O MINISTRO INFANTICIDA (*)
É preciso dar o nome correto às coisas. Chama-se crime o esforço do governo Bolsonaro para retardar a aplicação da vacina pediátrica contra Covid. Se a ação criminosa não for interrompida, as maiores vítimas serão as crianças de famílias pobres e miseráveis.
Cumprindo ordens do presidente da República, o Ministério da Saúde condiciona a vacinação de crianças à prescrição médica. Os pais endinheirados obterão a receita com um telefonema. Alguns não precisarão nem comparecer ao consultório.
Os pobres terão de ralar por consultas pediátricas num sistema de saúde público sobrecarregado pelas sequelas da Covid, pelos tratamentos retardados de outras doenças e pelo assédio da ômicron e do H3N2.
Os miseráveis talvez prefiram deixar os filhos sem vacina para não perder o lugar na fila do osso. Pressentindo o desastre, os governos estaduais anunciam a intenção de ignorar o governo federal.
Em manifestação veiculada nas redes sociais, habitat natural do seu chefe, o ministro da Saúde disse que, sob Bolsonaro, impera a "responsabilidade." Repetiu que os pais e "seus médicos de confiança" são as pessoas mais adequadas para decidir sobre a vacinação das crianças. "Segurança e liberdade", anotou.
Na véspera, Queiroga naturalizara as mortes de 301 crianças por Covid no Brasil. Dissera que essa quantidade de cadáveres está "dentro de um patamar que não implica decisões emergenciais." Há duas semanas, ao ecoar Bolsonaro na condenação à exigência de comprovante de vacina de viajantes, o ministro dissera que "é melhor perder a vida do que perder a liberdade."
É esse personagem perverso que controla a pasta da Saúde. As vacinas pediátricas da Pfizer foram aprovadas pela Anvisa em 16 de dezembro. Queiroga deveria ter antecipado a encomenda do produto. Em vez disso, retardou para 5 de janeiro de 2022 os procedimentos burocráticos para a inclusão da vacina no plano nacional de imunização.
Utilizará os 20 dias de atraso para realizar uma inédita consulta pública com ares de plebiscito sobre a vacina infantil. As falanges bolsonaristas se mobilizam para produzir o resultado desejado pelo mito do negacionismo.
Queiroga está há nove meses na poltrona de ministro da Saúde. Como cardiologista, já deveria ter notado que é melhor perder o cargo servindo à sua consciência do que perder a cabeça servindo à irracionalidade que usa a liberdade como pretexto para aprisionar brasileiros no caixão.
Presidente licenciado da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Queiroga assassinou a sua reputação de médico. A morte costuma atenuar todos os julgamentos. Mas ainda que o doutor mate seu diploma de medicina um milhão de vezes para sobreviver no cargo não conseguirá mudar a opinião desabonadora que os brasileiros de bom senso formaram a respeito de um médico que se associa à morte.
Num país convencional, Queiroga receberia voz de prisão, não respostas para uma consulta pública criminosa. Mas Bolsonaro e seus cúmplices dispõem de um sistema de blindagem. Nem o infanticídio anima o procurador-geral da República Augusto Aras a procurar.
Josias de Souza, 24/12/2021,11:25 hs
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