domingo, 25 de setembro de 2022

POEMA EM LINHA RETA - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

UM ENCONTRO DIFÍCIL

O organismo físico-químico, visível, palpável e mensurável, é o objeto da medicina, onde ela de fato intervêm, e, caso obtenha êxito terapêutico (principalmente por isso), retira mais-valia de poder. No entanto, junto a esse organismo e fora da relação linear causa-efeito, funciona o corpo das intensidades livres. Não é visível, não é palpável, não é mensurável, nem segue os mapas fisiopatológicos vistos em exames por imagem. Distinto da consciência que sempre obedece ordens, ele não obedece, é rebelde e alterna com o organismo fluxos atuais e/ou antigos de afetos nômades. São estes que impulsionam a vida, que são a vida : potência sem forma. Em face desse real estado de coisas, tal corpo traz grandes dificuldades à pesquisa. Como acessar algo que não se vê não se toca nem se mede? Na clinica psicopatológica há um "corpo que não aguenta mais" e que se expressa em sintomas álgicos (por exemplo, cefaléias crônicas - simbolismo do órgão?), mas também como multiplicidade de sintomas que resumimos sob o nome de angústia. Aqui não se trata de usar a psicanálise como doutrina ou método de trabalho, mas de roubar deste saber a hipótese de um inconsciente para além da representação de papai-mamãe. Um inconsciente "órfão, ateu e anarquista", inconsciente-corpo. Não é fácil encontrá-lo.


A.M

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

DEZ  LINHAS  PARA  RECONHECER  UM  FASCISTA

1-O fascista sabe apenas usar um método que é o do fascismo. Este método tem como principal característica um grito: " Viva a morte".

2-Para bem funcionar na prática, o fascismo necessita estar "dentro" das pessoas, dentro de nós. Daí,todo fascismo é um microfascismo. 

3-Apesar da origem histórica situá-lo na direita, hoje, enquanto "afeto fascista", não existe mais fascista de direita ou de esquerda. Existe apenas o fascista e seus cânticos de destruição.

4-O fascista se aproxima do paranóico. No entanto, enquanto o paranóico acaba no manicômio, o fascista vive solto. Às vezes é até um cidadão de bem. Opera ao ar livre, destila um ódio brutal.  Seu delírio é expresso como saudável,  até mesmo salvador do país e quiçá do mundo.

5-O fascista anseia por uma verdade pronta, reta, pura e simplista. Vive de certezas absolutas. Isso o alimenta sem cessar. Sua alma gorda torna-se monstruosa. Sofre de uma espécie de bulimia ideológica.

6-Gosta de raciocinar por dualismos; bem/mal, esquerda/direita, homem/mulher, rico/pobre, louco/normal, negro/branco, bonito/feio. Seu cérebro mente. 

7-As regras do jogo democrático lhe são quase insuportáveis. No caso brasileiro, o fascista costuma pregar o golpe e a intervenção militar.

8- O diálogo com o fascista é muito difícil. Ele se expressa como pensamento único. Adora um monólogo. O bom senso é um fóssil que cheira mal.  Nazifascistas e estalinistas, velhos amigos, trocam ideias e figurinhas.

9-Os sentimentos fascistas podem conviver sob harmonias bizarras. Hitler amava a sua cadela Blondie.

10-Por fim, mas não menos importante, o fascista costuma atirar para matar em tudo que se move: a vida.


A.M.

Miles Davis Quintet, Concert in Karlsruhe, November 7th, 1967 (in color)

