terça-feira, 31 de dezembro de 2019

O PAPA SE IRRITA

O Papa Francisco se irritou depois de ser puxado por uma mulher nesta terça-feira (31) na Praça de São Pedro, no Vaticano. O pontífice, que cumprimentava fiéis reunidos, aparece com semblante indignado na filmagem que capturou o momento.

A mulher, vestida de preto, puxa Francisco no momento em que ele começa a se afastar da multidão, depois de estender a mão para tocar uma criança. O gesto abrupto pareceu causar dor, e Francisco dá um tapa na mão da mulher depois de algumas tentativas de se desvencilhar.
(...)

Por G1, 31/12/2019, atualizado há uma hora
Se for dizer a verdade aos outros, faça-os rir, do contrário eles o matarão.

Oscar Wilde

MARTIN SCORSESE, O CINEMA

Se fosse uma partida de mus, um jogo de cartas bastante popular na Espanha, 2019 obteve quase as mesmas cartas que 2018, mas a cada envido (aposta) do ano passado, o atual lhe respondeu com mais apostas. E se a Netflix tiver problemas? Mais duas. E se os filmes de super-heróis devorarem os outros? Mais sete. E se o Leão de Veneza for polêmico? Mais 17. E se uma obra de alguma plataforma online ganhar o Oscar de melhor filme? Aposta total... as cartas serão reveladas em 9 de fevereiro.

Outro debate significativo, sobre se aquilo que uma plataforma digital produz é cinema, já foi concluído. Independentemente da forma (assim como nas salas de exibição não há apenas cinema, o cinema não é feito apenas para as salas de exibição), o conteúdo triunfa: o importante é a linguagem. Pelo menos é isso que os criadores já entenderam: Martin Scorsese, protagonista por duplo motivo deste 2019, foi produzido pela Netflix, e suas críticas não são por isso, e sim pelo efeito avassalador dos filmes da Marvel ― em geral, de super-heróis ― sobre as demais obras cinematográficas.

No The New York Times, o cineasta afirmou: “Em muitos filmes de franquias trabalham artistas autênticos, pessoas de talento. Sei que, se eu fosse mais jovem, se tivesse amadurecido numa época posterior, possivelmente me apaixonaria por esses filmes e talvez até quisesse fazer um. Mas cresci quando cresci, e desenvolvi um sentido sobre o cinema tão distante do universo Marvel quanto nós, na Terra, estamos de Alpha Centauri [...]. Para mim, para os cineastas que passei a amar e respeitar, o cinema consistia em uma revelação estética, emocional e espiritual. A chave estava aí: era uma forma artística. Nos filmes de Marvel não há revelação, mistério nem autêntico perigo emocional. Não há nenhum risco”. Ele alertou sobre o perigo real: o pouco espaço que o cinema de franquia deixa para os demais filmes nas salas de exibição.
(...)

Gregorio Belinchón, EL País, Madri, 29/12/2019, 16:33 hs

domingo, 29 de dezembro de 2019

ALEXEY SHALAEV


ossada

o esqueleto que mora em mim
saúda o esqueleto de todo mundo

no fundo no fundo
somos muito parecidos

(pra quê orgulho?)


líria porto
MIL ENCONTROS

Em tempos idos, trabalhamos o conceito de Encontro a partir de Espinosa, Moreno, Martin Buber e Deleuze-Guattari. Estes autores compuseram uma espécie de matriz teórica para pensar o encontro, considerando-se o próprio encontro com eles. No entanto, para além de um cais seguro,outros autores foram conectados, formando um extenso rizoma onde e por onde linhas de pesquisa se tecem. Mais ainda além e aquém de tais conexões, o conceito de encontro passou a ser engendrado no devir da clínica em psicopatologia. Observamos: a cada processo terapêutico aparecem signos que enriquecem o conceito, tonando-o peça essencial na construção de uma prática-clínica da diferença. Alguns desse signos podem ser registrados como balizas existenciais numa aventura em plagas do novo, do indeterminado e do desconhecido. Mistério da subjetividade. Em primeiro lugar, o signo da loucura como o lugar do não-lugar das significações prévias. Deserto de valores, vazio de sentido. Em segundo, o signo da morte, da finitude, da perplexidade em face do fio tênue da vida atravessando os discursos. Em terceiro, a irreversibilidade do tempo que passa e não volta jamais, truísmo imbricado na economia psíquica, e por isso nem sempre valorizado. Em quarto, a inferência direta do fracasso monumental da estadia da humanidade na Terra e o seu pesadelo do qual não se desperta. Em quinto, a relação indissociável dos modos de subjetivação com as formas sociais expressas segundo a ordem do capitalismo aparentemente vencedor. Tais pontos de ancoragem do pensamento do encontro com a diferença podem e devem transmutar-se em mil linhas de intervenção prática na clínica psicopatológica, de onde se pode extrair a alegria de experimentar novos encontros. Sem garantias de poder, felicidade, sucesso,  dinheiro, prestígio, valores humanos, demasiado humanos, como diria o bigodudo alemão do século XIX.

A.M.

CORINGA - direção de Todd Phillips, 2019

sábado, 28 de dezembro de 2019

Qualquer amor há de sofrer uma perseguição concreta e assassina. Somos impotentes do sentimento e não perdoamos o amor alheio. Por isso, não deixe ninguém saber que você ama.

