quarta-feira, 31 de maio de 2017

CADÁVERES MODERNOS

Saúde mental significa Saúde social.Simples assim.Tudo o mais, patologias de toda ordem, mesmo e principalmente as ditas da mente,têm no social a origem, o meio de cultivo, a manutenção perversa e o fim último: o empreendimento da morte. O corpo-organismo humano, objeto de pesquisa, intervenção e mais-valia da medicina, é tão só a expressão clínica de almas torturadas pela demência da máquina do capital.  O social é o capital. Aí é onde se morre e se goza. Ou, dito de outro modo: aí é onde se morre gozando o prazer do escravo moderno: o sem grilhões.

A.M.

CHARLES BUKOWSKI

sem trapaças

dobro a aposta

jogo a poesia

no vermelho



Aristides Klafke

BRADO RETUMBANTE


Agora eu penso uma garça branca de brejo ser mais linda que Uma nave espacial. Peço desculpa por cometer essa verdade. 

Manoel de Barros

terça-feira, 30 de maio de 2017

A NOVA GUERRA FRIA

(...)
“Com a chegada de Trump ao poder, o esquema volta a funcionar de forma muito precisa. Trump não tem qualquer interesse no desarmamento nuclear, não tem intenção de propor nada. Obama sempre propunha coisas, novos tratados de armas táticas, de armas estratégicas ofensivas, mas Trump não, e agora, dentro do modelo clássico dos republicanos diante da URSS, foi colocado em andamento um ambicioso plano de renovação de armas nucleares estratégicas e táticas e defesa antimísseis. Aqui, os nossos (Rússia) não compreenderam. Acreditam que a arma nuclear é o principal elemento de prestígio, um símbolo de status da Rússia no mundo”.

A Rússia já está engajada em uma corrida armamentista contra os Estados Unidos, que pode ser “mais difícil, cara e perigosa do que a corrida armamentista da Guerra Fria”. Na realidade trata-se de vários processos, tais como uma corrida pela renovação das forças estratégicas no marco do novo tratado de forças estratégicas ofensivas, assinado em 2010; outra corrida entre as forças nucleares ofensivas russas e o sistema de defesa antimísseis norte-americano; e outra competição mais pelos sistemas de mísseis de precisão de longo alcance com cargas convencionais, inclusive as que no futuro superarão a velocidade do som. Existe ainda uma corrida entre a defesa aérea cósmica russa e os meios norte-americanos de ataque aéreo cósmico. Esta competição múltipla, de “canais de armas ofensivas e defensivas, nucleares e não nucleares”, não existia nos anos da Guerra Fria, segundo Arbatov. “Putin pensava que Trump, que criticava Obama, logo o visitaria em Moscou, reconheceria que os Estados Unidos se enganaram, que se abraçariam, ficariam amigos e acabariam com as sanções. É preciso conhecer o sistema político norte-americano para saber que isso não é possível”, afirma. “O presidente Putin quer conter a escalada da Guerra Fria, mas sem fazer nenhuma concessão séria, porque o que ele mais teme é parecer fraco e assim não há resultado”, diz Arbatov (*)
(...)

Pilar Bonet, El País, Moscou, 30/05/2017, 11:28 hs

(*) Alexei Arbatov, cientista político russo.

JOHN BARRY - Trilha de Body Heat (Corpos Ardentes) - 1981


DO QUE SE TRATA


A questão do farmacologismo em psiquiatria não se resume a passar remédios químicos em excesso. Isso é demasiado evidente.Psiquiatras biológicos e remedeiros se multiplicam...Queremos dizer outras coisas, não necessariamente nesta ordem de importância: em primeiro lugar,o psicofarmacologismo se impõe graças ao efeito da insuficiência atual das pesquisas em psicopatologia clínica. Em segundo, ao mecanicismo científico instituído como verdade epistemológica (relação linear causa-efeito, o cérebro reificado). Em terceiro, pelo efeito (rápido) de controle químico sobre as condutas ditas anormais. Em quarto, aos interesses poderosos das multinacionais farmacêuticas. Em quinto, pela ausência de uma teoria psiquiátrica da subjetividade. Em sexto, pelos grandes buracos semiológicos pregados na grade nosológica psiquiátrica. Em sétimo, pela medicalização generalizada dos problemas sociais, manobra "esperta" dos poderes vigentes. Em oitavo, pelo desejo contemporâneo de buscar tamponar quimicamente a tragédia humana (nada de angústia...) e, por extensão, sua alegria oculta. Estes 8 ítens não esgotam a análise do problema, mas são eixos para o pensar.

A.M.

EMIL NOLDE


O dinheiro não traz felicidade, mas provoca uma sensação tão parecida que é necessário um especialista para verificar a diferença...

Woody Allen

segunda-feira, 29 de maio de 2017

TEMPO E VELOCIDADE

A transpolítica é o início do desaparecimento do político na rarefação da última provisão: a duração. Democracia, consulta, bases do político, requerem tempo. A duração é própria do homem; ele está inscrito nela. Para mim, o transpolítico é o começo do fim (...) é totalmente negativo. Não estou dizendo que deveríamos reverter à democracia antiga, parar o relógio, e coisas do gênero. O que estou dizendo é que existe trabalho a ser feito, o trabalho epistemo-técnico, (...) para restabelecer o político num tempo em que a tecnologia divide o tempo – e eu diria: o esgotamento do tempo. 
(...)
Paul Virilio, 1984

