SOB QUALQUER REGIME DE SIGNOS
(...) Escrever é talvez trazer à luz esse agenciamento do
inconsciente, selecionar as vozes sussurrantes, convocar as tribos e os
idiomas secretos, de onde extraio algo que denomino Eu (Moi). EU (JE) é
uma palavra de ordem. Um esquizofrênico declara: "ouvi vozes dizendo: ele
tem consciência da vida" . Existe então, nesse sentido, um cogito
esquizofrênico, mas que faz da consciência de si a transformação incorpórea
de uma palavra de ordem ou o resultado de um discurso indireto. Meu
discurso direto é ainda o discurso indireto livre que me percorre de um lado
a outro, e que vem de outros mundos ou de outros planetas. É por isso que
tantos artistas e tantos escritores foram tentados pela experiência do copo
que se move na mesa. Conseqüentemente, quando perguntamos qual é a
faculdade própria à palavra de ordem, devemos reconhecer nela
características estranhas: uma espécie de instantaneidade na emissão, na
percepção e na transmissão das palavras de ordem; uma grande
variabilidade, e uma potência de esquecimento que faz com que nos sintamos inocentes diante das palavras de ordem que seguimos, e depois
abandonamos, para acolher outras em seu lugar; uma capacidade
propriamente ideal ou fantasmática na apreensão das transformações
incorpóreas; uma aptidão para apreender a linguagem sob a forma de um
imenso discurso indireto . Faculdade do ponto no teatro e de quem o escuta,
faculdade da canção que coloca sempre uma ária em uma ária, em uma
relação de redundância, faculdade mediúnica na verdade, glossolálica ou
xenoglóssica.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil platôs, vol.2
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