Nelson Rodrigues

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

A PSICOPATOLOGIA AGONIZA

Um meu amigo vai ensinar psicopatologia para alunos do curso de psicologia. A universidade é pública. Disse-lhe que a psicopatologia atual, a que deveria servir de instrumento teórico-clínico à psiquiatria, agoniza. A psiquiatria biológica, amante e idólatra das sinapses cansadas e dos fármacos à mão cheia, já nem precisa da psicopatologia, exceto para registrar a depressão crônica que nos assola a todos, inclusive a própria psiquiatria. Também disse que se ele conseguir divorciar, separar a psicologia da psiquiatria, terá realizado um grande trabalho no semestre letivo. Os alunos, enfim, começarão a pensar.

A.M.

ANDRE KOHN


O SILÊNCIO QUE FALA

O presidente Jair Bolsonaro, conhecido por sua verborragia, manteve um incômodo silêncio, até o momento, sobre o ataque à sede da produtora do Porta dos Fundos, no dia 24 de dezembro. A tentativa de incendiar o local ocorreu após ameaças por conta de seu especial de Natal - um programa de humor sobre o aniversário de Jesus.

Da mesma forma, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, não se manifestou a respeito do caso - apesar do ataque representar uma afronta ao Estado de direito e à liberdade de expressão. Preferiu apoiar o indulto de Natal a policiais, defender sua visão do pacote anticrime, fazer propaganda pessoal e posar ao lado de uma estátua de Winston Churchil nas redes sociais.

Em um contexto de intolerância deflagrada, o silêncio da principal autoridade do país e de seu auxiliar para questões de direitos fundamentais, após um ataque terrorista, soa como anuência. Pior, como endosso. Esse silêncio se espalha como um vírus, infeccionando a democracia e oferecendo a fundamentalistas religiosos, fanáticos políticos, racistas, fascistas, incels, milicianos ou imbecis mal-intencionados a certeza da impunidade para que imponham mais medo.

Bolsonaro não precisa concordar com o Porta dos Fundos, mas proteger a democracia. O problema é a dificuldade em proteger algo do qual entende-se muito pouco.
(...)

Leonardo Sakamoto, UOl, 27/12/2019, 04:36 hs

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Música surda

Como num louco mar, tudo naufraga.
A luz do mundo é como a de um farol
Na névoa. E a vida assim é coisa vaga.

O tempo se desfaz em cinza fria,
E da ampulheta milenar do sol
Escorre em poeira a luz de mais um dia.

Cego, surdo, mortal encantamento.
A luz do mundo é como a de um farol...
Oh, paisagem do imenso esquecimento.


Dante Milano

O cérebro MENTE

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

SOBRE A DIFERENÇA

Pergunta-se o que é a diferença.  A diferença não é o indivíduo, não é a pessoa, não é algo fixo e estável onde se possa ancorar o corpo e a alma exaustos. Nem tampouco ver, assuntar, medir, pesar, adjetivar, qualificar. Ela não é do campo do substantivo nem do adjetivo, nada tem a ver com alguma substância dura, pétrea, imóvel, formatada em ideais de valor de troca. Nada a ver com a troca, pilar e essência do capital em seu cortejo mortuário. Ela não é o ser-diferente, até porque não há o ser. Não é o estranho-em-nós. Já somos de antemão  e suficientemente estranhos, estranhos a nós e ao mundo. Não há cálculos para identificá-la. Quando há, dão sempre errado, as contas não fecham, tudo se frustra e se decompõe. Ao inverso e bem mais além aqui mesmo, há somente corpos, corpos de corpos, corpos no interior de corpos, devires, processos, passagens, relãmpagos, vertigens, intensidades, frêmitos, respirações, ardores, ardências, viagens anômalas no mesmo lugar. Da diferença não se alimenta o narcisismo porque também não existe o narcisismo no seu universo, este sim, verso encantado, encantador e cantador em estradas desertas. A diferença é o bicho. Não tem forma, não é identificável pela percepção de representações exatas ou imagens-clichês. A diferença é o bicho na espreita. Percorre o mundo em linhas finas de sensibilidade. Com delicadeza foge de todos os dualismos, de todos os títulos, de todos os senhores, de todas as pátrias, de todas as pretensões e boas intenções da racionalidade, da consciência e do pensamento da autoridade, mesmo a mais admirável e mansa. Brinca com o poder, com a morte e com o amor. Faz disso a própria natureza do seu percurso invisível e silencioso pelos caminhos desconhecidos do encontro. Composta de multiplicidades ingênuas e  encravada na irreversibilidade do tempo, se tece e se faz inglória e pura. Mas quem a suporta?

A.M.

A TENTAÇÃO  FASCISTA

Alvo de críticas desde o lançamento do filme "A Primeira Tentação de Cristo" na Netflix, o canal Porta dos Fundos foi alvo de um atentado na madrugada desta terça-feira, no Rio de Janeiro. Localizada no Humaitá, na zona sul, a sede da produtora teve sua fachada atingida por coquetéis molotov, informou a assessoria de imprensa do grupo. O caso está sendo investigado pela 10ª DP (Botafogo), onde foi registrado como crime de explosão. Um dos seguranças conseguiu controlar o princípio de incêndio e não houve feridos. O ataque ocorreu por volta das 4h.
(...)

