, 2021. Pela consistência da regra, o ano de 2022 chega como uma oportunidade para confirmá-la, pela exceção.
O futuro, que não está nas bolas de cristal, é uma construção do presente. As estatísticas, além das cenas que vivemos em 2021, não serão esquecidas pelas tragédias que estamparam, tampouco ficarão de fora dos livros de história a excrescência de um governo federal estulto e negligente com o povo; algoz maior da sua gente.
Em 2022 teremos mais do mesmo. A idiotice cristalizada ainda produzirá efemérides e terá pontos de apoio na ignorância calculada dos soldados do caos. As instituições - em especial o STF (Supremo Tribunal Federal) - terão que engolir seco para não cuspir marimbondos diante das provocações que virão - e serão muitas, porque o cerco está se fechando nas investigações em andamento da família real.
Mais pobres ficarão miseráveis; a inflação vai corroer o dinheiro do salário-mínimo, mas fermentar a riqueza daquele 1% que vive às custas de juros, e irá enfraquecer quem produz bens e serviços.
A ciência vai resistir às tentativas de descrédito pela sobrevivência dos imunizados.
E tem as eleições.
Lula ganha no primeiro turno. Vai entregar anéis para ficar com os dedos. E o PT vai engolir.
Os sobrinhos do ex-capitão, a maior parte deles no Congresso e nos estados, regressarão ao ostracismo, de onde não poderiam ter saído, não fosse o delírio coletivo em 2018, que enxergou um poço no deserto onde havia apenas dunas.
A Amazônia vai seguir sendo desmatada, os rios abusados por garimpeiros, os bichos ameaçados e mortos em todos os biomas. O Pantanal ainda vai arder em chamas.
A polícia vai matar.
Os outros bandidos também vão matar. E serão mortos em cárceres, nas favelas e em todos os becos do país.
Haverá uma enxurrada de fake news - de mentiras. A imprensa vai trabalhar para desmentir. A imprensa também será vítima de mentiras; muito vai se tentar esclarecer, mas nem tudo será esclarecido. O raciocínio paranoico com as suas síndromes persecutórias será ativíssimo.
Aqueles e aquelas que estavam silenciosos, confiando que o bem vence, vão descobrir que é preciso lutar para que isso aconteça. Haverá o grito além da esperança, será o coro pela vida. E chegará 2023.
O ex-capitão, como os negacionistas do recém-lançado filme "Não olhe para cima", fecha os olhos para o Brasil, mas não impede que o cometa siga a sua trajetória. Como a estrela que apontou o caminho para os reis magos Gaspar, Balthazar e Melchior, 2022 vem aí!
Olga Curado, UOL, 28/12/2021, 12:30 hs
domingo, 26 de dezembro de 2021
sábado, 25 de dezembro de 2021
O CÂNTICO DO DESEJO
"Amo tudo quanto flui ", diz o grande Milton cego de nosso tempo. Pensava nele esta manhã quando acordei com um grande e furioso grito de alegria: pensava em seus rios e árvores e em todo aquele mundo da noite que ele está explorando. Sim, disse comigo mesmo, eu amo tudo quanto flui: rios, esgotos, lava, sêmen, sangue, bílis, palavras, sentenças. Amo o líquido amniótico quando escorre da bolsa. Amo o rim com seus cálculos dolorosos, suas pedras e não sei que mais; amo a urina que escorre escaldante e a gonorréia que corre sem parar; amo as palavras de histerismo e as sentenças que correm como disenteria e refletem todas as imagens doentes da alma; amo os grandes rios como o Amazonas e o Orenoco, onde homens malucos como Moravagine flutuam através do sonho e da lenda em um barco aberto e se afogam nas cegas embocaduras do rio. Amo tudo quanto flui, até mesmo o fluxo menstrual que leva embora a semente não fecundada. Amo tudo quanto flui, tudo quanto tem em si tempo e gênese, que nos leva de volta para o princípio onde nunca há fim: a violência dos profetas, a obscenidade que é êxtase, a sabedoria do fanático, o padre com sua elástica litania, os palavrões da puta, o cuspe que corre na sarjeta, o leite do seio e o mel amargo que escorre do útero, tudo quanto é fluido, derretido, dissolvido e dissolvente, todo o pus e sujeira que ao fluir se purifica, que perde seu senso de origem, que faz o grande circuito em direção à morte e à dissolução. O grande desejo incestuoso é continuar fluindo, unido com o tempo, fundir a grande imagem do além com o aqui e o agora. Um desejo insensato e suicida, que é constipado por palavras e paralisado pelo pensamento.