JOÃO BOSCO - Agnus Sei


tudo farei pelo bem comum
mas quero minhas compensações

exercerei este cargo público
com sacrifício
mas quero minhas compensações

pensarei apenas em vocês
mas quero minhas compensações


Nicolas Behr
(...)
Concordo que Temer deve deixar a Presidência. Mas discordo dos métodos e dos objetivos das pessoas que estão na rua para derrubá-lo. Elas querem apenas um escudo para seu líder escapar da polícia. Primeiro você arruina o país com uma irresponsável política populista. Em seguida, você começa a destruir prédios públicos com a esperança de voltar ao poder e prosseguir na rapina.
Isso não acontecerá pelo caminho do voto, em eleições limpas. Mas a fragilidade do governo e sua incapacidade de analisar o momento favorecem as tendências autoritárias e destrutivas da esquerda.
Não há razão para dizer que o Brasil não tem jeito e que a barbárie é um destino inescapável. Nem é preciso olhar para fora em busca de exemplos nos países avançados. Aqui dentro mesmo é possível encontrar as bases para uma política que defenda a civilização da barbárie. Milhões de pessoas nas manifestações dominicais provaram que é possível combater um governo corrupto e incapaz sem verter uma gota de sangue. Curitiba viveu serenamente um momento de tensão, a vida e os bens da cidade foram protegidos com competência.
São essas qualidades que farão a balança pesar a favor da democracia, isolando cada vez mais os setores que não se adaptam a ela. Mas, é claro, serão necessários alguma coisa que você possa chamar de governo e algum presidente que, pelo menos, esteja preocupado com o país e não com as investigações que rondam seu palácio.

Fernando Gabeira, Blog, 28/05/2017

VINICIUS & TOQUINHO


São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.

Vinicius de Moraes
FLAGRANTES DA INOCÊNCIA

Na semana que passou, o senador Aécio Neves divulgou um vídeo dizendo que não ganhou nunca dinheiro com a vida pública. Mas, de acordo com a delação do empresário Joesley Batista, dono da JBS, milhões de reais eram repassados ao senador em um esquema que envolvia compra e venda de imóveis em diversas cidades.
Em São Conrado, bairro nobre da zona sul do Rio, fica o prédio onde mora a mãe de Aécio. Uma cobertura de dois andares, com piscina e vista para a praia, e que seria alvo de um esquema para repassar milhões de reais para Aécio Neves, intermediado pela irmã do senador, Andrea Neves, presa no dia 18. A negociação teria sido feita com o empresário Joesley Batista no mesmo dia em que Aécio teria pedido dois milhões de reais de propina para o dono da JBS.

Globo.com, 28/05/2017, 23:11 hs

MORTOS-VIVOS


O inferno está lotado ainda, você sempre pensa que você está sozinho. E você nunca pode dizer a ninguém que você está no inferno ou eles vão pensar que você está louco. Mas ser louco é estar no inferno e ser sensato também. Aqueles que escapam do inferno nunca falam sobre isso e nada mais os incomoda depois disso. Quero dizer, coisas como falta de uma refeição, ir para a cadeia, bater seu carro ou mesmo morrer. Quando você perguntar-lhes, ‘como as coisas estão indo?’ eles vão responder: ‘bem, muito bem …’ Uma vez que você foi para o inferno e voltou é o bastante, é a mais silenciosa celebração conhecida. Uma vez que você foi para o inferno e voltou, você não olha para trás quando o chão range. O sol está no alto à meia-noite. E coisas como os olhos de ratos ou um velho pneu em um terreno baldio pode torná-lo feliz. Uma vez que você foi para o inferno e voltou.

Charles Bukowski

domingo, 28 de maio de 2017

você está muito sensata 
acho bom
você consultar um psicopata


Paulo Leminski

ALEXEY SLUSAR


CABRAL NÃO DESCOBRIU O BRASIL

Preso desde novembro em Bangu, o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, foi transferido de unidade prisional na manhã deste domingo. Cabral e outros 145 detentos foram transportados para a Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte do Rio.  A transferência foi feita em nove caminhões da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), e os presidiários chegaram ao novo endereço por volta das 10h.
(...)

Luiza Bustamante, Veja.com, 28/05/2017, 13:12 hs

HENRY MILLER

o pensador do corpo erótico

O QUE DÁ TESÃO

A antiprodução difunde-se pelo sistema: a antiprodução será amada por si mesma, à maneira pela qual o desejo reprime a si próprio no grande conjunto capitalista. Reprimir o desejo, não só nos outros, mas também em si próprio, ser o tira dos outros e de si próprio, eis o que dá tesão, e isto não diz respeito à ideologia, mas à economia. O capitalismo recolhe e possui a potência do objetivo e do interesse (o poder) mas tem um amor desinteressado pela potência absurda e não possuída da máquina. Oh, certamente não é para si nem para seus filhos que o capitalista trabalha, mas para a imortalidade do sistema. Violência sem objetivo, alegria, pura alegria de se sentir uma engrenagem da máquina, atravessado pelos fluxos, cortado pelas esquizas. Colocar-se na posição em que se é assim atravessado, cortado, enrabado pelo socius, buscar o bom lugar onde, de acordo com os objetivos e os interesses que nos são consignados, sente-se passar algo que não tem interesse nem objetivo. Um tipo de arte pela arte na libido, um certo gosto pelo trabalho bemfeito, cada um no seu lugar, o banqueiro, o tira, o soldado, o tecnocrata, o burocrata e, por que não, o operário, o sindicalista... O desejo embasbacado.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo
           blasfemo e digo que mão de deus
escreve poemas ateus

deus, vem, corre, me limpa
desses pensamentos

chame adélia prado para me salvar

corto logo minha mão
põe fogo neste livro
joga uma pá de cal em mim

me crucifica

faz eu chorar o resto da vida

até eu secar


Nicolas Behr

FOLLOWING THE NDT


sábado, 27 de maio de 2017

Por não compreendermos a significação das palavras, nem eu nem meus amigos, uma coisa se tornou muito clara: que há maneiras de não compreender e que a diferença entre a não compreensão de um indivíduo e a não compreensão de outro cria um mundo de terra firma ainda mais sólido que as diferenças de compreensão. Tudo quanto outrora eu pensava ter compreendido desfez-se e eu fiquei como uma lousa limpa. Meus amigos, por outro lado, entrincheiravam-se mais solidamente na pequena vala de compreensão que haviam escavado para si próprios. Morreram confortavelmente em sua pequena cama de compreensão, para se tornarem cidadãos úteis do mundo. Senti pena deles e sem demora abandonei-os um a um, sem o menor pesar.

