sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

ELEGIA 1938


Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, 

onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.

Praticas laboriosamente os gestos universais, 

sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.


Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,

e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção. 

À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze 

ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.


Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra 

e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer. 

Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina 

e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.


Caminhas entre mortos e com eles conversas 

sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito. 

A literatura estragou tuas melhores horas de amor. 

Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.


Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota

e adiar para outro século a felicidade coletiva. 

Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição 

porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.



Carlos Drummond de Andrade

Nenhum comentário:

Postar um comentário