sábado, 10 de outubro de 2020

10 ANOS DE CAPS : RELATOS DO TEMPO - 16

7 de novembro de 2013

Se eu buscava uma identidade para o ser-psiquiatra, parecia não haver a menor chance...  "Identidade" pressupõe algo que não muda. Aquele tempo era o contrário.Uma mudança imperceptível se dava na função-psiquiatra, mas só compreendida anos depois. Trabalhar num Caps, já se disse, “não é para qualquer um”. Mas ir além, pode sim : é para qualquer um, desde que queira e experimente a loucura, não como doença ou transtorno, fantasia, tela imaginária, mas como experiência múltipla do caos da realidade coletiva. O puro acaso. Isso envolve e envolvia questões práticas: certa paciente apresentou (mais de uma vez) um quadro de dissociação da consciência, também chamado de psicose histérica. Falava coisas desconexas; desorientada, quase inabordável, ela assustava. Parecia estar louca. Alguém da equipe (que a atendia) aconselhou não vir à consulta quando estivesse assim. E reafirmou em plena reunião técnica. Fiquei pasmo. Creio que tal ação técnica desastrosa foi um modo de se manter e exercer a identidade técnica (quem sou?) no âmbito da consciência e do eu. Era o modelo da psiquiatria (biomédico) exercido para fora da psiquiatria, mas em aliança com ela: medo e rechaço à loucura. Concluí que a perda da identidade do ser-psiquiatra implicava na perda da identidade dos técnicos, no trabalho clínico de um Caps voltado para além do cérebro. Ora, na histeria o cérebro está intacto...


A.M.


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