domingo, 29 de agosto de 2021

ESTUDOS SOBRE O SUICÍDIO - IV

A complexidade do tema "suicídio" conduz a pesquisa para linhas dispostas num rizoma. Este é um método, uma visão transdisciplinar. Ultrapassa as fronteiras entre os saberes em prol da construção de um conhecimento que os atravessa. Nesse caso a questão é a da vida. Tanto a nível especulativo quando a nível empírico, é a vida e mais precisamente "o que é viver" que se expressa como densidade existencial irrecusável. Enfim, é o que está em jogo. Entre os focos de atenção para com o tema está o ato concreto de alguém se matar. Como foi possível? Como ele conseguiu? O "como" não se refere ao método usado, mas mais profundamente à pergunta: que forças atuaram no momento fatal? É simples constatar que motivos de toda ordem existem para alguém se matar. Quem nunca pensou nisso, nem que por um breve momento? Nas síndromes psiquiátricas a ideação suicida, apesar de comum, nem sempre chega a se consumar como ato. Então, eis a nossa hipótese: mais importantes que os motivos são as linhas de forças destrutivas na organização subjetiva (afetiva) que triunfam: chegou a hora. Como isso se agencia? Como isso passa ao ato? Os afetos (um "gosto ou desgosto em viver") são uma vivência interna (o "não querer viver") produzida de fora, ou seja, pela sociedade. O "não querer viver" é social. Não no sentido de que "a sociedade é culpada" mas no sentido em que somos seres sociais e é isso que nos faz humanos. Não existe, pois, o indivíduo e a sociedade separados porque o indivíduo já é a sociedade-em-nós. O suicídio é um sintoma social do "não querer viver". Ou no mínimo, que está muito difícil viver. Esta é a base conceitual para se pensar esse tema sem apelar para uma reflexão mortuária em disfarces moralistas (a religião), técnicos (a medicina), políticos (o estado) e publicitários (a mídia). 


A.M.

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