Henry Miller

RUMO AO FUTURO


Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)...
Sinto crenças que não tenho.
Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta
traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha,
nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos
que torcem para reflexões falsas
uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor,
eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente,
como se o meu ser participasse de todos os homens,
incompletamente de cada (?),
por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 26 de maio de 2017

PAVEL MITKOV


QUAL BARBÁRIE ?

Nove homens e uma mulher, trabalhadores rurais sem terra, foram mortos nesta quarta-feira durante uma ação policial numa fazenda do município de Pau d’Arco, no Pará, a 860 quilômetros ao sul da capital Belém. Policiais militares e civis foram até o local para cumprir 16 mandados judiciais, entre eles de prisão preventiva, temporária e buscas e apreensões, numa ação que investiga a morte, no dia 30 de abril, de um segurança da fazenda, que é alvo de disputa agrária. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Pará, os agentes foram recebidos a tiros e reagiram. No local foram recolhidas onze armas, entre elas um fuzil, mas não houve policiais feridos.
Os corpos das dez vítimas foram levados pela própria polícia ao necrotério da região, em Redenção, segundo informou a Folha.
A fazenda Santa Lúcia, cenário do massacre, era motivo de disputa entre seu proprietário e trabalhadores sem terra. Desde maio de 2015, havia 150 famílias acampadas no local, conforme informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
(...)

Maria Martin, Rio de Janeiro, El País,26/05/2017, 16:47 hs

CHARLIE PARKER - Koko


na madrugada de 26/05/1977 chegava à Terra

DANIEL, O MAGO
Mesmo sem compreender, quero continuar aqui onde está constantemente amanhecendo.

Caio Fernando Abreu

OS TRUMPS VISITAM O PAPA


quinta-feira, 25 de maio de 2017

CASO PSIQUIÁTRICO

Depois de virar caso de polícia, a política brasileira entrou em sua fase psiquiátrica. Brasília tornou-se uma espécie de centro terapêutico para o tratamento das neuroses do sistema político.

Sindicatos e simpatizantes do PT marcharam pela queda de Temer e pela rejeição das reformas. Como o presidente está no chão e as reformas viraram pó, os manifestantes enlouquecem e quebram o próprio patrimônio.

A Câmara pediu ao Planalto reforço da Força Nacional. Temer acionou as Forças Armadas. Está previsto na Constituição. Aconteceu 29 vezes nos últimos sete anos. Mas no caso específico, foi como colocar o Anderson Silva para brigar com um recém-nascido.

O plenário da Câmara entrou em parafuso. Maníacos se desentenderam com depressivos. Todos de pé, na frente da mesa, num ambiente de boteco, que só pode acabar em palavrões e cutucões na barriga, nunca em legislação séria.

O sistema político pirou. Há dois caminhos. Uma parte pede internação no sistema prisional. E você pode dar alta para os demais em 2018.

Do Blog do Josias de Souza, 25/05/2017, 04:15 hs

TODAS AS LOUCURAS SÃO INOCENTES


segunda-feira, 22 de maio de 2017

TEMAS EM PSICOPATOLOGIA CLÍNICA - 4

Em saúde mental, para haver encontros que criem e não reproduzam universos estáveis, é preciso haver intercessores. Estes podem ser qualquer coisa, e são o que nos força a pensar. No caso da clínica, o que  força a pensar é  o  delírio não medicalizado que tem na esquizofrenia a sua expressão acabada. Assim, para um bom encontro com o paciente, a loucura-em-nós torna-se um exercício de sensibilidade: uma  ética. Busca aumentar a potência de viver. Por outro lado, ela não existe fora das linhas de força que compreendem relações de poder. Tais relações compõem a trama das instituições que manipulam e/ou esmagam a produção desejante.Toda ética é uma política,ou mais precisamente, uma micropolítica imanente às práticas de vida. Isso não costuma se mostrar ao olhar psiquiatrizado ou psicologizado. É que o olho psi é um olho homogeneizado e homogeneizador: um olho "gordo". Ele persegue a diferença em toda a parte. Olho paranóide, dispara olhares em tudo que se mexer.

A.M.

GRANDES ESCRITOS


Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender... 

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... 

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Fernando Pessoa

domingo, 21 de maio de 2017

A SÍNDROME DO QUASE (*)

Antigamente, o Brasil era um país de corruptos sem corruptores. Hoje, com o advento da delação premiada, virou uma nação de corruptores sem corruptos. Roçando as grades de Curitiba, Lula não sabia de nada. Recém-chegada ao pântano, Dilma continua estalando de pureza moral. Com a reputação reduzida à soma de palavrões que inspira nos botecos, Aécio é a virtude que terceirizou o xadrez à irmã. Ao jurar que não fez nada, Temer tornou-se um revolucionário do léxico, provando que nada é uma palavra que ultrapassa tudo.

Tanta inocência eliminou até o benefício da dúvida. Aos olhos da opinião pública, os políticos agora são culpados até prova em contrário. Se perdem o mandato e o foro privilegiado, como Eduardo Cunha, vão em cana como prova em contrário. Desde março de 2014, quando a Operação Lava Jato começou, a banda dinheirista da política cultiva a ilusão de que a sangria será estancada. Para o bem da nação, deu-se o oposto. A política virou uma atividade hemorrágica.

