SEM SONHOS
Tudo em meu torno é o universo nu, abstrato, feito
de negações noturnas. Divido-me em cansado e inquieto, e
chego a tocar com a sensação do corpo um conhecimento
metafísico do mistério das coisas. Por vezes amolece-se-me a
alma,e então os pormenores sem forma da vida quotidiana
bóiam-se-me à superfície da consciência, e estou fazendo lançamentos à tona de não poder dormir. Outras vezes, acordo
de dentro do meio-sono em que estagnei, e imagens vagas,
de um colorido poético e involuntário, deixam escorrer pela
minha desatenção o seu espetáculo sem ruídos. Não tenho os
olhos inteiramente cerrados. Orla-me a vista frouxa uma luz
que vem de longe; são os candeeiros públicos acesos lá em
baixo, nos confins abandonados da rua.
(....)
Fernando Pessoa in Livro do Desassossego
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