domingo, 3 de maio de 2015

A CRUCIFICAÇÃO DA DIFERENÇA

(...) Quarto postulado: o elemento da representação É este o mundo da representação em geral. Dizíamos, anteriormente, que a representação se definia por certos elementos: a identidade no conceito, a oposição na determinação do conceito, a analogia no juízo, a semelhança no objeto (grifos nossos). A identidade do conceito qualquer constitui a forma do Mesmo na recognição. A determinação do conceito implica a comparação dos predicados possíveis com seus opostos, numa dupla série regressiva e progressiva, percorrida, de um lado, pela rememoração e, de outro, por uma imaginação que tem o objetivo de reencontrar, recriar (reprodução memorial imaginativa). A analogia incide sobre os mais elevados conceitos determináveis ou sobre as relações dos conceitos determinados com seu objeto respectivo e apela para a potência de repartição do juízo. Quanto ao objeto do conceito, em si mesmo ou em relação com outros objetos, ele remete à semelhança como ao requisito de uma continuidade na percepção. Portanto, cada elemento solicita particularmente uma faculdade, mas se estabelece também de uma faculdade a outra no seio de um senso comum (por exemplo, a semelhança entre uma percepção e uma rememoração). O Eu penso é o princípio mais geral da representação, isto é, a fonte destes elementos e a unidade de todas estas faculdades: eu concebo, eu julgo, eu imagino e me recordo, eu percebo - como os quatro ramos do Cogito. E, precisamente sobre estes ramos, é crucificada a diferença. Quádrupla sujeição, em que só pode ser pensado como diferente o que é idêntico, semelhante, análogo e oposto; é sempre em relação a uma identidade concebida, a uma analogia julgada, a uma oposição imaginada, a uma similitude percebida que a diferença se torna objeto de representação. É dada à diferença uma razão suficiente como principium comparationis sob estas quatro figuras ao mesmo tempo. Eis por que o mundo da representação se caracteriza por sua impotência em pensar a diferença em si mesma; e, ao mesmo tempo, em pensar a repetição para si mesma, pois esta só é apreendida através da recognição, da repartição, da reprodução, da semelhança, na medida em que elas alienam o prefixo RE nas simples generalidades da representação. O postulado da recognição era, pois, um primeiro passo na direção de um postulado da representação, muito mais geral.
(...)
Gilles Deleuze in Diferença e Repetição

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