sábado, 31 de dezembro de 2022

O VALOR DO TEXTO DE MARX

Há um Marx que é considerado o maior pensador da economia do século XIX. Um Marx que pensa os da gerência do trabalho pelo capital. (...) (...) Mas o comunismo, enquanto tal, nunca morreu porque nunca existiu. Ele não estava em questão no processo de construção do socialismo real (..) (...) Porque há um outro Marx, dos Grundisse, que pensa o trabalho e sua importância na produção do valor. um Marx que pensa o desenvolvimento das forças produtivas como estando essencialmente ligado à dimensão do trabalho. O trabalho como dimensão essencial da potência humana, que produz relações, que desenvolve os processos sociais, produzindo subjetividades coletivas, o que é comumente chamado produção de cultura (...)


Toni Negri - entrevista em 14/04/1992

 

                                                                            1982

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

COMO  RECONHECER  O  NEOFASCISMO?

Há 100 anos (Itália, 1922)  nascia o fascismo de Mussolini.Ao seguir na história, esse movimento político inspirou outros regimes (Alemanha, Portugal, Espanha, etc) tornando-se referência até para a dita esquerda. No entanto, à medida em que a sociedade industrial avança, e com ela a tecnologia da imagem, o fascismo se fez diferenciar do totalitarismo. Para obter a dominação e o controle de milhões, formas sociais (instituições) passaram a utilizar métodos com micro-efeitos nas populações, no que Félix Guattari chama de microfascismo. Sem esse dispositivo de “persuasão mental” o controle dos corpos e mentes se revelaria ineficaz. O fascismo tornou-se microfascismo. Dominar de modo explícito cedeu lugar ao controle sobre sujeitos sem que estes saibam que estão sendo controlados e mais, gostem de ser controlados. Óbvio que dominar “por dentro” sempre existiu, ainda que pelo terror induzido na mente dos supliciados. Mas falamos de outra coisa. 100 anos de fascismo foram suficientes para a produção em série (escala planetária) de pessoas humanas que adotam e adoram o capital com ponto hegemônico de subjetivação e desejam isso não só para si, mas para todos, ou seja, para o restante da população mundial. Um processo “natural” é induzido por agências de controle, mormente os Estados nacionais e o grande sistema financeiro e internético com suas mídias afiadas como serviços num plantão ad aeternum. É difícil identificá-lo no coração das pessoas de bem. Se este sentimento de “viva a morte” se instaura e age à revelia do seu portador, a impossibilidade de auto-crítica surge como pressuposto subjetivo. “Que eu morra, mas que permaneçam os valores em que acredito”. Tal é o refrão macabro (inconsciente) do cidadão comum para, por exemplo, apoiar o atual governo federal brasileiro.O mito é um desejo funéreo.Uma linha suicidária passa a ser o dado natural da vida. Morrer pela pátria equivale a morrer pela família, pela escola, pela religião, por Deus, por todas as formas sociais, enfim, de transcendências ( o além da vida).  Isso credita e legitima a existência da sociedade regida pelo capital,  não só como categoria de lucro econômico, mas como  fábrica de imagens para um gozo paranóico. O fascista é um paranóico. Tal sentimento se interiorizou a um ponto tal que até parece ter deixado de existir, mas existindo mais do que nunca: teorias da conspiração tamponam o buraco do sentido. Estaremos num universo linguístico de redundâncias e paradoxos? Na linha de montagem da subjetividade capitalística, surge, então, irreal e fantasioso o parto de um outro mundo no interior deste. Pensar se tornou obsceno.


A.M.

domingo, 25 de dezembro de 2022

Quem me garante que Jesus Cristo não estaria hoje na estatística da mortalidade infantil?

Escrevemos, escrevemos, escrevemos. Clamamos no deserto. O clube do poder tem as portas lacradas e calafetadas.


