A MISTIFICAÇÃO EDIPIANA
(...) E se escolhemos o exemplo da menos edipianizante dos psicanalistas,
é para mostrar que esforço ela teve de fazer para adequar
a produção desejante a Édipo, o que acontece principalmente
com os psicanalistas vulgares, que nem sequer têm consciência
do “movimento”. Não se trata de sugestão, trata-se de terrorismo.
Melanie Klein escreve: “Quando Dick veio à minha casa pela primeira
vez, não manifestou emoção alguma quando a ama o confiou
a mim. Quando lhe mostrei os brinquedos que tinha preparado,
ele os olhou sem o menor interesse. Peguei um grande trem
que pus ao lado de um trem menor e os designei com o nome de
‘trem papai’ e de ‘trem Dick’. Então, ele pegou o trem que eu tinha
chamado ‘Dick’, empurrou-o até à janela e disse ‘Estação’. Eu lhe
expliquei que a ‘estação é a mamãe; Dick entra na mamãe’. Ele
largou o trem, correu pondo-se entre a porta interior e a porta
exterior da sala, fechou-se dizendo ‘escuro’, e logo saiu a correr.
Repetiu várias vezes esta manobra. Eu lhe expliquei que ‘está
escuro na mamãe; Dick está no escuro da mamãe’... Quando sua análise progrediu... Dick descobriu também que o lavatório simbolizava
o corpo materno e manifestou um extraordinário medo
de se molhar com a água” Diga que é Édipo, senão você leva um
tapa. Eis que o psicanalista já nem mais pergunta: “Para você, o
que são suas máquinas desejantes?”, mas grita: “Responda papai-
-mamãe quando lhe falo!”. Até Melanie Klein... Toda a produção
desejante é então esmagada, assentada sobre as imagens dos pais,
alinhada em estados pré-edipianos, totalizada no Édipo: a lógica
dos objetos parciais é reduzida a nada. Édipo se torna, assim, a
pedra de toque da lógica, pois, como pressentíamos de início, só
aparentemente os objetos parciais são extraídos de pessoas globais;
na realidade, eles são produzidos por extração num fluxo ou numa
hylé não pessoal, com a qual comunicam ao se conectarem com
outros objetos parciais. O inconsciente ignora as pessoas (grifos nossos). Os objetos
parciais não são representantes de personagens parentais,
nem suportes de relações familiares; são peças nas máquinas desejantes,
remetem a um processo e a relações de produção irredutíveis, e são primeiros em relação ao que se deixa registrar na figura
de Édipo.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo
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