"Você não
é mais uma criança...": esse enunciado diz respeito a uma transformação
incorpórea, mesmo que esta se refira aos corpos e se insira em suas ações e
paixões. A transformação incorpórea é reconhecida por sua instantaneidade,
por sua imediatidade, pela simultaneidade do enunciado que a exprime e do
efeito que ela produz; eis por que as palavras de ordem são estritamente
datadas, hora, minuto e segundo, e valem tão logo datadas. O amor é uma
mistura de corpos que pode ser representada por um coração atravessado por
uma flecha, por uma união de almas etc; mas a declaração "Eu te amo"
expressa um atributo não-corpóreo dos corpos, tanto do amante quanto do
amado. Comer pão e beber vinho são misturas de corpos; comunicar com o
Cristo é também uma mistura entre corpos propriamente espirituais, não
menos "reais". Mas a transformação do corpo do pão e do vinho em corpo e
sangue do Cristo é a pura expressão de um enunciado, atribuído aos corpos.
Em um seqüestro de avião, a ameaça do bandido que aponta um revólver é
evidentemente uma ação; da mesma forma que a execução de reféns, caso
ocorra. Mas a transformação dos passageiros em reféns, e do corpo-avião em
corpo-prisão, é uma transformação incorpórea instantânea, um mass-media
act no sentido em que os ingleses falam de speech-act. As palavras de ordem
ou os agenciamentos de enunciação em uma sociedade dada — em suma, o
ilocutório — designam essa relação instantânea dos enunciados com as
transformações incorpóreas ou atributos não-corpóreos que eles expressam.(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil platôs, vol.2
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