Otto Lara Resende

Homem que plantou bomba no DF gastou R$ 170 mil com armas para atentado

sábado, 24 de dezembro de 2022

TEMAS EM PSICOPATOLOGIA CLÍNICA - 3

Os delírios em psicopatologia costumam ser percebidos conforme o ideário positivista da ciência (psiquiatria biológica) ou do humanismo crônico das ciências humanas (psicologia e afins). Deste mdo, a medicina psiquiátrica quer deletar o sintoma e a psicologia clínica quer compreendê-lo. Nem uma coisa nem outra são possíveis. Trata-se de uma falácia epistemológica disfarçada de boas intenções. Os delírios assombram as consciências vigis e vigilantes. É que eles se referem a modos de subjetivação secretados pelo mundo e ultrapassam a divisão bem/mal em prol da construção de territórios de verdade. "Um pouco de verdade senão eu sufoco!" Assim, é possível "sentir-se vivo" mesmo que tudo em volta esteja em decomposição. Os delírios são, portanto, "verdades verdadeiras" mesmo que não sejam. Não importa, pelo menos a nível da escuta do paciente. A sua função social está inscrita nas entranhas de um "inconsciente órfão, ateu, anarquista" (Deleuze-Guattari, 1972) à flor da pele, à flor do tempo, à flor do desejo, à flor do socius e coextensivo a todas as expressões humanas. Então o eu se volatiza e o delírio o substitui. Se todos deliram (e deliram!) não significa que todos estejam loucos, mas que correm e se debatem numa megaloucura insubornável, assim como contra a morte. Os tempos atuais revelam, mormente em comunicações/informações midiáticas, uma verdade explícita: o mundo torna-se, em velocidades aceleradas, um manicômio planetário ao ar livre.


A.M.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

A língua delira


 A língua está em toda parte, mas não possui nenhum domínio que lhe seja próprio. Não existe

língua em si. O que especifica a linguagem humana é precisamente que não remete jamais a si

mesma, que permanece sempre aberta a todos os ouros modos de semiotização. Quando se

fecha numa língua nacional, um dialeto, uma gíria, uma língua especial, um delírio, isto diz

respeito sempre a um certo tipo de operação política ou micropolítica (...) Não há nada menos

lógico, menos matemático, que uma língua. Sua estrutura resulta da petrificação de uma espécie

de forro cujos elementos provêm de empréstimos, amálgamas, aglutinações, mal-entendidos

(...) A unidade de uma língua é sempre inseparável da construção de uma formação de poder.

Não se encontram nunca fronteiras nítidas nas cartas dialetais, mas somente zonas limítrofes ou

de transição. Não existe língua-mãe, mas fenômenos de retomada de poder semiótico por um

grupo, uma etnia, ou uma nação. A língua se estabiliza em torno de uma paróquia, fixa-se em

torno de um bispado, instala-se em torno de uma capital política. Evolui por fluxo ao longo dos

vales fluviais, ao longo das linhas de estradas de ferro, desloca-se em montes de carvão


F. Guattari, 1979/1988

12 de dezembro de 2022 - O TERROR EM BRASILIA

O CÉREBRO MENTE

A psiquiatria é uma especialidade médica híbrida. Funciona na zona de fronteira entre as ciências humanas e as biológicas. Contudo, mais importante para a prática clínica (ou seja, aos efeitos sobre o paciente) é  o fato de ser ela uma forma social que se nutre dos códigos sociais estabelecidos. Exemplo simples é o da moral. A psiquiatria guia-se pela moral como pressuposto implícito dos seus enunciados diagnósticos, os quais inscrevem-se no fenômeno mais amplo de medicalização da sociedade. Para que tal empreendimento "dê certo",  conta com a reverência das pessoas em geral a uma neurocientificidade reducionista e à figura do psiquiatra como ponto de subjetivação mantenedor da ordem. São linhas semióticas (produzem significados) que circulam entre os técnicos de saúde mental num circuito de naturalização a-histórica da medicina, e por extensão da própria psiquiatria. Daí, a assepsia tecnocientífica da psiquiatria biológica esconder a função da clínica-do-remédio-químico como produtora social de fármaco-subjetividades. Para o paciente e familiares, vulneráveis aos fluxos da loucura, a saída terapêutica passa a ser o psiquiatra que apenas medica, ainda que isso mortifique o desejo. Ou justo por isso. O chamado paciente crônico é produzido, estigmatizado como crônico pelas vias do diagnóstico "cidológico" e pela farmacoterapia contensora dos processos subjetivos singulares.


