MELANCOLIA DO SIGNIFICANTE
(...) A linha de fuga é como uma tangente aos
círculos de significância e ao centro do significante. Ela será atingida por
maldição. O ânus do bode se opõe ao rosto do déspota ou de deus. Matar-se-
á e se fará fugir o que pode provocar a fuga do sistema. Tudo o que excede o
excedente do significante, ou tudo o que se passa embaixo, será marcado
com valor negativo. Vocês não terão escolha senão entre o eu do bode e o
rosto de deus, os feiticeiros e os sacerdotes. O sistema completo compreende
então: o rosto ou o corpo paranóico do deus-déspota no centro significante
do templo; os sacerdotes interpretativos, que sempre recarregam, no templo,
o significado de significante; a multidão histérica do lado de fora, em
círculos compactos, e que salta de um círculo a outro; o bode emissário
depressivo, sem rosto, emanando do centro, escolhido e tratado,
ornamentado pelos sacerdotes, atravessando os círculos em sua fuga
desesperada em direção ao deserto. Quadro por demais sumário que não é
somente o do regime despótico imperial, mas que figura também em todos
os grupos centrados, hierarquizados, arborescentes, assujeitados: partidos
políticos, movimentos literários, associações psicanalíticas, famílias,
conjugalidades... O retrato, a rostidade, a redundância, a significância e a
interpretação intervém por toda a parte. Mundo triste do significante, seu
arcaísmo com função sempre atual, sua trapaça essencial que conota todos os
seus aspectos, sua farsa profunda. O significante reina em todas as cenas
domésticas, como em todos os aparelhos de Estado.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari, in Mil platôs, vol 2
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