AS LINHAS
E, depois, há linhas, uma vez mais, de um outro tipo: linhas de fuga. As linhas que criamos, e sobre as quais nós criamos. Às vezes, nós nos dizemos: mas elas estão como que encalhadas, elas estão como que bloqueadas. Às vezes, elas se desvencilham, elas passam por verdadeiros buracos, elas se destacam. Às vezes, elas estão perdidas … Os outros dois tipos de linhas as engoliram. E, depois, elas podem sempre ser retomadas. O que é esse terceiro tipo de linha? Se dizemos: fazer uma esquizoanálise de alguém. Isso seria chegar a determinar essas linhas, e os processos dessas linhas. Ora, para responder, enfim, à questão, uma coisa muito simples: chamemos “esquizofrenia” o traçado de linhas de fuga. E esse traçado de linhas de fuga é estritamente coextensivo ao campo histórico-mundial. Eu, pequeno burguês francês que não saí do meu país; o que eu deliro, ainda uma vez? Eu deliro a África e a Ásia, à guisa de vingança. E, por quê? Pois é isso o delírio… E não é preciso ser louco para delirar.
Então, se chamo isso de processo: é esse fluxo que me carrega pelo campo histórico-social a partir de vetores. Chamemos isso de viagem, à maneira de Laing e Cooper. Não vejo nisso um inconveniente, pois, com efeito, posso, também, muito bem delirar a pré-história, posso muito bem ter algo a tratar com a pré-história. De toda maneira, é isso que deliramos. Então, o que se passa? Eu digo que cada tipo de linha tem seus perigos. Eu creio que o perigo próprio à linha de fuga, a essas linhas de delírio, é qual? É, com efeito, uma espécie de verdadeiro desmoronamento. O que é um desmoronamento? E, bom, o perigo próprio às linhas de fuga – e é fundamental, é o mais terrível perigo – é que a linha de fuga se torne uma linha de abolição, de destruição. Que a linha de fuga que, normalmente, e enquanto processo, é uma linha de vida, e que deve traçar como que novos caminhos de vida, se torne uma pura linha de morte. E, finalmente, há sempre essa possibilidade. Há sempre a possibilidade de que a linha de fuga cesse de ser uma linha de criação e gire em círculos, como que se pondo a girar sobre si mesma, e desmoronando naquilo que chamamos um ano de “buraco negro”. Ou seja, tornando-se uma linha de destruição pura e simples. E é isso que, a meu ver, explica um certo número de coisas. Isso explica, por exemplo, a produção esquizofrênica enquanto entidade clínica, a esquizofrenia enquanto doença. E creio que o esquizofrênico é fundamentalmente e profundamente doente. É aquele que “apreendido” pelo processo, carregado por seu processo, por um processo… não aguenta o golpe. Ele não resiste ao golpe. É duro demais … É duro demais.
(...)
Trecho de aula - G. Deleuze, "O anti-édipo e outras reflexões, Vincennes, maio de de 1980
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