segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

SOBRE SPINOSA

Mas o que é um corpo? Esse seria o objeto de um curso específico, e eu não vou desenvolvê-lo. A teoria sobre o que é um corpo, ou então uma alma, dá no mesmo, encontra-se no livro II da Ética. Para Spinoza, a individualidade de um corpo se define assim: é quando uma relação composta ou complexa (eu insisto nisso, muito composta, muito complexa) de movimento e de repouso se mantém através de todas as mudanças que afetam as partes desse corpo. É a permanência de uma relação de movimento e de repouso através de todas as mudanças que afetam todas as partes, ao infinito, do corpo considerado. Vocês compreendem que um corpo é necessariamente composto ao infinito. Meu olho, por exemplo, meu olho e a relativa constância de meu olho, se define por uma certa relação de movimento e de repouso através de todas as modificações das diversas partes do meu olho; mas meu próprio olho, que já tem uma infinidade de partes, é uma parte entre as partes do meu corpo, ele é uma parte do rosto, e o rosto, por sua vez, é uma parte do meu corpo, etc. Portanto vocês têm todos os tipos de relações que irão se compor umas com as outras para formar uma individualidade deste ou daquele grau. Mas em cada um desses níveis ou graus, a individualidade será definida por uma certa relação composta de movimento e de repouso. 

O que pode acontecer se meu corpo é feito desse modo, uma certa relação de movimento e de repouso que subsume uma infinidade de partes? Podem acontecer duas coisas: eu como alguma coisa que eu adoro, ou então, outro exemplo, eu como alguma coisa e caio envenenado. Literalmente, em um caso eu fiz um bom encontro, e no outro, fiz um mau encontro. Tudo isso refere-se à categoria do "occursus". Quando eu faço uma mau encontro, isso quer dizer que o corpo que se mistura com o meu destrói minha relação constitutiva, ou tende a destruir uma de minhas relações subordinadas. Por exemplo, eu como alguma coisa e tenho dor de barriga, e isso não me mata; mas isso destruiu ou inibiu, comprometeu uma das minhas sub-relações, uma das relações que me compõe. Depois eu como alguma coisa e morro: nesse caso, isso decompôs minha relação composta, decompôs a relação complexa que definia minha individualidade. Isso não destruiu simplesmente uma das minhas relações subordinadas que compunha uma de minhas sub-individualidades, isso destruiu a relação característica do meu corpo. Quando eu como alguma coisa que me convém, se dá o inverso.

G. Deleuze, fragmento de aula, Cours Vincennes,  sur Spinosa, 24/01/1978

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