OS MISTÉRIOS DA PERSONALIDADE
Amigos, tive um vizinho que era o que se chama um homem de bem. Quando ele passava, cumprimentando todos, inclusive postes (tinha o gênio do cumprimento), as pessoas sussurravam, espavoridas: — “Olha o homem de bem! Olha o homem de bem!” E ele passava. Tinha uma testa que começava na frente e ia acabar cá atrás no cangote.
Diz, porém, a minha vizinha gorda e patusca: — “Nada como um dia depois do outro.” Pois bem. E, de repente, acontece apenas o seguinte: — aos 50 anos de vida, e de repente, o homem de bem bate uma carteira. E o pior vocês não sabem. A vítima não foi um qualquer. Simplesmente, o homem de bem estava no velório de um contraparente. E bateu a carteira do defunto.
Como? Como? Não era homem de bem, de uma vida imaculada? Era, até aquele dia. E ao ver o defunto deu-lhe a vontade incoercível de roubar a carteira do morto. Fingiu que o beijava na testa, ao mesmo tempo que sua mão, voraz, deslizava por baixo de cravos e dálias. O resto se deu.
Foi logo agarrado. E, então, aquele santo soluçou: — “Eu não tenho culpa.” E deu a explicação: — “São os mistérios da personalidade.” Os presentes passaram da indignação santa para a perplexidade aguda.
Contei a fábula e passo adiante. Bem sei que todo mundo tem os chamados mistérios da personalidade. E, nesse caso, qualquer sujeito é capaz de tudo, até de uma boa ação. Ou melhor: — Boa ação é exagero. E o culpado sempre dirá, aos berros: — “São os mistérios da personalidade.”
Nelson Rodrigues
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