Correio do Povo, Porto Alegre, 25/12/2019
Entrada

Distâncias somavam a gente para menos. Nossa
morada estava tão perto do abandono que dava até
para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens
profundas com os sapos, com as águas e com as
árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza
avançava nas minhas palavras tipo assim: O dia
está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol
põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me
empobrece. E o rio encosta as margens na minha
voz. Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade
de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem.
Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então
comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me
dei bem. Perdoem-me os leitores desta entrada mas vou
copiar de mim alguns desenhos verbais que fiz para
este livro. Acho-os como os impossíveis verossímeis de nosso mestre Aristóteles. Dou quatro exemplos:
1) É nos loucos que grassam luarais;
2) Eu queria crescer pra passarinho;
3) Sapo é um pedaço de chão que pula;
4) Poesia é a infância da língua. Sei que os
meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas
se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei.
Sobre o nada eu tenho profundidades.


Manoel de Barros

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

PARA ALÉM DA CRÍTICA

A nossa crítica à psiquiatria não é uma crítica, é uma clínica. Ora, é comum à Crítica expressar um elemento paranóide que toma o seu objeto como perseguidor. Não é o caso. Além disso, sob as condições atuais do capitalismo axiomático aparentemente vencedor, a Crítica se torna um dispositivo social inofensivo e que adocica o discurso midiático em redundâncias sintáticas, semânticas e performáticas. Uma dominação semiótica se instala como verdade. Confira as ladainhas (reportagens) globais. Isso vai até o infinito...como efeito subjetivo. Mas há outros discursos mais pomposos. A universidade, por exemplo, traz uma verdade revelada e cauciona a psiquiatria oficial como transcendência do Conhecimento. Desse modo, aquieta paixões e resfria intensidades da prática clínica. Ao contrário, buscamos o avesso da história psiquiátrica canônica como ação de resistir aos biopoderes no interior da própria psiquiatria, da própria clínica, da  psicopatologia agonizante: um Caps.  


A.M

VICTOR BAUER


LEGIONÁRIOS DE CRISTO E A PEDOFILIA

A Congregação dos Legionários de Cristo, um dos grandes movimentos do cristianismo romano, publicou seu relatório sobre os abusos sexuais de menores no seu seio, principalmente por parte de seu fundador, o sacerdote Marcial Maciel, três dias após o Papa ter ordenado a remoção do segredo pontifício sobre os pedófilos eclesiásticos. O documento, intitulado Radiografia de Oito Décadas para Erradicar o Abuso, indica que, desde 1941 até o momento, 175 menores foram vítimas de abusos sexuais cometidos por 33 sacerdotes da congregação. O número inclui pelo menos 60 menores abusados por Marcial Maciel, falecido em 2008. A maioria das vítimas: meninos entre 11 e 16 anos. Desses 33 sacerdotes, seis morreram, oito deixaram o sacerdócio e 18 continuam na congregação, mas afastados do tratamento pastoral dos menores – quatro deles com restrições ao ministério e com um plano de segurança; 14 foram obrigados a não exercer o ministério sacerdotal público. Entre os sacerdotes que abusaram, 14 também teriam sido vítimas de abuso na congregação.

Diz-se que Bento XVI decidiu abandonar o cargo ante a resistência da Cúria em eliminar os pedófilos do Vaticano. O principal entre eles, Marcial Maciel, fundador dos Legionários, sempre foi protegido por João Paulo II – que chegou a propô-lo como exemplo da juventude. Sabe-se agora que Maciel, já falecido, enchia de dinheiro os bolsos de alguns dos cardeais próximos do Papa, pois havia transformado sua congregação num império econômico, com colégios, universidades, agências de notícias e de viagens, entre outros empreendimentos.

O escandaloso é que o Vaticano teve notícia da índole do fundador legionário em 1943 e que os jesuítas, com os quais Maciel estudou na Universidade de Comillas (Cantábria), o haviam expulsado do centro dois anos antes. Isso foi reconhecido em janeiro passado pelo prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, o cardeal João Braz de Aviz. “Quem o acobertou era uma máfia, eles não eram a Igreja”, disse o cardeal à revista católica Vida Nueva. João Braz foi a Madri para o encerramento da assembleia geral da Confederação Espanhola de Religiosos (Confer). “Tenho a impressão de que as denúncias de abusos de menores aumentarão, porque estamos apenas no início. Faz 70 anos que acobertamos, e isso tem sido um grande erro”, afirmou. Também disse que o Vaticano tinha documentos desde 1943 sobre a pedofilia dos Legionários.
(...)

Juan G. Bedoya, El País, Madri, 22/12/2019, 10:34 hs
desmorrer

escrevo com tesão
compulsoriamente
versos bons e ruins
porém nada é desabafo
válvula de escape
hipocrisia

escrevo como quem morre
e ressuscita



líria porto

O PRESIDENTE CAIU

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro levou um tombo no banheiro na noite desta segunda-feira, bateu com a cabeça, e foi levado para o Hospital das Forças Armadas em Brasília, onde passsou por exames que não detectaram alterações no cérebro. Ele ficará em observação pelo menos até a manhã desta terça-feira, segundo informou o Palácio do Planalto.
(...)

