segunda-feira, 20 de julho de 2015

A MISTIFICAÇÃO EDIPIANA

(...) E se escolhemos o exemplo da menos edipianizante dos psicanalistas, é para mostrar que esforço ela teve de fazer para adequar a produção desejante a Édipo, o que acontece principalmente com os psicanalistas vulgares, que nem sequer têm consciência do “movimento”. Não se trata de sugestão, trata-se de terrorismo. Melanie Klein escreve: “Quando Dick veio à minha casa pela primeira vez, não manifestou emoção alguma quando a ama o confiou a mim. Quando lhe mostrei os brinquedos que tinha preparado, ele os olhou sem o menor interesse. Peguei um grande trem que pus ao lado de um trem menor e os designei com o nome de ‘trem papai’ e de ‘trem Dick’. Então, ele pegou o trem que eu tinha chamado ‘Dick’, empurrou-o até à janela e disse ‘Estação’. Eu lhe expliquei que a ‘estação é a mamãe; Dick entra na mamãe’. Ele largou o trem, correu pondo-se entre a porta interior e a porta exterior da sala, fechou-se dizendo ‘escuro’, e logo saiu a correr. Repetiu várias vezes esta manobra. Eu lhe expliquei que ‘está escuro na mamãe; Dick está no escuro da mamãe’... Quando sua análise progrediu... Dick descobriu também que o lavatório simbolizava o corpo materno e manifestou um extraordinário medo de se molhar com a água” Diga que é Édipo, senão você leva um tapa. Eis que o psicanalista já nem mais pergunta: “Para você, o que são suas máquinas desejantes?”, mas grita: “Responda papai- -mamãe quando lhe falo!”. Até Melanie Klein... Toda a produção desejante é então esmagada, assentada sobre as imagens dos pais, alinhada em estados pré-edipianos, totalizada no Édipo: a lógica dos objetos parciais é reduzida a nada. Édipo se torna, assim, a pedra de toque da lógica, pois, como pressentíamos de início, só aparentemente os objetos parciais são extraídos de pessoas globais; na realidade, eles são produzidos por extração num fluxo ou numa hylé não pessoal, com a qual comunicam ao se conectarem com outros objetos parciais. O inconsciente ignora as pessoas (grifos nossos). Os objetos parciais não são representantes de personagens parentais, nem suportes de relações familiares; são peças nas máquinas desejantes, remetem a um processo e a relações de produção irredutíveis, e são primeiros em relação ao que se deixa registrar na figura de Édipo.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo

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