A má notícia é que o sistema político morreu. O comportamento de risco e a tendência à autodesmoralização levaram o modelo ao suicídio. A boa notícia é que a morte pode ser um enorme despertar. Num instante em que a faxina invade os salões do Palácio do Jaburu, fica claro que o país necessita de um movimento que acabe com o suborno, o acobertamento, o compadrio, o patrimonialismo… Em suma, precisa-se de uma articulação qualquer que acabe com os valores mais tradicionais da política brasileira.

O primeiro passo é eliminar dos costumes nacionais a praga do quase. A higienização quase foi alcançada quando as ruas escorraçaram Collor do poder. A assepsia quase foi obtida quando cassaram-se os mandatos de meia dúzia de anões do Orçamento. A purificação quase chegou quando o Supremo Tribunal Federal mandou para a cadeia a turma do mensalão. Temer é uma evidência de que o impeachment de Dilma não eliminou a síndrome do quase. Chegou a hora de levar a faxina às últimas consequências.

Neste sábado, Temer discursou por 12 minutos para informar ao país que Joesley Batista, seu ex-amigo do Grupo JBS, não vale nada. Depois de limpar os cofres do BNDES nos governos Lula e Dilma, armou uma delação fraudulenta para produzir turbulência econômica capaz de lhe propiciar lucros extraordinários comprando dólares na baixa e vendendo ações na alta. Quer dizer: para Temer, Joesley é um patife. E não será a plateia que irá discutir com um especialista. Melhor passar a Presidência de Temer no detergente e seguir em frente.

A honestidade é como a gravidez. Nenhuma mulher pode estar um pouquinho grávida, como não pode haver governo um pouco honesto, com oito ministros investigados e um presidente que confraterniza com corruptos no palácio residencial. A esse ponto chegamos: o Brasil terá de cair para que Temer se mantenha no cargo de presidente. Só a desmoralização nacional salva Temer.

A velha sacada do Churchill ensina que a democracia é o pior regime possível com exceção de todos os outros. Mas no Brasil os políticos parecem eternamente engajados num esforço para implementar as alternativas piores. De erro em erro, chegou-se à cleptocracia atual. É chegada a hora de arrancar o código de barras da democracia brasileira. A entrada do processo é a saída de Temer. O limite é a Constituição. O desafio é encontrar um nome capaz de gerir um programa mínimo e zelar pelo calendário eleitoral de 2018.

Do Blog do Josias de Souza, 21/05/2017, 05:59 hs

(*) Título meu

MILTON NASCIMENTO - Um Gosto de Sol


TEMAS EM PSICOPATOLOGIA CLÍNICA - 3

Os delírios em psicopatologia costumam ser percebidos conforme o ideário positivista da ciência (psiquiatria biológica) ou do humanismo crônico das ciências humanas (psicologia e afins). Deste modo, a medicina psiquiátrica quer deletar o sintoma e a psicologia clínica quer compreendê-lo. Nem uma coisa nem outra são possíveis. Trata-se de uma falácia epistemológica disfarçada de boas intenções. Os delírios assombram as consciências vigis e vigilantes. É que eles se referem a modos de subjetivação secretados pelo mundo, e ultrapassam a divisão bem/mau em prol da construção de territórios de verdade. "Um pouco de verdade senão eu morro!" Assim, é possível "sentir-se vivo" mesmo que tudo em volta reine em decomposição. Os delírios são, portanto, "verdade verdadeira" mesmo que não sejam. Isso não importa. A sua função social está inscrita nas entranhas de um inconsciente órfão, à flor da pele, à flor do tempo, à flor do desejo e coextensivo a todas as expressões humanas. Então o eu se volatiza e o delírio o substitui. Ora, se todos deliram (e deliram!) não significa que todos estão loucos, mas que correm e se debatem numa megaloucura insubornável, assim como com a morte.

A.M.
POR VEZES 

Quando conheces alguém
mais inteligente ou mais estúpido do que tu -
não faças caso disso.
As formigas e os deuses,
acredita, sentem o mesmo.
Que exista mais gente na China,
digamos, que em San Marino,
não é uma desgraça.
A maioria das pessoas, sem dúvida, é
mais negra ou mais branca que tu.
Por vezes és um gigante,
qual Gulliver, ou um anão.
Em algum lugar ou outro estás sempre a descobrir
uma beleza ainda mais radiante,
alguém ainda pior.
És medíocre,
felizmente. Aceita-o!
Sete graus centígrados a mais
ou a menos no termómetro -
e estarias além da salvação.


Hans Magnus Enzensberger, do blog "Poesia & Lda"

