sábado, 7 de dezembro de 2013

O OVO DE GALINHA

Ao olho mostra a integridade 
de uma coisa num bloco, um ovo. 
Numa só matéria, unitária, 
maciçamente ovo, num todo. 
Sem possuir um dentro e um fora, 
tal como as pedras, sem miolo: 
e só miolo: o dentro e o fora 
integralmente no contorno. 
No entanto, se ao olho se mostra 
unânime em si mesmo, um ovo, 
a mão que o sopesa descobre 
que nele há algo suspeitoso: 
que seu peso não é o das pedras, 
inanimado, frio, goro; 
que o seu é um peso morno, túmido, 
um peso que é vivo e não morto.

II

O ovo revela o acabamento 
a toda mão que o acaricia, 
daquelas coisas torneadas 
num trabalho de toda a vida. 
E que se encontra também noutras 
que entretanto mão não fabrica: 
nos corais, nos seixos rolados 
e em tantas coisas esculpidas 
cujas formas simples são obra 
de mil inacabáveis lixas 
usadas por mãos escultoras 
escondidas na água, na brisa. 
No entretanto, o ovo, e apesar 
da pura forma concluída, 
não se situa no final: 
está no ponto de partida.


João Cabral de Melo Neto

Nenhum comentário:

Postar um comentário