domingo, 22 de março de 2015

MIL SEXUALIDADES

(...)  Dizemos, portanto, que a castração é o fundamento da representação antropomórfica e molar da sexualidade. Ela é a crença universal que reúne e ao mesmo tempo dispersa os homens e as mulheres sob o jugo de uma mesma ilusão da consciência, e que os faz adorar esse jugo. Todo esforço para determinar a natureza não humana do sexo, por exemplo, o “grande Outro”, conservando o mito da castração, fracassa de antemão. E o que quer dizer Lyotard no seu comentário, no entanto tão profundo, do texto de Marx, quando assinala a abertura do não humano como devendo ser “a entrada do sujeito no desejo pela castração”? Um grito de viva à castração para que o desejo seja forte? Que só se deseja fantasmas? Que ideia perversa, humana, demasiado humana. Que ideia vinda da má consciência e não do inconsciente. A representação molar antropomórfica culmina no que a fundamenta, a ideologia da falta. Ao contrário, o inconsciente molecular ignora a castração, porque nada falta aos objetos parciais que, enquanto tais, formam multiplicidades livres; porque os múltiplos cortes não param de produzir fluxos em vez de os recalcar num mesmo e único corte capaz de estancá-los; porque as sínteses constituem conexões locais e não-específicas, disjunções inclusivas, conjunções nômades: uma transexualidade microscópica em toda parte, que faz com que a mulher contenha tantos homens quanto o homem, e o homem mulheres, capazes de entrar, uns com os outros, umas com as outras, em relações de produção de desejo que subvertem a ordem estatística dos sexos. Fazer amor não é fazer só um, nem mesmo dois, mas cem mil. Eis o que são as máquinas desejantes ou o sexo não humano: não um, nem mesmo dois, mas n sexos. A esquizoanálise é a análise variável dos n sexos num sujeito, para além da representação antropomórfica que a sociedade lhe impõe e que ele mesmo atribui à sua própria sexualidade. A fórmula esquizoanalítica da revolução desejante será primeiramente esta: a cada um, seus sexos.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo

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