sábado, 20 de maio de 2017

Um choque de realidade

Donald Trump. Aquecimento Global. Fascistas. Inflação. Bancada Ruralista. Insegurança. Pobreza. AIDS. Raios Ultravioletas. Guerras. Vírus. Superpopulação. Terremotos. Sequestros. Homens-Bomba. Crise Econômica. Falta de água. Opressão. A Situação na Venezuela. Grosserias. Espionagem. Conflitos Religiosos. Desmatamento. Poluição dos Rios. Maduro. Tráfico de Drogas. Corrupção. Goleiro Bruno. Suborno. Coreia do Norte. Milícias. Impacto de Asteróide. Terrorismo. Lixo Radioativo. Delcidio. Ufanismo. Cerceamento da Liberdade. Zica. Temaki de Coxinha. Stalkers. Chuva Radioativa. Mau-hálito. Vulcões. Sucuris. Irã. Minas Terrestres. Insônia. Alagamentos. Bancada Evangélica. Câncer. Violência. Mafia do ISS. Preço do Dolar. Ku Klux Klan. Hemorróida. Vícios. O Fim da União Européia. Impostos. Burrice. Coceira nas Costas. Militaristas. Desemprego. Al-Qaeda. Racismo. Sindicatos. Renan Calheiros. Haters. Burocracia. H1N1. Drogas. Radicais. Os Seguidores dos Radicais.
Miséria. Quebra de Bancos. 7×1. Chicungunha. Misoginia. Invasão de Aliens. Triglicérides. Baratas. Hamas. Chacinas. Horóscopo do Dia. Check-up. Ditaduras. Saúde. Armas Nucleares. Políticos Corruptos. Escorpiões. Apocalipse. Profecias. FARC. Baleia Azul. Turismo Sexual. Preço do Petróleo. Golpes Financeiros. Putin. Direita. Greve do Metrô. Solidão. PIB. Bullying nas Escolas. Hepatite C. Palocci. Fome. Bateria do Celular. Buracos no Asfalto. Parar de Fumar. Tsunamis. Assassinos. Sogra. Ministros do Temer. Legalização da Maconha. Gente que Encosta. Ansiedade. Transporte Público. Juiz Ladrão. Malucos Armados. Padres Pedófilos. Erupções Vulcânicas. Erupções Cutâneas. Curtidas no Instagram. Invasão de Zumbis. Festa da Firma. Conflitos Partidários. Mortadelas. Miopia. Cientologia. Bactérias. Rednecks. Boko Haram. Cracolândia. Petrolão. Pneu Furado. Beber Menos. Falta de Educação. Febre Amarela. Fake News. Futuro. Internet Lenta. A Seca no Nordeste. Assédio. Chulé. Fofoca. Férias. Cataclismas. Prazo de Validade. Delações Premiadas. Segunda-Feira. Prisão de Ventre. Poluição do Ar. PizzaGate. Apagão. Pirataria. Pedra no Sapato. Sushi com Cream Cheese. Vestibular. Lista do Supermercado. Estupradores. Bloqueio do Whatsapp. Antissemitismo. Desastre de Mariana. Traição. Tarifa do Ônibus. Pornografia Infantil. Taxa de Juros SELIC. Queda de Cabelo. Queimadas. Nacionalismo. Emagrecer. Tempo com a Família. Cerveja Quente. Depressão. Greve dos Correios. Tio do Pavê. Operações da Polícia Federal. Lobo Solitário. A Abóbora da Taís Araujo. Sapatênis. Uva Passa no Arroz. Café Frio. Facebook. Falta de Respeito. Trânsito Parado. Aranhas. Saneamento Básico. Bater Ponto. Farol Quebrado.
A Previdência. Topada na Quina. Ácaros. Homofóbicos. Insolação. Reforma. Pato da FIESP. As Favelas. Caspa. Filme Ruim. Tomografia. Agrotóxico. Os Morros do Rio. A Manifestação da Esquerda. A Manifestação da Direita.
O Seu Time. Enxaqueca. Colesterol. Consumação Mínima. Mutilação Genital. Condomínio. Tirania. Pecados. Taxas Bancárias. Cabelo na Sopa. Escravidão. Estado Islâmico. Mimimi. Arrastão. Dor de Ouvido. Caretice. Bala Perdida. Esquerda. Falta de Gasolina. Estética. A Volta da Pochete. Mensalão. Escravidão Sexual. Lei da Imigração. Vazamento. Sistema Fora do Ar. Prostituição Infantil. Conchavos Políticos. Xenofobia. Comida Ruim. Preço do Combustível. MST. Sedentarismo. Machismo. Dress Code. Séries de TV. A Placenta da Bela Gil. Snapchat. Banheiro Unissex. Crédito Rotativo. Temer. Animais em Extinção. Bolsonaro. Desastres Aéreos. Epidemias. Escorpiões. Propinas. Tela Azul. Coxinhas. A Cesta Básica. Pancadão no Bairro. Gente que só Fala em Doença. Greve dos Ônibus. Mancha de Suor. Picada de Cobra. Brexit. Emprego. Sergio Cabral. Mulher do Sérgio Cabral. Fila no Caixa. Neo Nazistas. Aluguel. Ratos. Piolho. Saldo Bancário. Plantas Carnívoras. Boleto. Chefe Chato. Estupro Grupal. Picadas de Insetos. Micose. Cocaína. Hemoglobina. Síria. E-Mail. Assalto na Esquina. Nepotismo. Queda das Ações.
A Questão Palestina. A tensão no Oriente Médio. Plano de Saúde. Subemprego. Desastres Naturais. Sobretaxa. IPTU. IPVA. IR. ICMS. Conta de Luz. Conta do Celular. Stress. Dor de Cabeça. Hackers. Meta para Bater. Ônibus Pegando Fogo. Os Prazos.
Com tanta coisa para a gente se preocupar e você me apronta uma dessas Temer?
Ah, faça-me o favor.

Mentor Neto, Isto É, 19/05/2017, 18:00 hs
 vou regar o deserto
 com sangue

 e chorar areia



Nicolas Behr

Cronicamente Inviável

DEIXANDO  O  BARCO

A Executiva Nacional do PSB decidiu neste sábado abandonar o governo Michel Temer. Reunido em Brasília, o partido oficializou o desembarque pouco antes de Temer fazer novo pronunciamento na TV para se defender das suspeitas de obstrução da Justiça, corrupção e organização criminosa, pelas quais é formalmente investigado no Supremo Tribunal Federal, após ter sido gravado por Joesley Batista, dono da JBS.
(...)

Felipe Frazão, Veja.com, 20/05/2017, 18:05 hs

ZDZISLAW BEKSINSKI


Nem tudo que tentei perdi. Restou 
a intenção de ser alguém ou algo
que não se pode ser, mas só ter sido;
restou a tentação do nada, nunca
tão forte que vencesse esse meu medo
que é a coisa mais honesta que há em mim.
Sobrou também o hábito vadio
de me virar do avesso e esmiuçar
as emoções como quem espreme espinhas.
Mas nada disso dói; a dor é um ácido
que ao mesmo tempo que corrói consola,
é uma coceira que vem lá de dentro
e me destrói sem dignidade alguma.

