POLÍTICA DAS RUAS
Às 17h30 da quinta-feira, 20, a esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta era uma festa. Vinha gente de todo lado com cartazes defendendo causas e causas. Alguns eram sofregamente improvisados ali mesmo, nas calçadas, com cartolina e pincel atômico. Os mais divertidos e criativos eram os que atacavam o pastor Marco Feliciano e seu projeto de lei sobre a “cura gay”.
Foi mais ou menos nessa hora que apareceu o grupo de representantes de partidos e sindicatos, com suas bandeiras e bumbos. Eram poucos, pouquíssimos para o tamanho da manifestação, e foram recebidos com vaias e gritos de “Oportunistas” e “Sem partido”.
Eu estava ali por acaso. Havia ido ao Conjunto Nacional para uma entrevista com dois antigos militantes de esquerda, os dois torturados pela ditadura, hoje atuando em movimentos de direitos humanos. Ao encerrar a conversa, fomos para a esquina, ver a manifestação organizada pelo Movimento do Passe Livre para comemorar a redução das tarifas de ônibus na cidade.
Os dois estavam entusiasmados com a mobilização popular em todo o País. Diante das vaias, dirigidas sobretudo ao PT, um deles, que já militou no partido, comentou: “Isso é bom. O PT precisa aprender, precisa ver o quanto se distanciou dos movimentos sociais.”
Os dois foram embora e eu fiquei. Acompanhei, da calçada, o grupo de sindicalistas e militantes partidários.
Ele foi hostilizado a cada passo. Sempre que alguém puxava palavras de ordem contra sua presença na marcha, imediatamente surgiam vozes dispostas a repicar. Logo se ouvia: “PT, vai tomar no cu”, “Puta que o pariu, o PT é a vergonha do Brasil” e “Mensaleiro” .
Mas não foi só grito. Desde que entrou na Paulista, o grupo teve no seu encalço, quase colado, um bloco de pessoas dedicado a insultá-lo e provocá-lo.
Às vezes saltava desse bloco algum manifestante. Geralmente bem mais forte que a média, aparentando indignação desmedida e falta de controle, fazia provocações cara a cara, xingava, erguia o punho, até ser contido por alguém de seu próprio grupo ou por manifestantes defensores da não violência.
Os pró-partido tentavam ignorar, protegidos por um cordão humano, cujos integrantes tentavam não se descontrolar. Cheguei a imaginar que, em algum momento, chegaria algum reforço. Mas ele não veio. Na verdade, o grupo encolheu na caminhada.
Reconheci vários rostos entre os militantes que caminhavam de costas – para poder encarar as investidas do bloco antipartido. Já estive com eles em entrevistas e coberturas de ações de movimentos populares. Em sua maioria são pessoas ligadas à luta pela reforma agrária, por moradia, direitos dos indígenas, direitos humanos. Gente que fica mais à esquerda, critica as alianças do PT com setores conservadores e defende a presença dos manifestantes na rua.
O bloco dos antipartido, em determinados momentos se aproximava, depois recuava. Parecia uma tática para aumentar o medo. A certa altura, o bloco foi dividido: de maneira organizada, uma parte passou para a outra pista da Paulista e se alinhou ao grupo pró-partido. Começou a provocá-lo pela lateral.
Em três momentos da minha caminhada, que foi da esquina da Augusta ao Edifício Cásper Líbero, entre as alamedas Campinas e Joaquim Eugênio de Lima, presenciei palmas e urros de vitória ao redor de rodas que surgiam do nada. Nas três vezes o motivo era o mesmo: bandeiras subtraídas à força dos militantes pró-partido estavam sendo rasgadas e queimadas. De todos os lados se erguiam mãos empunhando celulares para registrar a cena.
Nas proximidades do Edifício Cásper Líbero, a marcha parou. Me afastei um pouco do grupo, para ver o que ocorria adiante e encontrei um bloco isolado, ameaçando seguir para a sede da Assembleia Legislativa. Na linha de frente, esses manifestantes estendiam a faixa mais bem produzida que vi na marcha, uma espécie de banner com quase cinco metros de comprimento. Dizia: “Lula, o câncer do Brasil”.
Ao voltar, só encontrei confusão.
Roldão Arruda - Estadão
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