Jussara Soares, O Globo, 23/12/2019, 23?28 hs

domingo, 22 de dezembro de 2019

Convém não facilitar com os bons, convém não provocar os puros. Há no ser humano, e ainda nos melhores, uma série de ferocidades adormecidas. O importante é não acordá-las.

Nelson Rodrigues
PODE  ENTRAR  QUE A CASA É SUA

para Klecia e Lício, companheiros de visita


Na visita à Residência Terapêutica, alguém me chama a atenção. Trata-se de Renato (nome fictício). Ele tem 32 anos, alto, forte, fascies enigmático, corpo na terra suspenso no espaço. É que, ao mesmo tempo ele circula pelos espaços curvos dos cômodos da casa, pronuncia frases soltas, busca um destino onde já nem mais há destino. Aqui e ali expressa risos focais (a psiquiatria canônica chama isso de "risos imotivados") como se ele visse algo engraçado onde ninguém vê. Renato convive com cuidadores e outros pacientes e suas ações e reações trazem algo dos afetos desinteressados pelo aqui-agora e até por você enquanto pessoa que se acha importante. Intenso ele: parece viajar por mundos não sonhados sequer por ele próprio. Parece não portar um eu. Renato se deixa capturar por fluxos do real cotidiano (uma residência) que o lançam para limiares afetivos insólitos e desgarrados da realidade mais comezinha. Muito estranho esse rapaz! Seu olhar não se fixa a um objeto único, ao contrário, viaja dentro dele, no interior de si num brilho de eternidade que traz a sensação do próprio non sense compor o ar da Residência. Um céu impassivel pode fazer uma chuva forte, uma tempestade, ou um dia de sol luminoso e festivo, tanto faz. Tudo lhe é indiferente e ao mesmo tempo seu corpo liso compõe o ritmo do andar em círculos numa fala desconcertante. Aí é onde a sintaxe discursiva exibe padrões de construção bizarros. A semãntica segue-lhe os passos e os gestos (caretas)  tornam-se desconectados à ordem das regras sociais. Compreendê-lo requer a tarefa prática de adentrar num devir-loucura sem ficar louco. Renato não pára. Seu pensamento alça um vôo cego. No olhar e no movimento do corpo fragmentado ele flui um desejo sem pouso. Processo abortado. É um movimento quase imóvel à espera de um tempo que passa e não passa. Lá fora a cidade arrota princípios de verdade e ergue sem qualquer pudor suas garras naturais, suas violências delicadas. Mas Renato não está nem aí para todo esse caos de sentido já que ele é o próprio sentido fabricado por agências manicomiais seculares da saúde mental oficial. Daqui do meu canto, contemplo Renato imerso num vazio brutal da existência, mas sem melancolia. Ele saiu dos trilhos de uma razão cultural travestida de razão médica, ou pior, de razão cerebral. Regresso da visita com o corpo crivado de projéteis idealizados no fundo sem fundo do pesadelo da história humana. E me pergunto: por que tudo isso? como foi possível?

A.M. 

sábado, 21 de dezembro de 2019

Nitin Sawhney ft Joss Stone -- I Ask You #OneZero

pitbulls

nem havia cercas
depois fincaram estacas
esticaram arames
levantaram muretas
muros altos
puseram cacos de vidro
fios elétricos
e por último
uns rolos de aço
pontiagudo:
ninguém mais
dá bom-dia


Líria Porto

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

PARA UMA  ANÁLISE DA MEDICINA

É possível uma análise da medicina seguindo duas linhas conceituais ( entre outras). A primeira é a linha institucional. Refere-se à inserção política da medicina na sociedade a que pertence. Como a sociedade, no caso brasileiro, é capitalista, a medicina funciona como forma social conectada ao processo de produção de mercadorias. Os atendimentos médicos, os serviços, as consultas, as técnicas, os exames, etc, tudo é mercadoria exposta na vitrine do Mercado. Isso obedece ao método do capitalismo, o capital. Uma das consequências práticas de tal linha de pesquisa é ir contra um certo humanismo natural da medicina, outrora cercado por doce aura de romantismo. Acreditava-se (acredita-se?) que a medicina queria sempre o bem do paciente e que ser médico era uma profissão "linda" (sem ironia).A segunda linha conceitual diz respeito à visão epistemológica. Ela prioriza as relações de causalidade linear, a observação e descrição de objetos sólidos, mensuráveis e visibilizáveis e a compreensão mecanicista de um organismo físico-químico. Os exames de imagem são exemplos atuais e perfeitos.Está aí a enorme produção de conhecimento como efeito e a escassa produção de conhecimento como origem (etiologia) Ora, essas duas linhas (ou eixos) servem tão só como baliza teórico-prática necessária a uma visão crítica. Ao mesmo tempo não descarta os importantes serviços prestados ao paciente, mormente quando lida com procedimentos diagnósticos precisos e preciosos. E mais ainda em ações velozes nas terapêuticas de emergência. Como diria um bioquímico, a Emergência "tira gente da cova". Em suma, esse breve artigo tenta sobretudo por a medicina como um empreendimento social, mesmo que se mostre obra de algum doutor (o médico) ou expresse o indivíduo como único beneficiário (o paciente). Para além de uma relação dual, a medicina é uma relação coletiva, entendendo o coletivo como a multiplicidade do ser humano. Trata-se de uma ética de vida, ética da potência que precede (ou deveria preceder) as duas linhas referidas

A.M.