Paulo Henriques Britto
No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos.

Emil Cioran

TEMER: O CRIME EXPLÍCITO


Todo homem é de alguma forma político, mesmo que muitos cabeçudos alienados não tenham consciência disso e até afirmem que são apolíticos. Crassa tolice pois, se não são agentes em menor ou maior escala da política, são os instrumentos, objetos ou marionetes dos agentes políticos que os manipulam.

Maquiavel

CALMA, PESSOAL !


RENUNCIE, PRESIDENTE

Um presidente da República aceita receber a visita de um megaempresário alvo de cinco operações da Polícia Federal que apuram o pagamento de milhões em propinas entregues a autoridades públicas, inclusive a aliados do próprio presidente. O encontro não é às claras, no Palácio do Planalto, com agenda pública. Ele se dá quase às onze horas da noite na residência do presidente, de forma clandestina. Ao sair, o empresário combina novos encontros do tipo, e se vangloria do esquema que deu certo: "Fui chegando, eles abriram. Nem perguntaram o meu nome". A simples decisão de recebê-lo já guardaria boa dose de escândalo. Mas houve mais, muito mais.
(...)

O Globo,19/05/2017, 15:20 hs

sexta-feira, 19 de maio de 2017

(...)
A História não apresenta ao Brasil um problema insolúvel. Apenas vai dar trabalho, ansiedade e muita turbulência. É melhor assim. Demorou muito.
O ideal agora é conversar entre nós, amigos, parentes, colegas de trabalho, sem nos prendermos só às notícias sensacionais, mas focando nas saídas. O mundo real nos interroga. A política só tem sentido quando se propõe a melhorar a vida das pessoas. Fora disso é uma agitação custosa e funesta.
A redemocratização brasileira caiu num pântano. A guinada perversa para a corrupção contribuiu para nos arruinar e lançar tanta gente no desemprego. Numa situação dessas, a chegada da polícia é um alívio e renova as esperanças.

Fernando Gabeira, 19/05/2017

FÉLIX GUATTARI

o pensador do rizoma

O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa.

Eduardo Galeano

ANDREW ATROSHENKO


ARTE DE AMAR

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


Manuel Bandeira
O REI ESTÁ NU (*)

Data: 7 de março de 2017. Local: Palácio do Jaburu. Quando o amigo Joesley Batista, expressando-se num idioma muito parecido com o português, pediu a Michel Temer que indicasse a melhor maneira “pra mim falar contigo”, o presidente não teve dúvida: “É o Rodrigo.” O dono do JBS, maior frigorífico do mundo, gigante do caixa dois e das propinas, soou como se aprovasse o preposto. “É o Rodrigo? Ah, então ótimo.” E Temer: “É da minha mais estrita confiança.”

Corta para a Pizzaria Camelo, no elegante bairro paulistano dos Jardins. Noite do dia 28 de abril de 2017. O deputado federal Rodrigo da Rocha Loures (PMDB-PR) —o “Rodrigo” que Temer credenciara como seu intermediário— foi seguido e fotografado pela Polícia Federal recebendo de Ricardo Saud, diretor do Grupo JBS, o conglomerado de Joesley, uma mala contendo R$ 500 mil. Era propina, informou a Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal.

Sem saber que Joesley escondia um gravador no bolso do paletó, Temer caiu numa cilada. Recepcionou no Jaburu não o amigo, mas um delator. Manteve com ele uma conversa vadia de 33 minutos. Nela, estimulou o interlocutor a conservar as boas relações monetárias que mantém com o presidiário Eduardo Cunha. Ouviu relatos sobre a compra das consciências de um par de juízes e um procurador da República. Como se fosse pouco, Temer autorizou o visitante a utilizar o seu nome para pressionar o ministro Henrique Meirelles (Fazenda) a se “alinhar” aos interesses de sua empresa.

A conversa rendeu a Joesley e seu irmão Wesley um acordo de delação cujo prêmio incluiu um exílio dourado em Nova York. Quanto a Temer, o áudio resultou num rebaixamento político que o transportou da posição de presidente da República para a condição de protagonista de um inquérito criminal no Supremo. Ao escutar o áudio, liberado nesta quinta-feira pelo ministro Edson Fachin, da Suprema Corte, Temer celebrou: “A montanha pariu um rato.” Ficou demonstrado que, em Brasília, o pior cego é aquele que não quer ouvir.

Com interesses em guichês tão estratégicos quanto Receita Federal, Banco Central e BNDES, Joesley queixou-se a Temer de Henrique Meirelles. Embora estivesse na folha salarial de sua empresa antes de virar ministro da Fazenda, Meirelles vem refugando as demandas do ex-patrão. E o dono do JBS pediu a Temer um “alinhamento” de posições que lhe permitisse ser mais direto com o ministro: “Porra, Meirelles”. E Temer: “Pode fazer isso.”

Habituada a ouvir as mesóclises que adornam o linguajar rococó do constitucionalista Temer, a plateia ficou autorizada a indagar: Quando se deu a mutação do presidente que dizia estar interessado em passar à história como reformista para o administrador do “pode fazer isso”? Olhando-se ao redor, enxerga-se a presença de oito ministros que Temer insiste em manter no Planalto e na Esplanada como se a Lava Jato não tivesse descoberto nada sobre eles. Fica entendido que pode fazer também aquilo.

O diálogo com Joesley surtiu sobre Temer o efeito de um striptease moral. Em meio à maior investigação contra a corrupção da história, que torna impotentes os ex-poderosos da República, Temer permitiu-se manter, em pleno palácio residencial, uma conversa antirrepublicana. O regime atual no Brasil, agora ficou claro, não é mais o presidencialismo, mas uma versão tapuia da monarquia. Reina a esculhambação.

