quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

UM RARO PERSONAGEM


No futebol atual, todo mundo sabe jogar, não tem ninguém mais bobo, times ou países, até alguns de pouca expressão, se destacam, vencem jogos, ganham títulos, produzem zebras, etc. Apesar disso, ou por causa disso, um personagem vem se tornando cada vez mais raro nos gramados. O craque. Sem entrar em maiores definições do que seria um craque, apenas cito Zico, Falcão, Sócrates e Júnior, todos da mesma grandeza, por assim dizer. Há muitos outros, claro, inclusive atuais. Escolhi-os por terem sido companheiros num time artístico e mágico, o de 82. Mas, por que, hoje, faltaria o craque? A resposta inclui o uso do pensamento como método para se entender o que no fundo não é para entender: o drama trágico do futebol. Assistam a jogos, a muitos jogos, se possível ao vivo, senão em vídeos do passado, e vocês verão que em geral, o pensamento vem ficando ausente, mesmo que se mostre sob a expressão de dribles, passes, chutes, gols, lançamentos, toques de primeira. O pensamento é um órgão raro no jogador de futebol e só os mestres, os grandes, os verdadeiros craques o tinham, a daí, a sua superioridade, daí a sua diferença, a extrema singularidade, a arte para além da técnica. O estado atual de formação do jogador, incluindo o condicionamento físico precoce, o avanço da medicina esportiva, da fisioterapia, da educação física, a hegemonia acachapante do mercado capitalístico da bola, o aumento da velocidade da gorduchinha, a consequente redução do espaço euclidiano, o destaque conferido à técnica como atividade essencialmente motora (o jogador talentoso com o olheiro na sua cola) e por fim, (já aí extrapolando o universo do futebol), a fabricação em série, pela cultura do consumo, do idiota perfeito (como diria Nelson Rodrigues), tudo isso formatou o exílio do pensamento. Então eles conseguiram, conseguiram sim, fizeram o pensamento abandonar os campos verdes e cheios de magia, e no seu lugar se instalar a correria desenfreada (motora e cognitiva) pela busca de títulos que a FIFA, a CBF e outras entidades ritualizam em lucros desfrutáveis por quem e para quem nunca sequer acertou um bico na pelota: os homens cinzentos.


A.M.


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