MIGUEL BAKUN


Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor.

Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

A INVENTAR

Uma psiquiatria materialista é a que trabalha o desejo do paciente e o desejo do técnico que o atende. Daí ser possível falar de uma conjugação desejante em prol de um Encontro. Técnico e paciente sob um regime igualitário. Isso se expressa tanto mais, tanto melhor, à medida em que os sistemas psiquiátricos (clínico, epistemológico e institucional) se abrem para as multiplicidades de fora. Por "multiplicidades de fora" entendemos as conexões da psiquiatria com as formas sociais, seja para combatê-las, seja para com elas estabelecer alianças. No primeiro caso estão as instituições repressivas e voltadas ao controle subjetivo (escola, família, estado,  etc) e no outro formações de saber que pulsam no interior dessas mesmas instituições.  São a arte, a filosofia e a ciência como modos do pensamento. Assim, uma psiquiatria materialista trabalha o desejo como produção. Faz desses três elementos práticas para cuidar do paciente. Em psicopatologia tudo vale à medida em que condições éticas e políticas sejam mantidas. Éticas: a busca da liberdade e do deslimite subjetivo. Políticas: em toda parte, o poder, o controle, mas a resistência como ato de criar. No fundo do niilismo atual (a neuromania) seria uma outra psiquiatria a inventar. 

A.M

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Fui criado no mato e aprendi a gostar das
coisinhas do chão –
Antes que das coisas celestiais.

Manoel de Barros

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

PAULO FREIRE ENERGÚMENO


O presidente Jair Bolsonaro chamou nesta segunda-feira (16) de “energúmeno” o educador Paulo Freire, patrono da educação brasileira, e declarou que a programação da TV Escola “deseduca”.

Na última sexta (13), o contrato não foi renovado com a associação responsável por gerir a TV Escola desde 1995. Em nota, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que estuda a possibilidade das atividades do canal serem exercidas por outra instituição da administração pública.
(...)

Por Guilherme Mazui, G1,Brasília, 16/12/2019, atualizado há uma hora

domingo, 15 de dezembro de 2019

Não lembro de ninguém assim tão à flor de si mesmo.

Caio Fernando Abreu

MAX RICHTER - Return 2

ELIANA DE CASTRO - ENTREVISTA ATEMPORAL COM GEORGE BATAILLE

O que é o erotismo?
Georges Bataille: É a aprovação da vida até na morte. Propriamente falando, não é uma definição, mas penso que essa fórmula dá sentido ao erotismo melhor do que qualquer outra.

Somente os homens fizeram da atividade sexual uma atividade erótica?
A atividade sexual de reprodução é comum aos animais sexuados e aos homens, mas, aparentemente, apenas os homens fizeram de sua atividade sexual uma atividade erótica, ou seja, uma busca psicológica independente do fim natural dado na reprodução e no cuidado com os filhos.

O senhor diz que o erotismo é a “exuberância da vida”. Muito bonito isso!
Toda a operação do erotismo tem por fim atingir o ser no mais íntimo, no ponto em que o coração desfalece. A passagem do estado normal ao de desejo erótico supõe em nós a dissolução relativa do ser constituído na ordem descontínua. Esse termo, dissolução, corresponde à expressão familiar vida dissoluta, ligada à atividade erótica. No movimento de dissolução dos seres, o parceiro masculino tem em princípio papel ativo, a parte feminina é passiva. É essencialmente a parte passiva, feminina, que é dissolvida enquanto ser constituído. Mas, para um parceiro masculino, a dissolução da parte passiva só tem um sentido: ela prepara uma fusão em que se misturam dois seres chegando juntos, no final, ao mesmo ponto de dissolução.

É de fato muito bonito. Penso, inclusive, que é raro. Porque, de alguma forma, pode levar ao tormento.
Para aquele que a experimenta, a paixão pode ter um sentido mais violento do que o desejo dos corpos. Jamais devemos esquecer que, a despeito das promessas de felicidade que a acompanham, ela introduz, antes de mais nada, a perturbação e a desordem. A própria paixão feliz acarreta uma desordem tão violenta que a felicidade de que se trata, antes de ser uma felicidade de que seja possível gozar, é tão grande que se compara ao seu contrário, ao sofrimento.

Sim, totalmente. Esse é o sentido da paixão no senso comum. Paixão no é felicidade.
A paixão nos repete incessantemente: se possuísses o ser amado, esse coração que a solidão estrangula formaria um só coração com o do ser amado. Ao menos em parte, essa promessa é ilusória. Mas, na paixão, a imagem dessa fusão toma corpo, às vezes de modo diferente para cada um dos amantes, com uma louca intensidade.

Por que em partes? Há verdade nisso?
Para além de sua imagem, de seu projeto, a fusão precária, que reserva a sobrevida do egoísmo individual, pode até entrar na realidade. Não importa: dessa fusão precária e ao mesmo tempo profunda, é o sofrimento – a ameaça de uma separação – que, a mais das vezes, deve manter a plena consciência.