O monarca está nu. Ao dizer que não renuncia, tenta convencer o reino de que utiliza ternos feitos de um tecido muito resistente, mas completamente invisível a qualquer brasileiro pessimista -do tipo que, obrigado a conviver com a sobra do mês no fim do salário, não pode fazer nem isso nem aquilo.

Do blog do Josias de Souza, 19/05/2017, 05:27 hs
(*)  Título meu

quinta-feira, 18 de maio de 2017

DELAÇÃO DE QUALIDADE


Quem seja a causa de alguém se tornar poderoso, desgraça-se a si próprio: pois esse poder é produzido por si quer através de engenho quer de força; e ambos são suspeitos para aquele que subiu à posição de poder.
(...)
N. Maquiavel,  século XVI

terça-feira, 16 de maio de 2017

A solução difícil. As adversárias.
Escrever a contrapelo do papel.
E aquela que acabou sendo riscada —

calou-se, escapuliu, não se rendeu —
era precisamente a procurada.
Sobrou só isso que, leitor, é teu.

Só isso, sim. Que ao mesmo tempo é tudo.
Um suscitar de sílabas — não mais
a deusa atarantada a nos soprar
um vento em nosso ouvido (aliás surdo) —

e no entanto cabe dentro um mundo,
um universo, um homem a espernear.
Um que afinal domou as adversárias,
essas palavras que me deixam mudo.

Paulo Henriques Britto

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Eu não só não sei o que está acontecendo, mas também não saberia o que fazer se soubesse.

George Carlin

MAIO / 1968

seja realista, peça o impossível

SEROTONINA COM FARINHA

Não existe A depressão. Existem as depressões. Isso faz toda a diferença na hora de diagnosticar uma depressão, pois ela é composta por linhas singulares do desejo.O mecanismo de aniquilamento existencial produzido pela forma-psiquiatria sobre os pacientes, faz por tornar a depressão uma doença das sinapses enguiçadas. Com todo o respeito às sinapses, elas só funcionam graças ao que chega de fora, ou seja, do mundo. No entanto, ainda não dissemos nada do assassinato de almas perpetrado em nome da Ciência... 

A.M.

Isso é escrever. Tirar sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.

Caio Fernando Abreu

O CHOQUE DA RAZÃO MÉDICA

a psiquiatria biológica  e a eletricidade

CORREIOS & TELÉGRAFOS

Chegou alguma coisa pra mim?
Alguma carta? Um convite? Uma encomenda?
Nada. E as contas?
As contas chegaram.


Eudoro Augusto

domingo, 14 de maio de 2017

FLUXOS DO DESEJO
(...)
De maneira profunda, Lawrence mostra que a sexualidade, incluindo a castidade, é uma questão de fluxos, “uma infinidade de fluxos diferentes e até opostos”. Tudo depende da maneira como esses fluxos, seja qual for o objeto, a fonte e o objetivo, são codificados e cortados segundo figuras constantes ou, ao contrário, tomados em cadeias de descodificação que os recortam segundo pontos móveis e não figurativos (os fluxos-esquizas). Lawrence critica a pobreza das imagens idênticas imutáveis, papéis figurativos que são outros tantos estrangulamentos dos fluxos de sexualidade: “noiva, amante, mulher, mãe” — poder-se-ia também dizer “homossexuais, heterossexuais” etc. — todos esses papéis são distribuídos pelo triângulo edipiano pai-mãe-eu, um eu representativo que se supõe definir-se em função das representações pai-mãe, por fixação, regressão, assunção, sublimação — e tudo isso sob que regra? A regra do grande Falo que ninguém possui, significante despótico que anima a luta mais miserável, a ausência comum a todas as exclusões recíprocas em que os fluxos se exaurem, ressecados pela má consciência e pelo ressentimento. “Por exemplo, colocar a mulher num pedestal, ou, ao contrário, torná- -la indigna de alguma consideração: fazer dela uma dona de casa modelo, uma mãe ou uma esposa modelo, são simplesmente meios para nos esquivarmos a qualquer contato com ela. Uma mulher não figura alguma coisa, ela não é uma personalidade distinta e definida... Uma mulher é uma estranha e doce vibração do ar, que avança, inconsciente e ignorada, em busca de uma vibração que lhe responda. Ou então é uma vibração penosa, discordante e desagradável ao ouvido, que avança ferindo todos os que se encontram ao seu alcance. E o mesmo pode ser dito do homem”.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo
CURITIBA: AS HORAS

Escrevo no avião vindo de Curitiba. Não sei se ganhei ou perdi meu dia, vagando pela cidade numa quarta-feira cinzenta e com uma garoa esporádica. Para mim, Curitiba ia viver uma batalha de Itararé, aquela que não aconteceu, nos anos 30, apesar de alguns choques e escaramuças. É uma cidade fascinante, sobretudo agora que ganhei um belo livro de Rafael Greca, com quem convivi em Brasília. Poucos prefeitos conhecem tão bem a história de sua cidade.
Andei de um lado para outro e trago na lembrança o guardador de automóveis do Parque Birigui. Disseram que iam soltar mil balões verde e amarelos às cinco horas da tarde. Fui ver e não havia nada, por causa do mau tempo. O guardador me consolou dizendo: veja os quero-quero comendo na minha mão. E deu comida aos pássaros.
O essencial do dia, o depoimento de Lula, não me trouxe surpresas. Ainda no fim da tarde, gravei algo dizendo que ele ainda estava sendo interrogado, Moro deveria estar fazendo perguntas e Lula fazendo campanha. Ao sair para o discurso noturno na Praça Santos Andrade, Lula afirmou que seria candidato e que a votação popular iria absolvê-lo.
É o núcleo da história. A suposição de que a popularidade absolve, não importa o que diga a Justiça do país: o número de eleitores define o grau da inocência de um político. Em casos clássicos, como o de Paulo Maluf, as sucessivas eleições não o absolveram, mas trouxeram o conforto da lentidão dos processos no Supremo, uma esperança de impunidade.
Lula não conta com isso. Num dos seus discursos, já afirmou que vai enquadrar a imprensa e insinuou que prenderia os procuradores que hoje o denunciam. Entra aí um pouco da minha análise que previa calma em Curitiba, apesar de toda a sensação de confronto que alguns setores da imprensa esperavam.
Tenho pensado em aviões e estradas, um pouco aos solavancos. Nas longas viagens por terra, cochilamos e a fronteira entre a vigília e o sono constantemente se dissolve. Uma campanha política cujo objetivo é livrar o candidato da polícia pode ter êxito no Brasil de hoje?
(...)