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

FISSURA DO EU

As tecnologias da imagem, veiculadas pelos equipamentos de informação e comunicação (internet, celulares, tablets, TVs, etc) produzem formas de sentir, perceber, pensar e agir que chamamos subjetividade contemporânea. Este fato social atualíssimo alterou profundamente a consciência, o eu, a razão, os afetos, enfim, elementos psíquicos que respondiam outrora pelo que se chamava "pessoa", "indivíduo". O chamado "mundo interno", então constituído como território existencial de si mesmo, espécie de autonomia individual do ser-no-mundo, se desfez, se desfaz e desmorona a olhos vistos. Considere o aumento explícito da morbidade dos transtornos mentais. A fenomenologia e todas as doutrinas do pensamento calcadas no poder da consciência (inclusive o materialismo histórico) ruiram sob o efeitos da era da Tecnologia, ao que parece irreversível. Veio para ficar. Nós não somos mais nós mesmos. De toda a parte, fluxos de notícias, comunicados, informações, imagens, chegam sem cessar, funcionando como recheio subjetivo para acontecimentos que não nos dizem respeito e ao mesmo tempo nos dizem respeito. O tempo não é mais a temporalidade de uma vivência e sim, ao contrário, a vivência,  submetida ao Tempo Mundial (que importam os fusos horários?)se transfigura em éter o que era tão certo como este corpo-aqui-visível-de-carne. Há uma rachadura nas certezas do eu, uma erosão do sentido. As crenças vacilam. Não mais existe "o tempo vivido", mas o tempo mundial descarnado, evaporado, codificado, por exemplo,em mensagens do zap, a confluir naquilo que Paul Virilio chama de cataclísma. Trata-se de uma mudança "espiritual" muito mais profunda do que se imagina, já que as comodidades objetivas (o mundo-em-mim-sem-sair-de-casa) escondem e legitimam a vertigem da loucura do cotidiano normal. Não mais é possível resgatar a nostalgia dos tempos idos (bons tempos, hein!) sob pena de afundarmos numa depressão coletiva. Sabe-se que depressão é luto. O que fazer? Além de consumir vorazmente, consumir (até mesmo consumir esse texto ora escrito), não se tem a mínima ideia....! O estilhaçamento da subjetividade abre um vazio insondável. Em suma, as tecnologias da imagem nos fabricam à sua imagem e semelhança qual um deus profano que se expressa e se impõe pela ubiquidade, simultaneidade e pelo desaparecimento do passado e do futuro, portanto, da História. Se há um devir-revolucionário (sempre há!) ele é tragado pelas ondas gigantescas das imagens planetárias.Um novo conservadorismo sóciopolítico emerge. A esquerda se desorienta! A direita, munida do argumento do caos, da decadência dos valores, da dissolução dos códigos sociais e do assassinato público da ética, se reveste, no caso brasileiro, do apelo comovido à volta dos militares ao poder. No fundo, o axioma do progresso técnico e da pureza moral se afirma como religião do deus-capital disfarçada por uma aura de salvacionismo militante. Todos rezam, mesmo os ateus.


A.M., 01 de outubro de 2017

O ENIGMA

Afirmamos que o campo social é imediatamente percorrido pelo desejo, que é o seu produto historicamente determinado e que a libido não precisa de nenhuma mediação ou sublimação, de nenhuma operação psíquica, de nenhuma transformação, para investir as forças produtivas e as relações de produção. Existe apenas o desejo e o social, e nada mais. Mesmo as forças mais repressivas e mortíferas da reprodução social são produzidas pelo desejo, na organização que dele deriva em determinadas condições que havemos de analisar. É por isso que o problema fundamental da filosofia política é ainda aquele que Spinoza soube formular (e que Reich redescobriu): «Porque é que os homens combatem pela sua servidão como se se tratasse da sua salvação?» Como é possível que se chegue a gritar: mais impostos! menos pão! Como diz Reich, o que surpreende não é que uns roubem e outros façam greve, mas que os explorados e os esfomeados não estejam permanentemente em greve; porque é que há homens que suportam há tanto tempo a exploração, a humilhação, a escravidão, e que chegam ao ponto de as querer não só para os outros, mas também para si próprios? 

(...)

G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo

domingo, 18 de setembro de 2022

confissão


eu teria sido puta

na maior boa vontade

faltaram-me os atributos

e também alguma audácia


(sempre achei as putas lindas

mas só faço amor de graça)



Líria Porto

Como identificar o fascismo? parte 3

Na experiência fascista está embutida a questão da verdade. Sob condições sócio-históricas e politicas muito amplas isso conduz o destino de milhões: o Estado, a Nação, o Povo, o Poder, várias transcendências... A clínica psicopatológica (oficial) diz: o fascismo não parece um delírio. Não parece, mas é um delírio que organiza o próprio juízo (não perdê-lo jamais) e ajuda o seu portador a produzir sentidos para a realidade atual do mundo. O fascista,  servo e devoto de formações sociais cristalizadas, é vizinho do paranóico, habitando o universo clínico da psiquiatria, mas sem ser notado. Funções cognitivas estão intactas. Ao exame de sanidade mental, doença zero. Então, identificá-lo passa por categorias psiquiátricas, mas necessita ir além, até onde as linhas desejantes confluam numa Verdade  absoluta. Rompe-se a fronteira com a forma-Religião, e os afetos fixam uma vibração egóica. Esta se reconhece como identidade poderosa e qualifica o fascista como portador de salvação política. Nas dobras da alma e na superfície da prática social, a tal identidade torna-se a verdade de cada um, ou seja, do indivíduo, ainda que o mais frágil. Pseudo-poder, universo privado, mundinho do eu. Assim se fecha o circuito da verdade, de uma verdade fabricada como território de sentido: isso é a vida, dir-se-ia... Caso ela desmorone, vem à tona a face suicidária do sentimento fascista, como Hitler o mostrou.