Consciência do quê?
De duas possibilidades opostas. Se a união dos dois amantes é o efeito da paixão, ela evoca a morte. O desejo de assassinato ou de suicídio. O que designa a paixão é halo de morte.

Qual é a relação desse pensamento com Marquês de Sade?
Há na passagem da atitude normal ao desejo uma fascinação fundamental pela morte. O que está em jogo no erotismo é sempre uma dissolução das formas constituídas.

E essa fascinação é capaz de nos fazer esquecer tudo?
A perturbação erótica imediata nos dá um sentimento que ultrapassa tudo, de tal forma que as sombrias perspectivas ligadas à situação do ser descontínuo caem no esquecimento.

Ou seja, o erotismo é um dos aspectos da vida interior do homem, como o senhor escreveu.
Enganamo-nos quanto a isso porque ele busca incessantemente no exterior um objeto de desejo. Mas esse objeto responde à interioridade do desejo.

Qual a diferença entre erotismo e sexualidade animal?
O erotismo do homem difere da sexualidade animal justamente por colocar em questão a vida interior. O erotismo é, na consciência do homem, o que nele coloca o ser em questão.

Que profundo.
A sexualidade animal também introduz um desequilíbrio, e esse desequilíbrio ameaça a vida, mas o animal não o sabe.

Na literatura podemos viver o erotismo e tudo o mais?
O caráter gratuito dos romances, o fato de que o leitor está de toda maneira ao abrigo do perigo, impede normalmente de ver isso com clareza, mas vivemos por procuração o que não temos a energia de viver nós mesmos.

E às vezes a possibilidade de viver nós mesmos.
Se dispuséssemos sem conta de recursos morais, amaríamos viver assim nós mesmos. Quem não sonhou ser o herói de um romance? Esse desejo é menos forte do que a prudência – ou a covardia –, mas se falamos da vontade profunda, que apenas a fraqueza impede de realizar, as histórias que lemos com paixão nos oferecem seu sentido.

Para finalizar, vamos falar um pouco da filosofia…
Em geral, o erro da filosofia é se afastar da vida.

A filosofia – assim como a ciência – não tem respostas definitivas e está em constante movimento?
Uma filosofia é sempre um canteiro de obras, nunca uma casa. Mas seu acabamento não é o mesmo da ciência. A ciência elabora uma multidão de partes acabadas e só o seu conjunto apresenta vazios. Uma filosofia é uma soma coerente ou não é nada. Consequentemente, ela deve manter uma abertura aos desenvolvimentos que se seguirão no pensamento humano. É então um ato de consciência não buscar um estado definitivo que nunca será dado, mas sem por isso deixar de levar a elucidação ao limite das possibilidades imediatas.


CEMITÉRIO E AQUECIMENTO GLOBAL


AMONTADA — Um cemitério centenário na beira da praia no Ceará está sendo engolido pelo mar. Enquanto a água avança, a população vai recuando os túmulos. O local fica a cerca de 200 km de Fortaleza, capital do estado, e é testemunha quase silenciosa dos efeitos do aquecimento global.
Os túmulos ficam entre os distritos de Icaraizinho e Caetanos, dois pontos turísticos no litoral cearense. Ali, um corpo aportou na praia dentro de um saco em 1904. Segundo Herisvaldo Gonçalves de Souza, 55 anos, professor da escola da região e pesquisador da história local, uma senhora chamada Zefa Carmo enterrou o cadáver, que ficou conhecido como Homem do Saco.
(...)

Bruno Alfano,O Globo, 15/12/2019, 04:30 hs

LOUI JOVER


o recidivo

queria ter aprendido essa forma líquida de estar na vida
de ser um osso pintado a caminho da dança
pôr as mãos atrás das costas num gesto largo
para lançar o peito em figura de proa
para ter nas costas o navio crescendo
como uma árvore de fruto e dele
pingar homens bons às centenas
homens de coração exposto à ferida e à temperança
e nunca mais descer à casa do medo
nunca mais tremer
nunca mais declinar em vestígio
fazer do túmulo em chamas a casa do espírito
o cepo glorioso onde todos os dias oferecer as mãos e a testa limpa
ao machado e à vontade da coroa
(seja esta coroa seja esta vontade)
o coração ardendo sempre o coração ardendo livre

Valério Romão
ANGÚSTIA OU ANSIEDADE?

