domingo, 1 de julho de 2018

Inevitável

Mais um desses pares amorosos
que vagarosamente se dilaceram;
outra vez o homem com as piadas
das quais ninguém mais ri;
eis também a mulher com o cachorro
que late para todo o mundo;
o que fracassa na cama — oh sim, ele! —;
aquele outro com a cabeça quente
porque o escapamento enferruja;
o relutante que não quer pagar;
ou — chi! — o neto de voz fraquinha
com o lábio inferior caído cambado,
e, olhe só, o assassino!
como ele remorde a derrota que sofreu
naquele tempo, seiscentos anos atrás;
é o fervoroso embaraço relembrado,
o pavor da próxima cólica,
o tão esperado beijo de Judas,
tudo isso se eleva pontualmente,
como um joão-bobo, retorna,
como a conta de telefone e a lua.
Ai de nós! O choque desolador de sempre,
o malfadado reconhecimento,
quando a velha caixa de surpresas se abre
e o diabo de molas salta em nossa cara.


Hans Magnus Enzensberger (tradução de Sílvio Diogo e Marcela Abreu Guimarães)

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