A.M.

Dinner for few | Animated short film by Nassos Vakalis

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

A EXPERIÊNCIA POÉTICA


Quem sonda o verso escapa ao ser como certeza, reencontra os deuses ausentes, vive na intimidade dessa ausência, torna-se responsável por  ela, assume-lhe o risco e sustenta-lhe o favor. Quem sonda o verso deve renunciar a todo e qualquer ídolo, tem que romper com tudo, não ter a verdade por horizonte nem o futuro por morada, porquanto não tem direito algum `a esperança, deve, pelo contrário, desesperar. Quem sonda o verso morre, reencontra a sua morte como abismo.

(...)

Maurice Blanchot 

ODILON REDON

 


segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

FASCISMO À BRASILEIRA  


Sob uma ótica conservacionista ( e liberal) são demasiado simplórias as análises sobre o fascismo. Elas se sustentam na moral, em grande parte na moral cristã. Diz-se: coisa horrenda o grito de “viva a morte!”, quando é expelido da boca de cidadãos de bem, homens íntegros, pessoas humanas. Pensar desse modo é não pensar, é tão só “por a mão na consciência”, velho conceito teórico com usos epistemológicos, filosóficos, psicológicos, psiquiátricos, políticos, entre outros, para interpretar a realidade como representação do Mesmo. Nada muda. 

Ao se evadir de tal  grade moralista, é possível usar o desejo como conceito operacional. Ele está fora da órbita do eu.  O fascismo, então, será visto como construção desejante que nutre formas sociais numa empreitada destrutiva. Isso move as superfícies de um mundo patriarcal e deísta. Uma  máquina afetiva (a história o mostra) se interiorizou subjetivamente nos indivíduos (aos milhões) produzindo  sentidos para a vida. “Morrer pela pátria e viver sem razão”. Ora, não há o desejo puro  e sim um  composto de linhas subjetivas (forças) em prol da hegemonia institucional da servidão moderna.  O discurso final seria: “eu sinto, eu ajo, ...mas aniquilo o que se move porque é sujo.” Ódio ao devir. 

Neste nó de desejos múltiplos, não há lugar para uma política dos corpos. O fascismo faz estancar o tempo. Rechaça as minorias porque o Novo assombra. Fiel à tradição da consciência ( a alma ), o corpo é considerado o  organismo que deseja a si mesmo como modo de existir único e total. Assim, a fratura exposta do nazifascismo (como no Brasil de hoje) é denegada em favor do si mesmo, do eu-para-o-eu, apêndice existencial familiar e utilitário. O rosto mortuário das classes médias se anuncia e se revela a nu. Que o mundo vá mal desde que eu me salve.  O sentimento fascista opera uma revolução às avessas. Uma escassez de oxigênio racional infecciona os tempos midiáticos. Este é o limite político a ser ultrapassado (será?) nos ares de janeiro vindouro.

A.M.  

ATÉ OS OSSOS | Trailer Oficial (2022)

domingo, 18 de dezembro de 2022

QUAL  ENCONTRO? 


Na minha experiência psicodramática, o conceito de "Encontro" é sem dúvida o mais belo. Ele me trouxe à possibilidade de

1-ampliar o seu significado, conectando-o a autores como Buber (já citado por Moreno), Espinosa, Deleuze e Guattari. 

(Certamente a lista é maior, mas estes já valem pela grandeza do pensar).

