PODERES PÚBLICOS
Como serviço público, o Caps está, óbvio, administrativamente voltado para fora, para a forma-Estado. No Brasil, sabe-se, o serviço público não anda bem, para dizer o mínimo. Foge aos objetivos desse texto discutir o “problema do SUS”. No entanto, é possível considerar o poder público no contexto da saúde mental. Mais precisamente, sobre o modo como as políticas públicas interferem no cotidiano de um serviço como o Caps. Elas interferem, sim, concretamente na semiótica do Encontro, ou seja, na relação direta com o paciente, na medida em que esta relação é regida historicamente pela percepção moral do louco. Tal percepção não é uma ação individual (não tem origem na consciência individual), mas antes, é coletiva e operacionalizada por formas sócio-institucionais, entre outras, a forma-Estado. Esta Forma compreende o funcionamento prático das Secretarias de Saúde na produção dos serviços. São atos administrativos imediatamente clínicos. Ao acolher, examinar, diagnosticar, encaminhar, tratar, enfim, agir sobre “alguém que sofre ou faz sofrer”, o técnico em saúde mental está reproduzindo o pensamento da forma-Estado forrado por um verniz de um humanismo secular sobre o chamado usuário. É nesse contexto que o ideário da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial opera subjetivamente, estabelecendo condições para que o trabalho se faça de antemão justificado pelas boas intenções da consciência normal, a nossa. Tenha consciência! Segue-se uma despolitização naturalizada correlata a uma reverência pela chamada pessoa humana. Um pieguismo disfarçado à la Irmã Dulce.Ora, onde há a pessoa, não há política, pelo menos como concebemos a “política”. Esclarecendo: a política é um processo sócio-desejante que (sempre) se depara com linhas do poder. Impossível escapar aos seus fluxos.
A.M.
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