(...)
H. Miller in Trópico de Câncer
sexta-feira, 24 de dezembro de 2021
O MINISTRO INFANTICIDA (*)
É preciso dar o nome correto às coisas. Chama-se crime o esforço do governo Bolsonaro para retardar a aplicação da vacina pediátrica contra Covid. Se a ação criminosa não for interrompida, as maiores vítimas serão as crianças de famílias pobres e miseráveis.
Cumprindo ordens do presidente da República, o Ministério da Saúde condiciona a vacinação de crianças à prescrição médica. Os pais endinheirados obterão a receita com um telefonema. Alguns não precisarão nem comparecer ao consultório.
Os pobres terão de ralar por consultas pediátricas num sistema de saúde público sobrecarregado pelas sequelas da Covid, pelos tratamentos retardados de outras doenças e pelo assédio da ômicron e do H3N2.
Os miseráveis talvez prefiram deixar os filhos sem vacina para não perder o lugar na fila do osso. Pressentindo o desastre, os governos estaduais anunciam a intenção de ignorar o governo federal.
Em manifestação veiculada nas redes sociais, habitat natural do seu chefe, o ministro da Saúde disse que, sob Bolsonaro, impera a "responsabilidade." Repetiu que os pais e "seus médicos de confiança" são as pessoas mais adequadas para decidir sobre a vacinação das crianças. "Segurança e liberdade", anotou.
Na véspera, Queiroga naturalizara as mortes de 301 crianças por Covid no Brasil. Dissera que essa quantidade de cadáveres está "dentro de um patamar que não implica decisões emergenciais." Há duas semanas, ao ecoar Bolsonaro na condenação à exigência de comprovante de vacina de viajantes, o ministro dissera que "é melhor perder a vida do que perder a liberdade."
É esse personagem perverso que controla a pasta da Saúde. As vacinas pediátricas da Pfizer foram aprovadas pela Anvisa em 16 de dezembro. Queiroga deveria ter antecipado a encomenda do produto. Em vez disso, retardou para 5 de janeiro de 2022 os procedimentos burocráticos para a inclusão da vacina no plano nacional de imunização.
Utilizará os 20 dias de atraso para realizar uma inédita consulta pública com ares de plebiscito sobre a vacina infantil. As falanges bolsonaristas se mobilizam para produzir o resultado desejado pelo mito do negacionismo.
Queiroga está há nove meses na poltrona de ministro da Saúde. Como cardiologista, já deveria ter notado que é melhor perder o cargo servindo à sua consciência do que perder a cabeça servindo à irracionalidade que usa a liberdade como pretexto para aprisionar brasileiros no caixão.
Presidente licenciado da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Queiroga assassinou a sua reputação de médico. A morte costuma atenuar todos os julgamentos. Mas ainda que o doutor mate seu diploma de medicina um milhão de vezes para sobreviver no cargo não conseguirá mudar a opinião desabonadora que os brasileiros de bom senso formaram a respeito de um médico que se associa à morte.
Num país convencional, Queiroga receberia voz de prisão, não respostas para uma consulta pública criminosa. Mas Bolsonaro e seus cúmplices dispõem de um sistema de blindagem. Nem o infanticídio anima o procurador-geral da República Augusto Aras a procurar.
