terça-feira, 28 de novembro de 2023

O FIM DO EU


As tecnologias da imagem, veiculadas pelos equipamentos de informação e comunicação (internet, celulares, tablets, TVs, etc) produzem formas de sentir, perceber, pensar e agir que chamamos subjetividade contemporânea. Este fato social atualíssimo alterou profundamente a consciência, o eu, a razão, os afetos, enfim, elementos psíquicos que respondiam outrora pelo que se chamava "pessoa", "indivíduo". O chamado "mundo interno", então constituído como território existencial de si mesmo, espécie de autonomia individual do ser-no-mundo, se desfez, se desfaz e desmorona a olhos vistos. Considere o aumento explícito da morbidade dos transtornos mentais. A fenomenologia e todas as doutrinas do pensamento calcadas no poder da consciência (inclusive o materialismo histórico) ruiram sob o efeitos da era da Tecnologia, ao que parece irreversível. Veio para ficar. Nós não somos mais nós mesmos. De toda a parte, fluxos de notícias, comunicados, informações, imagens, chegam sem cessar, funcionando como recheio subjetivo para acontecimentos que não nos dizem respeito e ao mesmo tempo nos dizem respeito. O tempo não é mais a temporalidade de uma vivência e sim, ao contrário, a vivência,  submetida ao Tempo Mundial (que importam os fusos horários?)se transfigura em éter o que era tão certo como este corpo-aqui-visível-de-carne. Há uma rachadura nas certezas do eu, uma erosão do sentido. As crenças vacilam. Não mais existe "o tempo vivido", mas o tempo mundial descarnado, evaporado, codificado, por exemplo,em mensagens do zap, a confluir naquilo que Paul Virilio chama de cataclísma. Trata-se de uma mudança "espiritual" muito mais profunda do que se imagina, já que as comodidades objetivas (o mundo-em-mim-sem-sair-de-casa) escondem e legitimam a vertigem da loucura do cotidiano normal. Não mais é possível resgatar a nostalgia dos tempos idos (bons tempos, hein!) sob pena de afundarmos numa depressão coletiva. Sabe-se que depressão é luto. O que fazer? Além de consumir vorazmente, consumir (até mesmo consumir esse texto ora escrito), não se tem a mínima ideia....! O estilhaçamento da subjetividade abre um vazio insondável. Em suma, as tecnologias da imagem nos fabricam à sua imagem e semelhança qual um deus profano que se expressa e se impõe pela ubiquidade, simultaneidade e pelo desaparecimento do passado e do futuro, portanto, da História. Se há um devir-revolucionário (sempre há!) ele é tragado pelas ondas gigantescas das imagens planetárias.Um novo conservadorismo sociopolítico emerge. A esquerda se desorienta! A direita, munida do argumento do caos, da decadência dos valores e da dissolução dos códigos sociais, se resguarda à sombra de fascismos religiosos. No fundo, o axioma do progresso técnico e da pureza moral se expressam como religião do deus-capital disfarçada pela aura de um salvacionismo militante. E suicida. Todos rezam, mesmo os ateus.


A.M.

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