sábado, 9 de maio de 2015

OUTROS DIAGNÓSTICOS  


Ao contrário da psicanálise, não pensamos o real como impossível. O real é o mundo. O mundo é isso aí.  Pois não se trata de uma questão do possível ou não. Trata-se de uma questão mundana, terráquea, terrificante. Este é que é o  mundo! Ele é real porque é composto por multiplicidades. Talvez, então, se possa fazer um diagnóstico do real mediante o uso de índices coletivos, aleatórios, rizomáticos. Eles funcionam como linhas de subjetivação fabricadas no cotidiano da vida de todos nós. Assim, ao invés de diagnósticos amarrados à grade cidológica, à verdade tosca da psiquiatria, sugerimos  diagnósticos institucionais, anormais, fora da ordem, formas sociais em fluxos a-significantes rodopiando sem cessar. Na esteira dessa linha, a potência da arte,  potência do falso. Claro que sem o uso de categorias do “bem” ou do “mal”, tais estados de coisas constituem e revelam o caos moderno enquanto dispersão irreversível de valores e conseqüente erosão do sentido. Em que (ou quem) acreditar? Alguns desses diagnósticos: 1- O aumento irrefreável da velocidade dos dias, luas, luares e afazeres; tocar a vida passa a significar o exercício de mergulhos diários em vagas assombrosas e estímulos de toda ordem. 2-A intoxicação (ansiada) por imagens-clichês, impedindo e produzindo  a expressão de si mesmo num emaranhado de signos flutuantes. 3-O automatismo tecnológico gerando e gestando  organismos-zumbis em torno de circuitos não ultrapassáveis; a liberdade aparente. 4-A violência naturalizada e normatizada à espera de motivos banais para se manifestar. Cuidado ao sair à rua, cuidado, cuidado: uma panfobia disseminada. 5- O fim (sem retorno) das utopias socialistas do século XIX, bem como dos ideais humanistas que as alimentavam. 6-O fracasso (doloroso, mas nem sempre admitido) do projeto positivista e salvacionista da ciência. 7- O fim das referências políticas de direita e de esquerda,  dois termos, duas chaves políticas funcionando tão só como alegorias retóricas ou à serviço do eterno cinismo dos poderosos. 8-O poder desenfreado e esfomeado da mídia, produzindo subjetividades dóceis amamentadas na sala, no quarto de dormir, em toda parte. 9-O anacronismo da Escola como produtora de cultura e senso crítico. O analfabetismo político a rigor. 10-A roubalheira instalada na esfera pública, não mais como episódios focais, como desvios, mas como projeto de governo, a lei do vale-tudo. 11-A transformação da figura de Deus em mercadoria santa e/ou moeda de troca lucrativa, espécie humana de empresa divina.12-O modelo da morte operando no coração das práticas do alto astral. Não se deprima, não se deixe abater. Injete auto-ajuda na veia. 13- Os presídios superlotados e o Parlamento vazio nas segundas e sextas-feiras. Braxília para todos. 14-A máquina do Estado macro e micro controlando as vidas privadas, o controle sempre mais ampliado, o controle ampliando-se e impedindo corpos intensos e intensivos de vibrarem por si mesmos. “Não deixarão você experimentar no seu canto”. 15- A promoção de organismos físico-químicos como órgãos e peças da razão consciente e humanitária da Medicina tecnológica.  Silêncio dos inocentes, pacientes do SUS. 16-A nulificação e a despotencialização da sociedade civil enquanto modo de influir no governo. Os sindicatos como cidades fantasmas, cadáveres  gordos, o fim da política, o faz-de-conta convincente, o luto sem remissão substituindo a Luta em estado puro. 17- A desmoralização pública das assim chamadas esquerdas e o Vazio brutal  erguido frente ao buraco negro da Consciência burocrático-estatal. 18-A pobreza ubíqua, oblíqua, escandalosa, tanto material quanto espiritual, intelectual, acompanhando sensibilidades embotadas. 19-O aniquilamento da ética como potência e a sua correlata promoção enquanto poder de matar, corromper, mentir, trapacear, tudo em nome da Família, de Deus, do Estado, da Ciência e dos Direitos Humanos. 20- O abandono da criança como personagem conceitual,  como desejo indomável, como força indomesticável e a sua substituição pelo menino de rua, menino drogado, capitão de areia versus menino bem comportado nas escolas da classe média, nas escolas das classes altas, nas Escola do Bem Amado. 21-A Injustiça justa, a Justiça injusta, o seu funcionamento com passos de formiga. Os condenados da terra, os famélicos alimentados por socialistas de mercado.  22- A forma-universidade como lugar do Conhecimento Imaculado pelos interesses corporativos e eternizados como verdades absolutas. O platonismo revisitado, a competência com ares de arrogância disfarçada. Enfim, a mais-valia acadêmica apoiando a demência generalizada.  23- A miséria das periferias, o grito inaudível das populações do Baixo acessando promessas de esmolas ad eternum. A clivagem das classes sociais como lei da natureza. A infinita decepção com o Deus Todo Poderoso. 24- O cais da Religião, os territórios erguidos em nome do Absoluto, velhas crenças desmoronando sem deixar vestígio. 25-O estilhaçamento  esquizofrênico do tempo e o empreendimento mortífero da busca (imaginária) pela unidade perdida em nome do Um, de Deus, do Conhecimento, da Verdade, do Estado, do Partido,etc.

A.M.

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