A semiologia psicopatológica (sinais e sintomas) passou por várias mudanças terminológicas nos últimos 20 anos. Isto se deve em parte ao avanço da psiquiatria biológica em sua conexão de pesquisa com as neurociências. A psicopatologia sofreu e sofre o efeito dos neurométodos, levando-a à beira de em extermínio prático (ou clínico). Vejamos o caso do sintoma chamado "ansiedade". Ela é mal definida, mal compreendida e expressa de modo impreciso pelo paciente. Outrora,talvez sob influência da psicanálise e da filosofia fenomenológico-existencialista, era chamada de "angústia". Seria a mesma coisa? Ora, trata-se de não comparar uma possível semelhança, mas de verificar a que isso leva no encontro com o paciente. Enquanto afetos destrutivos, ambas atingem e se efetuam no corpo.No caso da angústia, a experiência corporal (uma palpitação, por exemplo) remete a sensações de dor psiquíca que ultrapassam o corpo visível em prol de dobras da alma num regime de opacidade expressiva. Ou seja, a angústia é um sintoma mal definido, mas que no entanto traz para a clínica a dimensão do indizível ( "não tenho palavras") e do invisível ( "ninguém enxerga como me sinto"). No caso da ansiedade, ao contrário, os poderes médicos (em especial a parceria psiquiatria-neurociências)fabrica um campo dizível ( "a queixa principal") e visível ("o reino da tecnologia da imagem") que faz do paciente um organismo físico-químico passível de um reparo visando alcançar a normalidade. Na história recente da CID-10 a ansiedade sai do rol dos sintomas e ganha status de doença ou transtorno da ansiedade. Mais uma vez ressoa a questão: em que isso serve ao paciente, ou mais amplamente, à vida que sofre e agoniza? Optamos por trabalhar com o conceito de angústia dada a amplidão de afetos negativos a que ela  suscita e conduz, mesmo e principalmente afetos estranhos, bizarros e não codificáveis em manuais e protocolos.Essa é uma clínica da diferença e não da semelhança e não da identidade fixa do doente.

A.M.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

SEXTA-FEIRA, 13


O Ministério Público Federal (MPF) denunciou Walter Faria, proprietário do Grupo Petrópolis, por lavagem de mais de R$ 1,1 bilhão em favor da Odebrecht entre 2006 e 2014, no âmbito da Operação Lava Jato.

A denúncia foi divulgada pelo MPF nesta sexta-feira (13).

Além de Walter Faria, outras 22 pessoas ligadas ao Grupo Petrópolis, Antígua Overseas Bank e ao departamento de Operações Estruturadas do Grupo Odebrecht também foram denunciadas.

A denúncia faz parte da 62ª fase da Operação Lava Jato, que investiga o envolvimento de membros do Grupo Petrópolis em um esquema de lavagem de dinheiro desviado de contratos públicos.

Na oportunidade, ele teve a prisão decretada e se entregou à polícia após ficar cinco dias foragido.

De acordo com a força-tarefa os recursos foram desviados principalmente de contratos com a Petrobras.

Segundo o MPF, Faria atuou como operador de pagamento de propinas.

De acordo com a assessoria de imprensa de Walter Faria, os fatos mencionados já foram esclarecidos e arquivados em decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

O G1 tenta contato com as defesas dos demais citados.

(...)

Por G1 PR, 13/12/2019, 16:47 hs, atualizado há 10 minutos

DIVINO AMOR - direção de Gabriel Mascaro,2019

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

cela

moro sozinha
não me sinto solitária
:
tenho a minha companhia
das muitas que me habito
dos meus livros dos meus grilos
das perguntas que me faço
dos amigos virtuais
(e imaginários)
e dos meus próprios fantasmas


líria porto

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A CULTURA EM PERIGO

O cineasta Karin Aïnouz, diretor de A vida invisível , filme cuja exibição foi proibida pela Ancine em um evento de capacitação de servidores, publicou há pouco um texto em seu Facebook em que chama de "censura" a decisão. Aïnouz faz críticas ao governo Bolsonaro, a quem acusa de estar aniquilando a cultura nacional.
(...)

Guilherme Amado, Época, 10/12/2019, 16:23 hs

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

JEAN LUC-PONTY - The Gift Of Time

OUTRA PSICOPATOLOGIA

(...)
A psicopatologia, descolada da psiquiatria, passa a ter vida própria. Uma psicopatologia órfã. Afirmá-la requer sobretudo a capacidade de criar condições para o pensamento. Não fazer refletir, mas fazer pensar a saúde mental ao mesmo tempo com e sem as categorias psiquiátricas. Deixar-se levar num paradoxo enunciativo vindo do mundo das psicoses. Isso corre o risco do non sense.  A clínica da diferença começa com as psicoses e, daí, com a quebra das significações dominantes. Há questões práticas e imediatas.O que fazer dos enunciados psiquiátricos encharcados de moral, mas que, por vezes, prestam socorro ao paciente em situações-limite?Um problema. O problema é o sentido. Pensar é criar, "seguir sempre a linha de fuga do vôo da bruxa". Esta frase intrigante traz o pensamento para a dissolução dos códigos psiquiátricos. "O que fazer com os doentes sem a psiquiatria?", diria o bom senso das instituições e das boas pessoas. Ora, já que a psicopatologia tornou-se órfã, os seus compromissos passam a ser outros. A ética precede a técnica. Estamos em outra.
(...)

A.M. in Linhas da diferença em psicopatologia
CENÁRIO

Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.

Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua?


Dante Milano

Shoot The Moon - Le Nederlands Dans Theater au cinéma

A felicidade real sempre parece bastante sórdida em comparação com as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a estabilidade não é, nem de longe, tão espetacular como a instabilidade. E o fato de se estar satisfeito nada tem da fascinação de uma boa luta contra a desgraça, nada do pitoresco de um combate contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob os golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa.
(...)
Aldous Huxley

domingo, 8 de dezembro de 2019

SAUDADE DO CRUZEIRO

Os sinais estavam dados. Derrotas e mais derrotas. Dívidas e mais dívidas. O Botafogo até ajudou, fazendo um gol no Ceará. O Cruzeiro só dependia de si. O Cruzeiro caiu. A história do Cruzeiro é maravilhosa. Mas não há história que resista ao passado. Não há história que resista a tantos erros seguidos... 
(...)