Fernando Gabeira, 14/05/2017

CHET BAKER - Time After Time


NORMAL, NATURAL, ADEQUADO

Quando Lula explica para Sergio Moro que os nomes indicados pelos partidos para ocupar diretorias da Petrobras tramitaram “normalmente” no governo, quando Michel Temer diz em entrevistas que considera “adequado” manter em sua equipe oito ministros investigados na Lava Jato, quando o tucanato trata com naturalidade a permanência de um Aécio Neves crivado de inquéritos na presidência do PSDB… Quando tudo isso acontece sem que nada aconteça, o Brasil é invadido pela luz de uma revelação. É normal! Sempre foi assim. É natural! Espanta que queiram questionar o que nunca foi considerado inadequado.

Uma pequena palavra petrificou-se como lema do homem público brasileiro: Realpolitik. Trata-se do nome de fantasia da hipocrisia que domina a política nacional desde a primeira missa. Os chatos que infestam o cenário —procuradores, magistrados e certos repórteres— querem subverter práticas seculares sem levar em conta a solidez das tradições que Lula, Temer e o tucanato evocam quando proclamam: “É normal, é adequado, é natural!” Não é despudor, mas solidez. Não é cinismo, mas pragmatismo.

Se as delações da Lava Jato revelam aguma coisa além de crimes, é que o oportunismo cínico alavancou muitas carreiras políticas no Brasil. Mas o trágico, o essencial mesmo na lição das mazelas expostas pela investigação é que tudo foi feito com a melhor das intenções. A safadeza encontra sempre uma justificativa absolvedora. Lula não tem culpa se os técnicos apadrinhados pelos partidos viraram larápios do dia para a noite. Temer não pode afastar ministros que ainda nem viraram réus. O tucanato tampouco pode destronar um dirigente que ainda usufrui do sacrossanto benefício da dúvida.

O sistema político brasileiro não protelou os seus crimes. Apenas se esforça para protelar as suas culpas. Não há inocentes no palco, só culpados e cúmplices. Alheios à estética imunda da conquista, os desbravadores das fronteiras morais prometem presentear o país no final com um futuro radiante. Ah, nada como o passado para fazer o brasileiro desacreditar do futuro. Ele sempre parece estar ali na esquina, mas acaba tropeçando. E nunca chega. Escândalos que explodem em ritmo epidêmico ajudam a explicar o por quê de o Brasil ter virado o mais antigo país do futuro de todo o mundo.

A Lava Jato pode conduzir o Brasil à Renascença ou à Idade Média. Não há por que temer o futuro. Ele nunca roubou ninguém. Terrível mesmo é o passado ou, pior, o presente. Ou o Brasil aproveita a oportunidade para adotar o regime de tolerância zero com a corrupção ou as futuras gerações recordarão, com nostálgica melancolia e um certo fascínio antropológico, das palavras pronuncidas na época do encontro do sistema político nacional com os seus limites, o sangrento rompimento desses limites e a sobrevivência dos velhos valores depois do rompimento: “É normal, é natural, é adequado!”

Do Blog do Josias de Souza, 14/05/2017,04:47 hs
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho
1 abridor de amanhecer 
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios
1 esticador de horizontes


Manoel de Barros

BEATRIZ MILHAZES


As pessoas boas dormem muito melhor à noite do que as pessoas más. Claro, durante o dia as pessoas más se divertem muito mais.

Woody Allen
O MEDO DA COREIA DO NORTE

A Coreia do Norte disparou um míssil balístico neste sábado (domingo pelo horário local), um lançamento efetuado de uma província do norte do país, que constitui o primeiro ensaio militar de Pyongyang desde a chegada ao poder em Seul do novo presidente, Moon Jae-In.
O míssil balístico, lançado da estação de Kusong, no noroeste do país, foi disparado por volta das 5h30 do horário local (17h30 no horário de Brasília) e percorreu cerca de 700 quilômetros, informou o Estado Maior Conjunto de Seul.
"O Sul e os Estados Unidos estão analisando mais detalhes sobre o míssil", disse a entidade em um comunicado sem dar mais detalhes.
(...)
France Press, 14/05/2017, 04:20 hs

DIA DAS MÃES


sábado, 13 de maio de 2017

TEMAS EM PSICOPATOLOGIA CLÍNICA - 2

Em saúde mental, para ir ao Encontro do paciente é preciso estar louco. Não o louco-doente, o traste, o consumidor de ordens ao modo psiquiátrico, mas o feiticeiro, o que se conecta com o modo subjetivo de exposição aos signos enviados pelo mundo. Ficar na espreita. Trata-se de um devir-louco, devir-loucura que transporta sensações e percepções para mundos desconhecidos. Não há garantias mentais, exceto as do eu, encolhido sob as velocidades infinitas de um pensamento sem imagem, como no vampiro. Desse modo, ao custo da perda do euzinho privado, adentramos ao universo das linhas de multiplicidades rizomáticas. Mil fluxos afetivos nos transtornam e nos transformam. Em que? Numa linha existencial sóbria, delicada, invisível e potente: a diferença.

A.M.