terça-feira, 24 de março de 2015

DEPRESSÕES ATUAIS


(...) As depressões podem ser  sumariadas numa tipologia de signos permutáveis. Elas   correspondem a vetores etiológicos extremamente variados. Por exemplo, alguém fica deprimido durante alguns  dias  por  haver  usado um anti-emético chamado metoclopramida. Outro fica deprimido pelo horror que lhe causa o “aquecimento  global  do planeta Terra” ou a "guerra judeus-palestinos" ou "a Educação no Brasil" ou qualquer coisa, coisa coletiva. Outro se deprime  de  súbito e aparentemente  sem motivo. Depressão "endógena"? Há também o que chamaremos de “depressão sub-clínica”. Ele está deprimido mas não sabe. Leva uma vida morna, entediante, repetitiva, crônica, ajoelhada diante do altar do deus-Cronos. São mil exemplos. Tudo é complexo na sua simplicidade. Depressão é um problema médico? A medicina trabalha e funciona com objetos sólidos e visíveis. Você viu a alma do deprimido? Os vetores etiológicos em jogo nem sempre são identificáveis, até porque são múltiplos e entrelaçados. De toda sorte, as depressões são quadros psíquicos que primam pela multiplicidade  dos  componentes etiológicos. Neste  sentido,  deprimidos às vezes não  parecem deprimidos e não-deprimidos parecem deprimidos. Tudo se mistura, mesmo nos quadros ditos orgânicos. Traçar uma classificação dos  tipos de depressão é tarefa difícil e infindável. O critério primeiro é o do estado subjetivo do paciente. Isso  inclui uma atitude técnica permeada pela ética: o paciente está sofrendo e precisa de ajuda imediata ou mediata a partir do diagnóstico de depressão. No entanto, o que vem primeiro é a potência de existir e viver (ética) e depois  o diagnóstico da  depressão por  si só  ou em co-morbidade. Estabelecido o diagnóstico, o tratamento virá atrelado a alguma hipótese causal. O êxito terapêutico terá suas possibilidades  aumentadas. A profusão de formas clínicas faz por confundir o avaliador (nem sempre o psiquiatra; há  equipes multidisciplinares) em termos de etiologia. Mesmo esta sendo obscura, o paciente terá que ser tratado não a partir dos sintomas (são múltiplos e às vezes disfarçados, camuflados), mas das vivências que precedem os sintomas. Um sintoma grave como idéias  ou ações  suicidas é valorizado conforme as  vivências afetivas e os sistemas  de crenças mobilizados. Essa postura evita que a depressão seja vista como igual ao sintoma ou à coleção de sintomas ou a doença biomédica e amplia a percepção do campo vivencial do paciente, o que favorece não só a precisão do diagnóstico mas o acesso ao seu  universo subjetivo, quase sempre caótico. 
(...)
A.M. in Trair a psiquiatria

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