 A.M.

Humanidade


Humanidade posta perante gargantas de fogo,

Rufar de tambores, semblantes escuros dos guerreiros,

Passos através de um nevoeiro de sangue. Ressoa o ferro negro.

Desespero. Noite em cérebros tristes:

Aqui as sombras de Eva, a caça e o dinheiro encarnado.

Nuvens que a luz trespassa, a ceia.

Um silêncio suave habita o pão e o vinho

E aqueles ali reuniram-se. Doze em número.

À noite, gritam a dormir debaixo dos ramos da oliveira.

São Tomé mergulha a mão nas feridas.


 Georg Trakl



Menschheit


Menschheit vor Feuerschlünden aufgestellt,

Ein Trommelwirbel, dunkler Krieger Stirnen,

Schritte durch Blutnebel; schwarzes Eisen schellt,

Verzweiflung, Nacht in traurigen Gehirnen:

Hier Evas Schatten, Jagd und rotes Geld.

Gewölk, das Licht durchbricht, das Abendmahl.

Es wohnt in Brot und Wein ein sanftes Schweigen

Und jene sind versammelt zwölf an Zahl.

Nachts schreien im Schlaf sie unter Ölbaumzweigen;

Sankt Thomas taucht die Hand ins Wundenmal.


Georg Trakl

sábado, 17 de setembro de 2022

"Hino" ao Inominável

CLÍNICA E TECNOLOGIA DA IMAGEM - II

Ao longo da discussão sobre a "tecnologia da imagem" e seus atravessamentos corporais, chegamos à análise da demanda em saúde mental. O corpo (não o corpo-organismo, mas o corpo-desejo) é atingido em cheio por imagens-de-imagens, imagens-clichês, fazendo da experiência de si uma experiência plugada aos fluxos semióticos vindos "de fora"mas que parecem vir de dentro". É que a forma das instituições sociais (cf Guattari e outros demonstraram) está interiorizada, subjetivizada num inconsciente que não mais passa por categorias edipianas. Importante registrar que tal tecnologia da imagem não é um mal em si, mas o território de sentido de uma verdade subjetiva. Esta se compõe de mensagens veiculada por equipamentos de poder. O homem moderno encarna, assim, um tipo de sonambulismo coletivo que a todos arrasta. A incrível aceleração da velocidade do tempo aniquila o Sentido. Efeitos práticos: na clínica, a psicose. Na política, o fascismo.

 

A.M. 

Amor Voraz, Walter Hugo Khouri - 1984

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Eu soube, enfim, que o amor está ligado a mim;

E eu agarro esta cabeleira de mil tranças.

Embora ontem à noite eu estivesse bêbado da taça,

Hoje, eu sou tal, que a taça se embebeda de mim.


Rumi

 FALTAM 16 DIAS

FASCISMO À BRASILEIRA  

Sob uma ótica conservacionista ( e liberal) são demasiado simplórias as análises sobre o fascismo. Elas se sustentam na moral, em grande parte na moral cristã. Diz-se: coisa horrenda o grito de “viva a morte!”,  expelido da boca de cidadãos de bem, homens íntegros, pessoas humanas. Pensar assim é não pensar, é tão só “por a mão na consciência”, velho conceito teórico com usos  epistemológicos, filosóficos, psicológicos, psiquiátricos, políticos, entre outros, para interpretar a realidade. 

Ao se evadir de tal  grade moralista, é possível usar o desejo como conceito operacional. Ele está fora da órbita do eu.  O fascismo, então, será visto como construção desejante que nutre formas sociais  numa empreitada destrutiva. Isso move as superfícies de um mundo deísta.  Uma  máquina afetiva (a história o mostra) se interiorizou subjetivamente nos indivíduos (aos milhões) produzindo  sentidos para a vida. “Morrer pela pátria e viver sem razão”. Ora, não há o desejo puro  e sim um  composto de linhas subjetivas (forças) em prol da hegemonia institucional da servidão moderna.  O discurso final seria: “eu sinto, eu ajo, ...e aniquilo o que se move porque é sujo.” Ódio ao devir. 

