A CRUCIFICAÇÃO DA DIFERENÇA
(...) Quarto postulado: o elemento da representação
É este o mundo da representação em geral. Dizíamos, anteriormente, que a
representação se definia por certos elementos: a identidade no conceito, a oposição na
determinação do conceito, a analogia no juízo, a semelhança no objeto (grifos nossos). A identidade do
conceito qualquer constitui a forma do Mesmo na recognição. A determinação do
conceito implica a comparação dos predicados possíveis com seus opostos, numa dupla
série regressiva e progressiva, percorrida, de um lado, pela rememoração e, de outro, por
uma imaginação que tem o objetivo de reencontrar, recriar (reprodução memorial imaginativa).
A analogia incide sobre os mais elevados conceitos determináveis ou sobre
as relações dos conceitos determinados com seu objeto respectivo e apela para a potência
de repartição do juízo. Quanto ao objeto do conceito, em si mesmo ou em relação com
outros objetos, ele remete à semelhança como ao requisito de uma continuidade na
percepção. Portanto, cada elemento solicita particularmente uma faculdade, mas se
estabelece também de uma faculdade a outra no seio de um senso comum (por exemplo, a
semelhança entre uma percepção e uma rememoração). O Eu penso é o princípio mais
geral da representação, isto é, a fonte destes elementos e a unidade de todas estas
faculdades: eu concebo, eu julgo, eu imagino e me recordo, eu percebo - como os quatro
ramos do Cogito. E, precisamente sobre estes ramos, é crucificada a diferença. Quádrupla
sujeição, em que só pode ser pensado como diferente o que é idêntico, semelhante,
análogo e oposto; é sempre em relação a uma identidade concebida, a uma analogia
julgada, a uma oposição imaginada, a uma similitude percebida que a diferença se torna
objeto de representação. É dada à diferença uma razão suficiente como principium
comparationis sob estas quatro figuras ao mesmo tempo. Eis por que o mundo da
representação se caracteriza por sua impotência em pensar a diferença em si mesma; e, ao
mesmo tempo, em pensar a repetição para si mesma, pois esta só é apreendida através da
recognição, da repartição, da reprodução, da semelhança, na medida em que elas alienam
o prefixo RE nas simples generalidades da representação. O postulado da recognição era,
pois, um primeiro passo na direção de um postulado da representação, muito mais geral.
(...)
Gilles Deleuze in Diferença e Repetição
Nenhum comentário:
Postar um comentário