A CARNE DO TEMPO
(...) Estamos em vinte e tantos de outubro. Não acompanho mais as datas. Que diz você? Meu sonho de 14 de novembro do ano passado? Há intervalos, mas ficam entre sonhos e deles não resta consciência alguma. O mundo ao meu redor está se dissolvendo, deixando aqui e acolá manchas de tempo. O mundo é um câncer que está comendo a si próprio... Estou pensando que, quando o grande silêncio descer sobre tudo e todos, a música triunfará por fim. Quando tudo se retirar de novo para o útero do tempo, o caos será restabelecido, e o caos é a página sobre a qual a realidade está escrita. Você, Tânia, é o meu caos. É por isso que canto. Não sou nem eu, é o mundo morrendo, deixando cair a pele do tempo. Eu ainda estou vivo, dando pontapés em seu útero, uma realidade sobre a qual escrever. (...) Adormecendo. A fisiologia do amor. A baleia com seu pênis de um metro e oitenta, em repouso. O morcego - penis libre. Animais com um osso no pênis. Daí, um osso espetado... "Felizmente", diz Gourmont, "a estrutura óssea está perdida no homem". Felizmente? Sim, felizmente. Imagine-se a espécie humana andando de um lado para outro com um osso espetado. O canguru tem pênis duplo: um para os dias úteis e outro para os feriados.
(...)
Henry Miller in Trópico de Câncer
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