Neste nó de desejos múltiplos, não há lugar para uma política dos corpos. O fascismo faz estancar o tempo. Rechaça as minorias porque o Novo assombra. Fiel à tradição da consciência ( a alma ), o corpo é considerado o  organismo que deseja a si mesmo como modo de existir único e total. Assim, a fratura exposta do nazifascismo (como no Brasil de hoje) é denegada em favor do si mesmo, do eu-e-eu, apêndice existencial familiar e utilitário. O rosto mortuário das classes médias se anuncia e se revela a nu. Que o mundo vá mal desde desde que eu me salve.  O sentimento fascista opera uma revolução às avessas. Um ar rarefeito de oxigênio racional infecciona os tempos midiáticos. Este é o limite político a ser ultrapassado nos ares do outubro vindouro.


A.M.  


sábado, 10 de setembro de 2022

PRAIA DA COSTA


 

COMO SER DE ESQUERDA (NO BRASIL) 

Não considerar a esquerda uma entidade, uma empresa, uma organização, um partido.

Nem mesmo um governo.

Percorrer a história do Brasil para destruir a "elite do atraso". Vomitar o tempo.

Descer aos porões do pariarcalismo: cultivar um estado permanente de horror e revolta.

Verificar os índices atuais de pobreza, miséria e fome. Sair das estatísticas do banco central. Entrar no inferno.

Amar as mulheres, não pelo que são, mas pelo que querem. 

Sentir as minorias (negros, indígenas, operários, crianças, gays, e tanto mais) como potências silenciadas.

Diferenciar justiça e ética. A escravatura foi legal. Espíritos sensíveis não escapam da vergonha...

Relativizar a ciência. Afinal, sem ela, não haveria Hiroshima ou os cálculos da Economia.

Como se cuidasse de si, trabalhar com  loucos,  autistas, artistas, deprimidos e suicidas.

Cultivar o Encontro, a espontaneidade e o ato criador. 

Esquecer Marx. Lembrar e usar seu texto de alma revolucionária. Cultivar a alegria simples e ingênua.

Ser psicodramático em pleno fascismo.


A.M.

Não me Venham com Metafísicas


o corpo e a matéria em prosa

aqui e agora

nada de primeiros motores

nada de supremos valores

isso fica para os filhos da pátria

nem francisco de assis nem santa teresinha

amai-vos uns sobre os outros

nada de temores e tremores

nem de noite escura da alma

a prosa é preferível

"sei de um estilo penetrante

como a ponta de um estilete". flaubert

é só isso


Sebastião Uchoa

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

 

LINHAS DO  INFINITO

Há um limite a partir do qual a diferença não se reconhece e não mais reconhece o mundo. Um horror tão extremo e definitivo se instala: ela, a diferença, torna-se pequena e frágil. Tudo o indica. Fala-se da história da humanidade: uma brochada cósmica. A diferença não mais reconhece aí a palavra "vida" por entre escombros da própria vida. Resta o império do medo reinando entre pessoas do mal que se acham do bem. Um dualismo pérfido. Portador de uma verdade, o monstro (sem forma) do Ressentimento assombra e contamina  o dia que nasce. Aborta as micro-revoluções internas dos sonhos azuis de uma criança. Nivela os afetos. Aniquila a política, escorraça a ética e enfeia a estética. Resta a melancolia ( como um drone) sobrevoar a paisagem de pessoas monstruosas ou de monstros pessoais. E os adornar. E os adorar. Idiotizados, o Império fascista os nutre com a carne fria da morte em vida. Mercadoria da alma. Tudo é disfarce. Anunciaram em rede nacional o apocalipse moderno. Mas algo resiste como a diferença...Algo resiste.


A.M.


 

DEUS E O ESTADO

Três elementos ou três princípios fundamentais constituem, na

história, as condições essenciais de todo desenvolvimento humano,

coletivo ou individual: 1º) a animalidade humana; 2º) o pensamento;

3º) a revolta. À primeira corresponde propriamente a economia

social e privada; à segunda, a ciência; à terceira, a liberdade.

Os idealistas de todas as escolas, aristocratas e burgueses,

teólogos e metafísicos, políticos e moralistas, religiosos, filósofos

ou poetas, sem esquecer os economistas liberais, adoradores

desmedidos do ideal, como se sabe, ofendem-se muito quando se

lhes diz que o homem, com sua inteligência magnífica, suas idéias

sublimes e suas aspirações infinitas, nada mais é, como tudo o que

existe neste inundo, que um produto da vil matéria.

