quarta-feira, 8 de junho de 2022

POESIA DAS RUAS

"Quem sonda o verso escapa ao ser como certeza, reencontra os deuses ausentes, vive na intimidade dessa ausência, torna-se responsável por  ela, assume-lhe o risco e sustenta-lhe o favor. Quem sonda o verso deve renunciar a todo e qualquer ídolo, tem que romper com tudo, não ter a verdade por horizonte nem o futuro por morada, porquanto não tem direito algum `a esperança, deve, pelo contrário, desesperar. Quem sonda o verso morre, reencontra a sua morte como abismo". O texto de Blanchot traz a poesia para o cotidiano. Neste sentido, pode-se questionar: seriam poetas só os que escrevem versos? Não.  A poesia não remete a uma profissão, a um ofício, a um campo intelectual, acadêmico, coisas da razão esperta e banal, nem mesmo a um estilo de viver. Ao contrário, remete ao abismo insondável do sem-sentido, aquilo que está fora da linguagem, indizível, mas que é dito e adquire sentido como sensação de viver e de não apenas sobreviver. Assim, a experiência mais banal de reencontrar um grande amor é vivida na rareza de um corpo intensivo que é o próprio desejo como gratuidade impessoal. E constatar que o grande amor ainda brilha pelas superfícies da rua. Beleza e gratuidade. Isso ultrapassa as dimensões estreitas de um eu identitário (quem você é? oh, há quanto tempo!) e faz da experiência poética a dissolução (ainda que transitória) dos códigos da percepção consciente (signos significantes) que povoa o deserto dos afetos suspensos no ar. E eternos.


A.M.

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