2-criar condições teóricas para experimentações clínicas, grupais, institucionais e no imenso e desafiador campo da Educação.

(São dois ítens de pesquisa que se tocam, se cruzam, se misturam como práticas de vida).

Assim, um Encontro não se dá apenas entre pessoas. Bem mais que olhar para si com os olhos do outro, ele é conexão de corpos (humanos e inumanos). Um encontro com ideias, conceitos, bichos, cidades, personagens, artes, políticas, minorias, entidades, etc. A essência de um encontro se faz em não ter essência, e sim, numa produção generosa de criatividade. 

É o ato de criar. Não é fácil, ao contrário. Isso dá trabalho,  problema, é sempre problemático.

O conceito de Encontro expande-se a um deslimite que é o da ética e da estética.

Poucos arriscam essa vertigem da dança sobre o abismo.


A.M. 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

SUBJETIVIDADE  DAS FORÇAS

A política é constituida por forças. Forças em relação com forças. Neste sentido, "tudo é política" desde que o elemento humano esteja presente. Em termos macrossociais (grandes conjuntos) e microssociais (pequenos conjuntos), a política funciona como um a priori das relações humanas. As forças se ocultam nas formas sociais, muitas delas produtivas e necessárias a um "bom" viver, uma civilidade mantida. É o caso da família, instituição muito velha que "garante" a continuidade de outras instituições como a do eu, da consciência, da sexualidade, etc. Um axioma se impõe: toda instituição ( em seus manejos de poder) só funciona em  relação com outras instituições. Estas formam redes de conexões imprevisíveis. Mesmo na composição do organismo humano (o fenótipo) e do corpo invisível (o sem modelo), instituições-força se relacionam tanto  para compor, conectar quanto para destruir, eliminar.  Assim, a ambiguidade está no cerne do processo institucional. Não haveria Bem ou Mal e sim usos de afirmação ou negação dos processos vitais. Dissecar tais linhas não é fácil, e por vezes impossível. Tudo nos conduz para análises finas das forças em jogo. Desde um conflito entre Estados nacionais até uma separação conjugal litigiosa, as forças são essencialmente fluidas à serviço de interpretações, descoladas ou não, do real conforme interesses e desejos em jogo. Podemos chamar tal processo de molecular, mesmo que,por exemplo, ocorra numa crise do Estado democrático. Ele traz o quantum desejante que move os corpos na relação entre eles. A moral estará sempre aí, ainda que negada, principalmente se  negada.


A.M.

domingo, 11 de dezembro de 2022

Faço análise há trinta anos e a única frase inteligente que já ouvi do meu analista é a de que preciso de tratamento.


Woody Allen

A Mosca (Lyric Video) - BaianaSystem, Tropkillaz, Dog Murras, VANDAL

Não tenho preconceitos de raça, cor ou religião. Tolero qualquer sociedade. Basta-me saber que o homem é um ser humano: ele não pode ser pior.


Mark Twain

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

ELEGIA 1938


Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, 

onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.

Praticas laboriosamente os gestos universais, 

sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.


Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,

e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção. 

À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze 

ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.


Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra 

e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer. 

Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina 

e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.


Caminhas entre mortos e com eles conversas 

sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito. 

A literatura estragou tuas melhores horas de amor. 

Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.


Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota

e adiar para outro século a felicidade coletiva. 

Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição 

porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.



Carlos Drummond de Andrade

O sexo sem amor é uma experiência vazia. Mas como experiência vazia é uma das melhores.