Josias de Souza, 24/12/2021,11:25 hs
(*) Título do blog
segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
O SISTEMA DO DELÍRIO
O delírio crônico é uma forma clínica em que a organização subjetiva se mantém sem déficit cognitivo. São os casos, antes discutidos pela psiquiatria francesa, chamados de “delírios passionais ou de reivindicação” e “delírios de interpretação”. Funcionam como um território existencial de sentido.Na CID-10 compõem o item “transtornos delirantes persistentes”, capítulo da esquizofrenia.A ideação delirante se desenvolve ao longo de meses ou anos, e até por uma vida inteira. A gravidade psicopatológica varia com as contextualização histórico-vital de cada caso.Por exemplo, há pacientes cuja integração social ainda é possível enquanto outros apresentam dificuldades. Isolam-se. De todo modo, a manutenção da capacidade cognitiva faz por colocar esses pacientes em situações peculiares, insólitas, constrangedoras no dia-a-dia, já que, conforme o senso comum, à primeira vista "parecem que não são loucos mas o são”. Não aceitam tratamento porque não se sentem doentes e/ou com necessidade de ajuda.Essa é uma marca semiológica distintiva em relação aos quadros esquizofrênicos, cujos pacientes acabam por não produzir socialmente, mesmo sem sentimento de doença.(...)
A.M. in Trair a psiquiatria
domingo, 19 de dezembro de 2021
sábado, 18 de dezembro de 2021
NOSSO ADMIRÁVEL MUNDO
No universo de Orwell, a população é controlada pela dor. No de Huxley, pelo prazer. “Orwell temia que nossa ruína seria causada pelo que odiamos. Huxley, pelo que amamos”, escreve Postman. Só precisa haver censura, diz ele, se os tiranos acreditam que o público sabe a diferença entre discurso sério e entretenimento. “Quão maravilhados ficariam todos os reis, czares, führers do passado (e comissários do presente) em saber que a censura não é uma necessidade quando todo o discurso político assume a forma de diversão.” O alvo de Postman, em seu tempo, era a televisão, que ele julgava ter imposto uma cultura fragmentada e superficial, incapaz de manter com a verdade a relação reflexiva e racional da palavra impressa. O computador só engatinhava, e Postman mal poderia prever como celulares, tablets e redes sociais se tornariam – bem mais que a TV – o soma (*) contemporâneo. Mas suas palavras foram prescientes: “O que afligia a população em Admirável Mundo Novo não é que estivessem rindo em vez de pensar, mas que não sabiam do que estavam rindo, nem que tinham parado de pensar”.
Helio Gurovitz, Época, 12/02/2017, 10:19 hs
(*) Psicotrópico do universo de Huxley (Nota do Blog)
sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
quinta-feira, 16 de dezembro de 2021
- Por que não teria direito de falar da medicina sem ser médico, já que falo dela como um cão? Por que não falar da droga sem ser drogado, se falo dela como um passarinho? E por que eu não inventaria um discurso sobre alguma coisa, ainda que esse discurso seja totalmente irreal e artificial, sem que me peçam os meus títulos para tal? A droga às vezes faz delirar, por que eu não haveria de delirar sobra a droga?
(...)
G. Deleuze in Conversações
quarta-feira, 15 de dezembro de 2021
segunda-feira, 13 de dezembro de 2021
OS FUNCIONÁRIOS DA VERDADE
Eles estão em toda a parte. Talvez sejam a maioria.
São funcionários porque funcionam, operam, agem. Sustentam o mundo estabelecido dos humanos.
Iremos citar alguns exemplos como tentativa de caracterização objetiva e subjetiva. São linhas existenciais que os constituem e se misturam. Por isso um lusco-fusco na expressão prática se impõe como camuflagem de crenças.
Os funcionários administram o acaso para que seja possível a manutenção da ordem. E apelam para a verdade como referência única.
Essa verdade pode ser várias, mil, cem mil. Permanece, contudo, sendo uma verdade.Os funcionários precisam de certezas, assim como os pulmões de ar.
