sexta-feira, 6 de novembro de 2020

ESTUDO CLÍNICO DAS PSICOSES - III

As psicoses são reconhecíveis pelo delírio. Mas, atenção: o delírio nas psicoses se constitui como sentido. Desse modo, ultrapassa a dimensão do sintoma (elemento da semiologia médica) em direção a uma produtividade subjetiva incompatível com o meio social e com a percepção moral. Tanto é verdade que os quadros ditos negativistas (quando o paciente não fala, não responde, não obedece...) respondem mal ao uso de psicofármacos ou simplesmente não respondem (não melhoram). Sinal de que há algo mais que o sintoma. A psiquiatria biológica chama isso de sintoma negativo. Quem trabalha numa equipe de saúde mental sabe como é difícil se aproximar de um "sintoma negativo". O essencial a reter é o fato de que o delírio não necessita ser dito verbalmente, já que ele pode ser dito não verbalmente, como o jeito de olhar, de andar, de rir, por exemplo. As psicoses, conforme uma psiquiatria da diferença ou de uma diferença na psiquiatria, produzem uma semiótica desconcertante (regime de signos) que só será acessada mediante o uso de recursos técnicos fora da psiquiatria. Isso não invalida, ao contrário, o uso da medicação antipsicótica. Antes, estabelece a psicofarmacologia como um instrumento terapêutico cujo valor estará condicionado a uma postura ético-política de quem atende, de quem cuida. Infelizmente, há um muro na clínica das psicoses. É que o problema essencial, a má formação "congênita" da psiquiatria biológica é a sua adesão inconfessa a um positivismo cientificista raso e danoso para o paciente enquanto ser vivente capaz de autonomia existencial. Considerando-o objeto inerte (e perigoso) tal psiquiatria se instala em seu próprio território de poder (a clínica), e daí obtém resultados terapêuticos de abominável controle sobre a mente, inclusive a do próprio psiquiatra.

A.M.

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