Woody Allen

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

REAL IRREAL

O que é o real? A psicanálise (lacaniana) diz que o real é impossível pois vivemos num mundo essencialmente simbólico. Conforme essa doutrina, o real é lançado para os rumos da psicose, ou seja, rompido com a formação social no qual se inscreve. Quem tem acesso ao real é louco, é o louco em seu desvario. Uma insanidade. Diferentemente, pensamos ao modo deleuziano. O real não está dado, ele é produzido, sempre produzido. Resta saber por quem. Há toda uma questão ético-política de fundo... Os artistas, os videntes, os poetas, os amantes, os místicos, os revolucionários (não os esquerdistas), entre outros, sabem muito bem disso porque experimentam o mundo na própria carne, no próprio corpo, na própria pele, melhor dizendo, no corpo sensível, desejante, nutrido de mil sensações que vêm de fora, do Fora. Assim, se a psicose é o real, as "mil sensações" se tornam mil sintomas clínicos do transtorno que a psiquiatria biológica chama de "mental". A tecnologia moderna inundou o cotidiano com tal profusão de imagens que a psicose (e os seus mil sintomas) ocupou o lugar da esquizofrenia reeditando-a como "A" psicose, mesmo que não seja. Depressões, neuroses, histerias, borderlines, retardos, paranóias, demências, drogadiçoes, fobias, pânicos, angústias, e tantos outros signos atuais do aniquilamento da subjetividade, se misturam numa espécie de sopa coletiva psicopatológica. No fim, tudo conduz à psicose (ou à loucura).Mas, se nem mesmo o psicótico sabe mais o que é o real, nos achamos em plena dissolução do sentido. Daí os milhares defronte dos quartéis, mendigos do golpe de estado que não virá. Sim, definitivamente a psicopatologia mudou.

A.M.

Antes do ser, a política...


F. Guattari

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Rápido e Rasteiro


Vai ter uma festa

que eu vou dançar

até o sapato pedir pra parar.


aí eu paro

tiro o sapato

e danço o resto da vida


Chacal

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

UM RARO PERSONAGEM


No futebol atual, todo mundo sabe jogar, não tem ninguém mais bobo, times ou países, até alguns de pouca expressão, se destacam, vencem jogos, ganham títulos, produzem zebras, etc. Apesar disso, ou por causa disso, um personagem vem se tornando cada vez mais raro nos gramados. O craque. Sem entrar em maiores definições do que seria um craque, apenas cito Zico, Falcão, Sócrates e Júnior, todos da mesma grandeza, por assim dizer. Há muitos outros, claro, inclusive atuais. Escolhi-os por terem sido companheiros num time artístico e mágico, o de 82. Mas, por que, hoje, faltaria o craque? A resposta inclui o uso do pensamento como método para se entender o que no fundo não é para entender: o drama trágico do futebol. Assistam a jogos, a muitos jogos, se possível ao vivo, senão em vídeos do passado, e vocês verão que em geral, o pensamento vem ficando ausente, mesmo que se mostre sob a expressão de dribles, passes, chutes, gols, lançamentos, toques de primeira. O pensamento é um órgão raro no jogador de futebol e só os mestres, os grandes, os verdadeiros craques o tinham, a daí, a sua superioridade, daí a sua diferença, a extrema singularidade, a arte para além da técnica. O estado atual de formação do jogador, incluindo o condicionamento físico precoce, o avanço da medicina esportiva, da fisioterapia, da educação física, a hegemonia acachapante do mercado capitalístico da bola, o aumento da velocidade da gorduchinha, a consequente redução do espaço euclidiano, o destaque conferido à técnica como atividade essencialmente motora (o jogador talentoso com o olheiro na sua cola) e por fim, (já aí extrapolando o universo do futebol), a fabricação em série, pela cultura do consumo, do idiota perfeito (como diria Nelson Rodrigues), tudo isso formatou o exílio do pensamento. Então eles conseguiram, conseguiram sim, fizeram o pensamento abandonar os campos verdes e cheios de magia, e no seu lugar se instalar a correria desenfreada (motora e cognitiva) pela busca de títulos que a FIFA, a CBF e outras entidades ritualizam em lucros desfrutáveis por quem e para quem nunca sequer acertou um bico na pelota: os homens cinzentos.


A.M.