Blog do  Menon, 08/12/2019, 18:17 hs

ANNA RAZUMOVSKAYA


Eros

Do amor
sei pouco
Dói 
é vermelho
e tem um enorme
sombrero 
azul:
me perdi 
entre
as suas tramas
e desapareci.
A quem souber 
como 
me encontrar 
ofereço recompensa.
-

Lou Albergaria 
PSICOFÁRMACOS, AINDA

Organizando a questão:
1- Os psicofármacos são avanços tecno-científicos inquestionáveis; mas isso é insuficiente; e o uso clínico? 2-O problema é, pois, o da clínica: prescrever fármacos de modo punitivo, em excesso, sem diagnóstico, ou com diagnóstico errado; 3-Ou prescrever fármacos quando a indicação é a psicoterapia; 4-Ou prescrever fármacos quando nem a psicoterapia é indicada. 5-A visão e a prática farmacológica são tributárias de uma epistemologia mecanicista, portanto, limitadíssima na apreensão da vivência do paciente; 6-Em face da inserção de poder da psiquiatria, a insuficiência  dos fármacos transforma-se em danos reais ao paciente, naquilo que chamamos de psiquiatrização subjetiva. 7-Nos casos (principalmente neuroses) em que os fármacos atuam junto à psicoterapia, eles podem  maquiar os problemas reais. É que atuam sobre o sintoma e não sobre a experiência do sintoma. 8- Uma obviedade: de um ponto de vista macropolítico os fármacos atendem aos interesses da indústria farmacêutica internacional e das farmácias comerciais. 9- O capitalismo mundial integrado (CMI cf F. Guattari) necessita de psicofármacos para aperfeiçoar seus mecanismos de sujeição e controle. 10-Casos graves e gravíssimos em psicopatologia muitas vezes se beneficiam com os fármacos. Esta passa a ser uma das únicas linhas terapêuticas no cuidado ao paciente.

A. M.

ÍNDIOS ASSASSINADOS

Dois indígenas da etnia Guajajara foram assassinados neste sábado no município de Jenipapo dos Vieira, no Maranhão. Segundo testemunhas, os tiros partiram de um carro e mataram Raimundo e Firmino Guajajara. Outras quatro pessoas ficaram feridas. O crime ocorreu por volta de 12h30 às margens da rodovia BR-226, entre as aldeias Boa Vista e El Betel, a 506 quilômetros ao sul da capital São Luís. Outros Guajajara bloquearam a pista em protesto. 
(...)

El País, Felipe Betim, São Paulo, 07/12/2019, 22:46 hs

sábado, 7 de dezembro de 2019

Eu me permito apreciar isso, a manipular a coisa a meu favor porque eu tenho a febre da faca amolada, dos céus azuis e profundos.

Charles Bukowski

BaianaSystem - Lucro/Colar de Miçanga (Ao Vivo)

Xeque-mate

Quando menos se espera, já são horas.
A dama de espadas perde o gume
e o pássaro pousado vai embora. 

Quando menos se espera, o que se anuncia
não é a sorte grande, a estrela Aldebarã
ou a sagração da primavera.
São tempos de abutre
e o coração, músculo bélico, fraqueja. 

De repente, já é sábado,
há uns assuntos desagradáveis para resolver
e, sobre a pele confusa da alma,
uma densa crosta de óxido e desalento.

Quando menos se espera, o rei está em xeque,
e é dezembro.
Há uma complicação de trânsito
na avenida
uma artéria que não dá passagem.
Quando menos se espera, já é tarde.


Carlos Machado

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

DIA DE VISITA

A atividade clínica da equipe de um caps ocorre (também) em visitas domiciliares. Isso expressa o movimento do caps para fora de si mesmo. Ou seja, para além do espaço de atendimento interno, o paciente é percebido no seu locus. Um real em si mesmo é encontrado nos lugares mais longínquos e nos tempos mais inesperados. O acontecimento-loucura precede a clínica psicopatológica como o que a condiciona e o que a determina. Não é fácil esse "ir indo" no rumo do acaso, do desconhecido e do "ainda não visto". É preciso, pois, que tenhamos equipes técnicas funcionando à margem dos códigos biomédicos que impregnam as sinapses da alma. Não haverá mais diagnóstico fechado ou a se fechar. Ao contrário, o diagnóstico psiquiátrico passa a ser aberto, linha metodológica escancarada à compreensão sempre parcial da experiência da loucura. Visitas domiciliares são visitas para fora da normalidade da clínica. Um aprendizado dos signos... dispersos pelas ruas.

A.M.
Por que há tão poucas pessoas interessantes? Em milhões, por que não há algumas? Devemos continuar a viver com esta espécie insípida e tediosa? O problema é que tenho de continuar a me relacionar com eles. Isto é, se eu quiser que as luzes continuem acesas, se eu quiser consertar este computador, se eu quiser dar descarga na privada, comprar um pneu novo, arrancar um dente ou abrir a minha barriga, tenho que continuar a me relacionar. Preciso dos desgraçados para as menores necessidades, mesmo que eles me causem horror. E horror é uma gentileza.

Charles Bukowski