Encontramos na grande política funcionários vitalícios. Tanto os que dominam quanto os que são dominados. Há quem chame estes últimos de massa.
Começamos pela política porque aí a história da humanidade é a de um pesadelo do qual não se acorda.Mas poderia ser outro começo.
Por exemplo, a religião: nela os funcionários (ou fiéis) costumam ser ungidos acima dos mortais, na medida em que cultuam a imortalidade.
Mas há muito mais, já que a verdade ajuda (e muito) a viver.
A universidade, e sua forma que vem da Idade Média, usa dos seus para promover a verdade do pensamento. A sociedade fica abaixo no quesito intelectual.
A verdade da academia exporta seus seguidores para a ciência. Ou o inverso, tanto faz.
Para complicar a questão da verdade, o capital e o seu método, o capitalismo, fabrica uma verdade única, a mercadoria. Esta se expande e se disfarça nos poros abertos do corpo social. Uma longa história atualiza a barbárie planetária do horror econômico. Ou seria político?
A pessoa humana (conceito cristão) naturaliza o funcionamento da verdade como crença no eu, na consciência e no céu como eterna promessa. O futuro não chega.
As massas consomem e gozam palavras-de-ordem veiculadas pela mídia.
Fake news são verdades, mesmo não sendo.
Em casos extremos, funcionários da verdade tornam-se fascistas. Querem tampar o buraco de sentido das sociedades de controle. Uma crispação paranóide se anuncia como crise política.
No amor, o romantismo traz o tom adocicado da verdade para os amantes da fantasia. Isso não funciona mais, exceto como arcaísmo.
A.M
domingo, 12 de dezembro de 2021
PARA UMA ANÁLISE DA MEDICINA
É possível uma análise da medicina seguindo duas linhas conceituais ( entre outras). A primeira é a linha institucional. Refere-se à inserção política da medicina na sociedade a que pertence. Como a sociedade, no caso brasileiro, é capitalista, a medicina funciona como forma social conectada ao processo de produção de mercadorias. Os atendimentos médicos, os serviços, as consultas, as técnicas, os exames, etc, tudo é mercadoria exposta na vitrine do Mercado. Isso obedece ao método do capitalismo, o capital. Uma das consequências práticas de tal linha de pesquisa é ir contra um certo humanismo natural da medicina, outrora cercado por doce aura de romantismo. Acreditava-se (acredita-se?) que a medicina queria sempre o bem do paciente e que ser médico era uma profissão "linda" (sem ironia).A segunda linha conceitual diz respeito à visão epistemológica. Ela prioriza as relações de causalidade linear, a observação e descrição de objetos sólidos, mensuráveis e visibilizáveis e a compreensão mecanicista de um organismo físico-químico. Os exames de imagem são exemplos atuais e perfeitos.Está aí a enorme produção de conhecimento como efeito e a escassa produção de conhecimento como origem (etiologia) Ora, essas duas linhas (ou eixos) servem tão só como baliza teórico-prática necessária a uma visão crítica. Ao mesmo tempo não descarta os importantes serviços prestados ao paciente, mormente quando lida com procedimentos diagnósticos precisos e preciosos. E mais ainda em ações velozes nas terapêuticas de emergência. Como diria um bioquímico, a Emergência "tira gente da cova". Em suma, esse breve artigo tenta sobretudo por a medicina como um empreendimento social, mesmo que se mostre obra de algum doutor (o médico) ou expresse o indivíduo como único beneficiário (o paciente). Para além de uma relação dual, a medicina é uma relação coletiva, entendendo o coletivo como a multiplicidade do ser humano. Trata-se de uma ética de vida, ética da potência que precede (ou deveria preceder) as duas linhas referidas.
