terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O ESCÁRNIO 


Milhares de pessoas estão ao desabrigo, desalojadas e muitas mortas, dragadas pelas águas torrenciais das tempestades na Bahia. De todos os lados, cidades parecem desistir de se opor às chuvas e são encobertas pela lama, enterrando em poças descomunais os tesouros pobres, mas únicos dos mais pobres agora.

As chuvas no estado da Bahia nos fazem ficar diante do que a pandemia do Coronavírus mostrou: a nossa incapacidade de lidar com a revolta do meio ambiente diante da nossa própria arrogância e desrespeito à natureza.

A ausência absoluta de empatia do ex-capitão, que não entendeu, às vésperas de deixar o cargo, que precisa trabalhar, aprendeu a usar o cartão de crédito da Presidência da República e gasta em milhões de reais para uma vida de férias.

E até o suspiro derradeiro de 2021, dissemina omissão, discórdia, ódio, confusão. Às crianças, nega vacina. Ao país, oferece um espetáculo melancólico do exercício do cargo.

Os últimos dias do ano, que parece não ter fim, são propícios para a realização de previsões para o ano novo. Videntes e evidentes se esforçam para contar o que será, mas na maioria das vezes são surpreendidos pelos fatos, muito além da imaginação dos astros das cartas do tarô. Foi assim em2018, 2019, 2020, 2021. Pela consistência da regra, o ano de 2022 chega como uma oportunidade para confirmá-la, pela exceção.

O futuro, que não está nas bolas de cristal, é uma construção do presente. As estatísticas, além das cenas que vivemos em 2021, não serão esquecidas pelas tragédias que estamparam, tampouco ficarão de fora dos livros de história a excrescência de um governo federal estulto e negligente com o povo; algoz maior da sua gente.

Em 2022 teremos mais do mesmo. A idiotice cristalizada ainda produzirá efemérides e terá pontos de apoio na ignorância calculada dos soldados do caos. As instituições - em especial o STF (Supremo Tribunal Federal) - terão que engolir seco para não cuspir marimbondos diante das provocações que virão - e serão muitas, porque o cerco está se fechando nas investigações em andamento da família real.

Mais pobres ficarão miseráveis; a inflação vai corroer o dinheiro do salário-mínimo, mas fermentar a riqueza daquele 1% que vive às custas de juros, e irá enfraquecer quem produz bens e serviços.

A ciência vai resistir às tentativas de descrédito pela sobrevivência dos imunizados.

E tem as eleições.

Lula ganha no primeiro turno. Vai entregar anéis para ficar com os dedos. E o PT vai engolir.

Os sobrinhos do ex-capitão, a maior parte deles no Congresso e nos estados, regressarão ao ostracismo, de onde não poderiam ter saído, não fosse o delírio coletivo em 2018, que enxergou um poço no deserto onde havia apenas dunas.

A Amazônia vai seguir sendo desmatada, os rios abusados por garimpeiros, os bichos ameaçados e mortos em todos os biomas. O Pantanal ainda vai arder em chamas.

A polícia vai matar.

Os outros bandidos também vão matar. E serão mortos em cárceres, nas favelas e em todos os becos do país.

Haverá uma enxurrada de fake news - de mentiras. A imprensa vai trabalhar para desmentir. A imprensa também será vítima de mentiras; muito vai se tentar esclarecer, mas nem tudo será esclarecido. O raciocínio paranoico com as suas síndromes persecutórias será ativíssimo.

Aqueles e aquelas que estavam silenciosos, confiando que o bem vence, vão descobrir que é preciso lutar para que isso aconteça. Haverá o grito além da esperança, será o coro pela vida. E chegará 2023.

O ex-capitão, como os negacionistas do recém-lançado filme "Não olhe para cima", fecha os olhos para o Brasil, mas não impede que o cometa siga a sua trajetória. Como a estrela que apontou o caminho para os reis magos Gaspar, Balthazar e Melchior, 2022 vem aí!


Olga Curado, UOL, 28/12/2021, 12:30 hs

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