Poderíamos responder-lhes que a matéria da qual falam os

materialistas, matéria espontaneamente, eternamente móvel, ativa,

produtiva, a matéria química ou organicamente determinada e

manifesta pelas propriedades ou pelas forças mecânicas, físicas,

animais e inteligentes, que lhe são forçosamente inerentes, esta

matéria nada tem de comum com a vil matéria dos idealistas. Esta

última, produto de falsa abstração, é efetivamente uma coisa

estúpida, inanimada, imóvel, incapaz de dar vida ao mínimo produto,

um caput mortuum, uma infame imaginação oposta a esta bela

imaginação que eles chamam Deus; em relação ao Ser supremo, a

matéria, a matéria deles, despojada por eles mesmos de tudo o que

constitui sua natureza real, representa necessariamente o supremo

nada. Eles retiraram da matéria a inteligência, a vida, todas as

qualidades determinantes, as relações ativas ou as forças, o próprio

movimento, sem o qual a matéria sequer teria peso, nada lhe

deixando da impenetrabilidade e da imobilidade absoluta no espaço;

eles atribuíram todas estas forças, propriedades ou manifestações

naturais ao ser imaginário criado por sua fantasia abstrativa; em

seguida, invertendo os papéis, denominaram este produto de sua

imaginação, este fantasma, este Deus que é o nada, "Ser supremo";

e, por conseqüência necessária, declararam que o Ser real, a

matéria, o mundo, era o nada. Depois disso eles vêm nos dizer

gravemente que esta matéria é incapaz de produzir qualquer coisa

que seja, até mesmo colocar-se em movimento por si mesma, e que

por conseqüência deve ter sido criada por seu Deus. 

(...)

M.Bakunin, 1882

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

COMO SER DE ESQUERDA (NO BRASIL) - parte 1

Não considerar a esquerda uma entidade, uma empresa, uma organização, um partido.

Nem mesmo um governo.

Percorrer a história do Brasil  na ponga de uma "elite do atraso". Vomitar o tempo.

Descer aos porões do pariarcalismo: cultivar um estado permanente de horror e revolta.

Verificar os índices atuais de pobreza, miséria e fome. Sair das estatísticas do banco central. Entrar no inferno.

Amar as mulheres, não pelo que são, mas pelo que querem

Sentir as minorias (negros, indígenas, operários, crianças, gays, e tanto mais) como potências silenciadas.

Diferenciar justiça e ética. A escravatura foi legal. Espíritos sensíveis não escapam da vergonha...

Relativizar a ciência. Afinal, sem ela, não haveria Hiroshima ou os cálculos da Economia.

Como se cuidasse de si, trabalhar com  loucos,  autistas, artistas, deprimidos e suicidas. 

Esquecer Marx. Lembrar e usar seu texto de alma revolucionária. Cultivar a alegria simples e ingênua.


A.M.




 

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 FALTAM  30  DIAS

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Chet Baker - I am a fool to want you (live)

SER DE ESQUERDA

Ser de esquerda é isso. Eu acho que é criar o direito. Criar o direito. Acho que não existe governo de esquerda. Não se espantem com isso. O governo francês, que deveria ser de esquerda, não é um governo de esquerda. Não é que não existam diferenças nos governos. O que pode existir é um governo favorável a algumas exigências da esquerda. Mas não existe governo de esquerda, pois a esquerda não tem nada a ver com governo. Se me pedissem para definir o que é ser de esquerda ou definir a esquerda, eu o faria de duas formas. Primeiro, é uma questão de percepção. A questão de percepção é a seguinte: o que é não ser de esquerda? Não ser de esquerda é como um endereço postal. Parte-se primeiro de si próprio, depois vem a rua em que se está, depois a cidade, o país, os outros países e, assim, cada vez mais longe. Começa-se por si mesmo e, na medida em que se é privilegiado, em que se vive em um país rico, costuma-se pensar em como fazer para que esta situação perdure. Sabe-se que há perigos, que isso não vai durar e que é muita loucura. E ser de esquerda é o contrário. É perceber… É um fenômeno de percepção. Primeiro, percebe-se o horizonte. Estão à esquerda em seu endereço postal. Estão à esquerda. Primeiro, vê-se o horizonte e sabe-se que não pode durar, não é possível que milhares de pessoas morram de fome. Isso não pode mais durar. Não é possível esta injustiça absoluta. Não em nome da moral, mas em nome da própria percepção. Ser de esquerda é começar pela ponta. Começar pela ponta e considerar que estes problemas devem ser resolvidos.. A esquerda é o conjunto dos processos de devir minoritário. Eu afirmo: a maioria é ninguém e a minoria é todo mundo. Ser de esquerda é isso: saber que a minoria é todo mundo e que é aí que acontece o fenômeno do devir. É por isso que todos os pensadores tiveram dúvidas em relação à democracia, dúvidas sobre o que chamamos de eleições. Mas são coisas bem conhecidas...


G.Deleuze