A.M
LINHAS DE COMBATE
Há um combate silencioso no âmago da clínica da diferença. Ele segue por sendas obscuras que mapeiam singularidades não ditas, ou se ditas, apenas como semióticas (regimes de signos) secretas, talvez clandestinas. Não se trata de extrair ou identificar conteúdos latentes ao jeito da psicanálise, mas de criar condições práticas para que formas expressivas façam valer potências subjetivas sequer sonhadas. Deste modo, a profusão de signos enviados (de toda ordem) faz por "forçar" as singularidades a um rearranjo no universo subjetivo. A prudência, a delicadeza e a sabedoria ancoram-se na relação terapêutica como devir-outro, ou seja, como exposição ao contágio dos afetos enquanto forças movimentando a irreversibilidade do tempo que não se vê, mas que se sente. Enfim, trabalhar a diferença é de fato um combate porque implica no uso de mil linhas rizomáticas sob a égide da ética (que potências?) e da estética ( que criações?) se cruzando e se aliando no momento do uso da técnica. Que vem depois.
A.M.
sábado, 11 de dezembro de 2021
O que é delírio?
Delírio é um dos principais sintomas em psicopatologia clínica. Numa visão biomédica, deve ser eliminado, como, por exemplo, se faz com uma dor de cabeça.
Ou ainda, segundo essa visão, remete a uma causa, a qual sendo eliminada, cessa o efeito (sintoma). Relação linear causa-efeito. A face tosca da "inteligência psiquiátrica."
Tanto num caso como noutro, a compreensão "do que é delírio" está falseada. Não conduz ao essencial que é cuidar do paciente. Leva apenas ao controle e à violência maquiada.
Mas, afinal, o que é isso, o delírio?
Delírio é uma vivência em que o juízo da realidade (de si e do mundo) está alterado. Mais profundamente significa dizer que uma outra realidade foi inventada. Trata-se de uma crença.
O que está em jogo então é a verdade. Pergunta-se: isso é verdade?
A questão da verdade abrange todos nós.A verdade vem de fora. Desde muito cedo nossos pais enfiam verdades em nossas mentes. Acreditamos, claro, sem questionar. E mais: a crença (qualquer uma) vem sempre acompanhada de um afeto. A crença na família, na escola, na pátria, em Deus, etc...
Delirar talvez seja acreditar no que ninguém ou poucos acreditam. A arte, a filosofia e a ciência fazem isso.
E por que surge o caráter patológico, ou seja, aquilo que conduz à busca de uma ajuda clínica? Lembremos que nem sempre o delirante quer ajuda. Isso é fácil de verificar.
De todo modo, o delírio em saúde mental remete a várias causas e formas clínicas. Os quadros mais graves são os que o paciente nem mais delira já que é o próprio delírio. São as psicoses por vezes chamadas de esquizofrenias.
A rigor, qualquer patologia mental pode apresentar delírio. Ou mesmo qualquer vivência mental não patológica ( desilusão amorosa, a morte de alguém querido, um trauma existencial) pode gerar um delirio.
O capítulo sobre delírio em psicopatologia é muito extenso. Convém destacar aqui o aspecto vivencial que o aproxima do normal ou do patológico.
Neste sentido o delírio do paciente pode estar próximo ao "delirio" do técnico que o acompanha. Esse fato nem sempre ocorre, claro, mas serve como linha comum do Encontro com a loucura, conforme exposto em texto anterior.
Concluindo, o delírio está em toda a parte onde há alguma crença. E sempre há. Ele compõe a realidade do mundo (veja a política...) e nem por isso risperidona e haldol lhes são prescritos. Só para delirantes cadastrados.
A.M
domingo, 5 de dezembro de 2021
sábado, 4 de dezembro de 2021
O ser humano é cego para os próprios defeitos. Jamais um vilão do cinema mudo proclamou-se vilão. Nem o idiota se diz idiota. Os defeitos existem dentro de nós, ativos e militantes, mas inconfessos. Nunca vi um sujeito vir à boca de cena e anunciar, de testa erguida: - Senhoras e senhores, eu sou um canalha.
Nelson Rodrigues