quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

A HISTERIA, HOJE

A histeria, patologia que "deu origem" à psicanálise no final do século XIX, se expressa hoje, mais que nunca, numa espécie de cipoal da clínica psicopatológica. Suas formas de expressão mudaram. Não se pode,pois, dizer que ainda exista uma entidade clínica chamada histeria, ao modo de Freud. O que, então, existe? Uma profusão de linhas-sintomas disseminadas pelo corpo, constituindo-o: são as clássicas "somatizações conversivas" e/ou as "dissociações da consciência". Na prática, os quadros psiquiátricos ditos graves (psicoses de variados matizes, transtornos do humor - mania ou depressão - transtornos da personalidade, etc) costumam substituir a hipótese diagnóstica de uma histeria, e preencher o vazio nosológico,  suscitando o emprego de mais e mais remédios químicos, mais e mais controle social, mais e mais preconceito moral, até que os pacientes deixem de incomodar a ordem da razão e as instituições que lhe são correlatas, bem como sejam “aliviados” dos sintomas incapacitantes para a vida autônoma. Fora da especialidade psiquiátrica, a histeria se expressa em fibromialgias, enxaquecas, algias múltiplas, parestesias, vastas extensões da pele, músculos e ossos em organismos codificados por universos virtuais, agitações psicomotoras, desorientações têmporo-espaciais, hetero-agressividades, irritabilidades fáceis, flutuações do humor. No meio de tudo, a autoflagelação pode ser vista como a busca de certezas “de que estou vivo”. Na esteira de tais sintomas, não é de admirar que a ideação suicida “evolua” ao ato suicida. A experiência de Caps nos mostra isso. Em suma, enquanto forma de ações-no-mundo ( organismo) e fluxo de imagens (consciência), a histeria pode “simular” rigorosamente qualquer transtorno mental, desconcertando a avaliação psiquiátrica, ainda mais em tempos de declínio da pesquisa psicopatológica. A psiquiatria acadêmica, neurobiológica e canônica costuma substituir sua monumental ignorância sobre os processos subjetivos de singularização existencial por condutas de imbecilização dos pacientes.


A.M.

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