O CERCO DIAGNÓSTICO
A questão do "diagnóstico psiquiátrico" não é só clínica. É também, e, principalmente, político-institucional. Isso se deve ao fato da "forma-psiquiatria" haver construído o diagnóstico como uma prática social de poder e controle moral sobre os pacientes, bem como linha de ascenção da psiquiatria a uma credibilidade científica e daí acadêmica. Da segunda metade do século XIX com o diagnóstico de "demência precoce" (Kraeplin) até o início do século XX, substituindo-o pelo de "esquizofrenia" (Bleuler), a psiquiatria se instala como "ciência". A partir daí passa a dispor do seu principal objeto de pesquisa (a esquizofrenia) e intervenção prática (a internação manicomial), galgando o status de especialidade médica. Em fins do século XX (a chamada década do cérebro - anos 90) as pesquisas neuro-cerebrais sacramentam não só a esquizofrenia, como todas as patologias mentais como sendo doenças do cérebro. Até mesmo um pânico, angústia, depressão, tudo. As consequências desses fatos foram e são devastadoras para a pesquisa em psicopatologia clínica e teórica, tanto quanto à observação/intervenção sobre o paciente no campo da saúde mental. A psicopatologia clínica, a que busca dar voz ao sujeito, entrou em franco declínio, beirando hoje o aniquilamento total. Quem fala é o cérebro. Desse modo, o debate sobre o diagnóstico clínico em psiquiatria tornou-se essencial para uma crítica ativa e um trabalho prático com o paciente. Trata-se de uma micro-estratégia de combate, muitas vezes invisível, muitas vezes ao modo de um agente de saúde mental infiltrado na teia psiquiátrica... É que as formas de violência subjetiva legitimadas e institucionalizadas cientificamente já não apenas vivem nos quartos sombrios dos manicômios, nas masmorras ocultas, nos corredores infectos, nos quartos-forte dos hospícios, mas se expandem e se mostram à luz do dia, à luz do sol, inclusive em ambulatórios, caps, consultórios, postos de saúde, comunidades terapêuticas e em todos nós.
A.M.
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