MIL SEXUALIDADES
(...) Dizemos, portanto, que a castração é o fundamento da
representação antropomórfica e molar da sexualidade. Ela é a crença universal que reúne e ao mesmo tempo dispersa os homens e as
mulheres sob o jugo de uma mesma ilusão da consciência, e que
os faz adorar esse jugo. Todo esforço para determinar a natureza
não humana do sexo, por exemplo, o “grande Outro”, conservando
o mito da castração, fracassa de antemão. E o que quer dizer
Lyotard no seu comentário, no entanto tão profundo, do texto de
Marx, quando assinala a abertura do não humano como devendo
ser “a entrada do sujeito no desejo pela castração”? Um grito de
viva à castração para que o desejo seja forte? Que só se deseja
fantasmas? Que ideia perversa, humana, demasiado humana. Que
ideia vinda da má consciência e não do inconsciente. A representação molar antropomórfica culmina no que a fundamenta, a ideologia
da falta. Ao contrário, o inconsciente molecular ignora a castração,
porque nada falta aos objetos parciais que, enquanto tais,
formam multiplicidades livres; porque os múltiplos cortes não param de produzir fluxos em vez de os recalcar num mesmo e único
corte capaz de estancá-los; porque as sínteses constituem conexões
locais e não-específicas, disjunções inclusivas, conjunções
nômades: uma transexualidade microscópica em toda parte, que
faz com que a mulher contenha tantos homens quanto o homem,
e o homem mulheres, capazes de entrar, uns com os outros, umas
com as outras, em relações de produção de desejo que subvertem
a ordem estatística dos sexos. Fazer amor não é fazer só um, nem
mesmo dois, mas cem mil. Eis o que são as máquinas desejantes
ou o sexo não humano: não um, nem mesmo dois, mas n sexos. A
esquizoanálise é a análise variável dos n sexos num sujeito, para
além da representação antropomórfica que a sociedade lhe impõe
e que ele mesmo atribui à sua própria sexualidade. A fórmula esquizoanalítica
da revolução desejante será primeiramente esta: a
cada um, seus sexos.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo
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